quarta-feira, 15 de maio de 2013

O abuso "Bloomberg"




  Soam a falso as desculpas apresentadas pela "Bloomberg LP" depois de revogar o acesso dos jornalistas da empresa a informação confidencial de clientes dos seus serviços financeiros imediatamente após ter sido confrontada com uma queixa da "Goldman Sachs".

  A "Bloomberg" afirma ter retirado em Abril o privilégio que permitia aos jornalistas acederem a informação sobre o histórico dos terminais, incluindo funções utilizadas, solicitações de apoio técnico e respectivas transcrições, além de fluxo de mensagens, segundo o director-executivo da empresa Daniel Doctoroff. 

  Os destinatários e conteúdo das mensagens, a identificação de acções ou obrigações, por exemplo, não seriam, contudo, acessíveis aos jornalistas que podiam obter endereços de e-mail ou números de telefone dos utentes dos mais de 135 mil terminais ao que alega a "Bloomberg".

  A alteração de privilégios informáticos dos jornalistas da "Bloomberg", também partilhada por pessoal do sector de marketing e vendas, foi comunicada num memo interno na passada sexta-feira em que Doctoroff admitia o erro de permitir a repórteres o acesso parcial a dados confidenciais dos clientes.

  A queixa da "Goldman Sachs" fora noticiada nesse dia pelo tablóide "New York Post" e, segundo informações posteriores, teria sido motivada por uma repórter da "Bloomberg" inquirir junto da delegação em Hong Kong sobre o estatuto e paradeiro de determinado sócio do banco revelando ter conhecimento do histórico do seu terminal.

  Apesar da confidencialidade ser de regra no sector, rapidamente surgiram mais notícias de suspeitas de outros clientes de peso, designadamente por parte do "JPMorgan Chase", sobre os procedimentos utilizados pelos jornalistas da "Bloomberg".

   No caso do "JPMorgan Chase" os repórteres teriam, alegadamente, tido acesso a informação privilegiada ao investigarem em 2012 as perdas no montante de 2 mil milhões de dólares do corretor Bruno Iksil na delegação de Londres.

   Já em 2011 a "UBS" questionara eventual acesso irregular a dados sobre utilização de terminais por parte de jornalistas da "Bloomberg" que investigavam o corretor Kweku Adoboli por suspeita de fraude na perda de 2 mil milhões de dólares em investimentos.

   As suspeitas e apreensões dos clientes dos terminais da "Bloomberg", de bancos centrais a ministérios passando por investidores públicos e privados, resultaram numa série de pedidos de informação sobre eventuais riscos de quebra de confidencialidade.

  A divulgação acidental de mais de 10 mil mensagens trocadas entre corretores no âmbito de testes acordados com um cliente da "Bloomberg", noticiada esta terça-feira pelo "Financial Times", apesar de não ter relação directa com os privilégios informáticos que a empresa concedia aos seus jornalistas, veio turvar ainda mais as águas.

  A "Bloomberg" começou a oferecer informação económico-financeira em 1982, conta presentemente com mais de 15 mil funcionários, e a sua quota de mercado ronda os 30%, tendo facturado 7,9 mil milhões de dólares em 2012.

  Ao contrário de concorrentes como a "Thomson Reuters" ou a "Dow Jones", a "Bloomberg" depois de ter iniciado serviços noticiosos em 1990 optou por permitir o acesso de jornalistas a informação privilegiada gerada pelos serviços financeiros e de negócios, a principal fonte de receitas da empresa.

  Matthew Winkler, editor-chefe da "Bloomberg News", veio a público admitir tratar-se de um "erro indesculpável", mas o mal está feito e os mais de 2400 jornalistas da empresa, que produzem informação de altíssima qualidade, vão pagar pelos abusos em que foram coniventes.

  A investigação sobre a gigantesca rede de negócios urdida pela elite comunista chinesa ("Revolution to Riches") que a "Bloomberg News" divulgou no final do ano passado é um exemplo de jornalismo de primeira água que contou com todas as vantagens do acesso a muito informação propiciada pelos terminais dos serviços económico-financeiros.

  Inquéritos que estão a ser levados a cabo em todo o mundo sobre a forma como jornalistas da "Bloomberg" obtiveram determinadas informações irão confirmar pontualmente as óbvias facilidades de que gozaram ao acederem a dados tidos por confidenciais.

  A integridade dos dados e a confidencialidade sobre a utilização que os clientes fazem dos serviços da "Bloomberg" foram postos em causa pela própria empresa.

  Gestores, responsáveis dos diversos serviços da "Bloomberg" e os jornalistas da casa foram todos coniventes nestes actos de abuso.


Jornal de Negócios
15 de Maio 2013
http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/o_abuso_bloomberg.html

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