quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O resgate da discórdia





   O envolvimento de Moscovo no resgate de Nicósia é uma das fatalidades a que os governos europeus terão de se conformar para evitar a bancarrota e eventual saída do Chipre da eurozona.

   O primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, confirmou em Davos que Moscovo admite apoiar o governo cipriota, mas, só depois de estarem definidos os termos do resgate pelas instituições da eurozona que terá de arcar com o grosso do financimento.

   As declarações de Medvedev ao jornal holândes Handelsblatt, sublinhando o interesse de Moscovo na estabilidade do euro que representa 42% das reservas em divisas da Rússia, tal como afirmações similares do presidente Vladimir Putin em Dezembro, visam deixar em aberto um eventual prolongamento do prazo de pagamento do empréstimo concedido a Nicósia no final de 2011.

   O empréstimo russo ascendeu a 2,5 mil milhões de euros, a 54 meses com juro de 4,5%, evitando a bancarrota de Chipre que em Maio de 2011 perdera o acesso aos mercados internacionais, mas em Junho do ano passado Moscovo recusou novo crédito de 5 mil milhões de euros pedido por Nicósia.

   Ante a recusa russa o governo do presidente comunista Dimitris Christofias apelou à ajuda dos seus parceiros europeus, mas, ainda que o PIB cipriota equivalha a apenas 0,2% do conjunto da eurozona, viu-se de imediato confrontado com as objecções de Berlim.

   O executivo de Merkel, bem como a oposição social-democrata, estão contra um resgate que beneficie depositantes e credores da banca cipriota, alegando que parte significativa desses capitais tem origem ilícita.

   O Banco Central de Nicósia argumenta que cumpre as directivas internacionais contra branqueamento de capitais a que se obrigou com a entrada no euro em 2004, enquanto estatísticas divulgadas esta semana revelavam um surpreendente aumento de 7% em 2012 em relação ao ano anterior nos depósitos por parte de particulares e entidades exteriores à União Europeia.

   Dos 70,15 mil milhões de euros à guarda da banca no final do ano passado (mais 1,2% do que em 2011) 43,3 mil milhões cabiam a cipriotas, 5,3 mil milhões eram oriundos da UE (quebra de 1,2%) e 21,5 mil milhões tinham outras origens.

   A maior parte dos depósitos e investimentos estrangeiros, directos ou através de particulares e empresas cipriotas, é reconhecidamente de origem russa e Nicósia faz questão de manter a mais baixa taxação de capitais da eurozona – 10%.

   No final de 2012 verificou-se um desvio de capitais russos para outros países, em particular para a Letónia, mas a ilha do Mediterrâneo continua a ser parceiro privilegiado no que toca aplicação de recursos financeiros lícitos ou ilícitos com origem na Rússia mesmo depois da banca cipriota ter sido devastada, perdendo cerca de 4 mil milhões de euros, pela reestruturação da dívida da Grécia em Março do ano passado.

   Os resultados preliminares da auditoria do fundo de investimento norte-americano Pimco à banca cipriota que, segundo informações contraditórias teria estimado a reestruturação e recapitalização do sector em 10,3 mil milhões de euros ou 9 mil milhões, geraram uma discussão sobre os custos que poderiam ser assacados a grandes depositantes das instituições financeiras da ilha.

   Um resgate, considerando outras verbas necessárias para cobrir encargos do estado, que ascenda a 17,5 mil milhões de euros, praticamente equivalente ao PIB cipriota de 18 mil milhões de euros, levará a dívida cipriota a passar dos actuais 84% para valores acima dos 140%, um rácio que impossibilita o FMI de participar no financiamento.

   A previsível vitória nas eleições presidenciais de Fevereiro de Nicos Anastasiades, candidato da Convergência Democrática de centro-direita, não irá alterar no essencial os termos da negociação entre Chipre, a Comissão Europeia, BCE, FMI e Moscovo que terão de estar concluídas em Março quando alegadamente se esgotarão as disponibilidades de tesouraria de Nicósia.

   Reestruturação parcial da dívida soberana que afectará essencialmente a banca cipriota, imposição de perdas a detentores de obrigações de bancos intervencionados e a grandes depositantes, cativação de receitas futuras de receitas de exploração off shore de gás natural atendendo aos interesses russos, são algumas opções dificilmente ultrapassáveis e com consequências negativas na eurozona, que o resgate de Chipre traz consigo.

Jornal de Negócios
30 Janeiro 2013
http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/joao_carlos_barradas/detalhe/o_resgate_da_discordia.html

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Merkel devagar, devagarinho








   Na expectativa de que a economia da eurozona dê sinais de recuperação no segundo semestre Angela Merkel evitará até às eleições de Setembro qualquer iniciativa que alimente o temor do contribuinte alemão vir a suportar custos por transferências financeiras entre os parceiros da moeda única.

   É um imperativo político tanto mais que a margem de manobra da chanceler se reduziu drasticamente depois da derrota da coligação governamental nas eleições estaduais de domingo na Baixa Saxónia ter garantido a maioria absoluta à oposição no Bundesrat.

   O Partido Social-Democrata (SPD), os Verdes e Die Linke (A Esquerda) passaram a controlar 36 dos 69 mandatos no Conselho da Federação, a câmara que representa os 16 estados.

   A conquista pelo SPD e Verdes do parlamento de Hanover, por 69 mandatos contra 68 deputados da coligação entre democratas-cristãos (CDU) e o Partido dos Democratas Livres (FDP), culminou uma série de desaires da chanceler em eleições estaduais.

   Nos últimos dois anos Merkel perdeu cinco eleições, incluindo na Renânia do Norte-Vestefália, o estado mais populoso da Alemanha, e em Baden-Württemberg que os democratas-cristãos governavam desde 1952.

   O resultado da votação na Baixa Saxónia (CDU 36%, SPD 33%, Verdes 14%, FDP 10%) aponta no sentido do óbito da coligação formada em 2009.

   Os liberais superaram a barreira de 5% necessária para obter representação parlamentar graças ao voto táctico de eleitores da CDU, conforme solicitara, aliás, o líder democrata-cristão na Baixa-Saxónia, David McAllister, para evitar perder o parceiro da coligação vigente em Hanover desde 2003.

   Esta transferência de votos, aproveitando o sistema eleitoral que permite o duplo voto em partido e em deputado da circunscrição, significou uma quebra eleitoral de 6% para a CDU e não será repetida na votação nacional de Setembro para o Bundestag, a Dieta Federal.

   As sondagens sobre intenções de voto indiciam a exclusão do FDP do próximo Bundestag ou uma votação tão baixa que impossibilite a continuação da actual coligação.

   O presidente do FDP e vice-chanceler Philipp Rössler apresentou esta semana Rainer Brüderle, líder da bancada liberal no Bundestag, como cabeça de lista para as eleições de Setembro, mas repetir os 15% conseguidos na votação federal de 2009 é unanimente tido como tarefa impossível.

   Pelas bandas do SPD o péssimo desempenho de Peer Steinbrück desde a sua nomeação no início de Dezembro de 2012 como candidato a chanceler, incluindo uma tirada desastrosa sobre o salário insuficiente que aufere um chefe do governo em Berlim, não tem favorecido os social-democratas.

   Merkel, com taxas de popularidade pessoal superiores a 60%, consegue manter o seu partido à frente das intenções de voto do SPD (42% vs. 25%), mas a sangria dos liberais inviabiliza a manutenção da coligação.

   Para Steinbrück chegar a chanceler o SPD terá, contudo, de aumentar bastante a votação conseguida em 2009 (23%) e esperar que os Verdes mantenham ou superem os 11% das últimas eleições.

   Na política europeia Steinbrück não apresentou até agora alternativas à estratégia de Merkel de austeridade anti-inflacionária para obtenção de equilíbrios orçamentais sem mutualização de dívidas soberanas e assunção de passivos na recapitalização de bancos em risco.

   A oposição social-democrata partilha as objecções da coligação governamental quanto ao resgate de Chipre e é igualmente timorata quanto a compromissos em campanhas militares no estrangeiro.

   Na frente interna a chanceler, impossibilitada de aprovar legislação sem o aval da oposição no Bundesrat, poderá aceitar negociar pontualmente questões como a instituição de um salário minímo nacional ou revisão de subsídios para cuidados infantis o que tornará mais difícil a campanha de Steinbrück.

   O antigo ministro das finanças na coligação CDU/SPD de 2005-2009 ver-se-á obrigado a radicalizar muito o discurso para demarcar-se de Merkel que, por sua vez, capitalizará a imagem de gestora de uma política orçamental disciplinada e propiciadora de vantagens económicas.

   Se um agravamento da crise das dívidas soberanas e a recuperação da eurozona, que absorve 40% das exportações alemãs, não a traírem Merkel pode aspirar a que os democratas-cristãos e os social-cristãos da Baviera se mantenham como partido mais votado.

   Merkel terá, no entanto, de superar com larga vantagem o SPD para conseguir um terceiro mandato, em nova coligação com os social-democratas, e para tal reformas institucionais de fundo na União Europeia e uma revisão de políticas financeiras e económicas na eurozona terão de esperar.

Jornal de Negócios

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Hollande vai à guerra

French troops in Mali
Bamako, Mali
Eric Feferberg/AFP/Getty Images


   O descalabro no Mali acentuou-se em Março de 2012 quando o presidente Amadou Touré foi derrubado na sequência de derrotas militares ante separatistas tuareges e militantes islamistas no norte do país.

   Os golpistas, liderados pelo capitão Amadou Sanogo, acabarem por ceder ainda mais terreno à rebelião nortista e, sob pressão da “Comunidade Económica de Estados da África Ocidental” (CEDEAO), aceitaram que Dioncounda Traoré, um aliado de Touré e presidente da Assembleia Nacional, assumisse em Abril o cargo de chefe de estado interino num arranjo político instável.

   O risco de desmembramento do Mali e expansão da área de influência islamita salafita levou o Conselho de Segurança da ONU a aprovar em Dezembro a formação de uma força de intervenção africana sem que o financiamento, treino e composição do corpo expedicionário estivesse devidamente definido de forma a possibilitar uma acção militar a partir de Setembro deste ano.

   Na iminência das tropas de Bamako perderem o controlo dos centros urbanos na zona de transição para as savanas e pântanos do rio Níger que dão acesso às florestas do sul do Mali a antiga potência colonial optou por uma intervenção militar unilateral de emergência rapidamente legitimada pela ONU.

  O objectivo declarado da ofensiva francesa, lançada a partir do Chade e Burkina Faso, passa por conter a ofensiva nortista, suster a derrocada das instituições civis e militares no sul do Mali e proteger residentes franceses e europeus.

   A ataques aéreos e a mobilização de cerca de 2 500 militares permitirão à França estabilizar a situação ainda que fique em aberto a negociação de acordos políticos em Bamako capazes de vir a interessar rebeldes nortistas.

   A força de 3 300 homens da CEDEAO -- liderada pela Nigéria e com promessa de tropas do Níger, Burkina Faso, Senegal, Guiné-Conakry, Benin e Togo -- necessitará do apoio militar directo da França e do suporte logístico e de informações facultado pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha.

   Outros estados ocidentais – começando pelo Canadá, apostado no treino do contingente do Níger, a Dinamarca, Bélgica e Alemanha com ofertas de apoio logístico – tentarão igualmente levar o depauperado e inepto exército do Mali a recuperar o controlo das principais cidades do norte (Tombuctu, Gao e Kidal).

   As medíocres competências do contingente da CEDEAO, o desconhecimento do terreno desértico e do maçico montanhoso de Adrar des Ifhogas no nordeste, conspiram contra o êxito da operação que levará à dispersão dos combatentes nortistas para, de seguida, recorrerem a incursões pontuais e tácticas terroristas que irão obrigar a uma presença prolongada das forças francesas.

   O exército do Mali, rondando 3 mil efectivos, não oferece, por sua vez, qualquer credibilidade e o golpista Sanogo, que entre 2004 e 2010 recebeu formação militar nos Estados Unidos, ilustra o fracasso dos programas norte-americanos para combate anti-terrorista no Magrebe e África Ocidental.

   Grupos islamitas radicais como “Ansar Al Din” (“Defensores da Fé”) ou “Al Qaeda no Magrebe Islâmico”, mobilizam combatentes de todo o Magrebe, mas o fulcro da rebelião nortista, alegadamente contando com 3 mil homens armados, é ainda a reivindicação de independência tuarege.

   O “Movimento Nacional para Libertação do Azawad”, esmagadoramente tuarege ainda que incorpe alguns militantes shongais, árabes ou fulanis, persistirá na luta por um estado independente, e, tanto quanto os riscos que representa o islamismo radical, atemoriza o Níger, Argélia, Burkina Faso e Líbia com a ameaça de dissolução de fronteiras.

  Argel, por exemplo, apesar de reticente à intervenção de Paris deu luz verde ao sobrevoo do seu território para operações militares, remetendo-se à aceitação de um mal menor, enquanto tenta manter o controlo de uma linha de fronteira essencialmente imaginária numa vasta extensão do Saara que tradicionalmente alberga redes de tráficos vários arredias a pretensões de soberanias estatais distantes.

   Salvaguardada numa mission civilisatrice de combate a reais ameaças terroristas -- muito em particular contra a empresa nuclear “AREVA” que explora as jazidas de urânio do Níger –, além de contenção do islamismo salafita, França tentará nos próximos tempos encontrar uma estratégia que permita assegurar a integridade territorial do Mali.

   Às incertezas da guerra no deserto juntar-se-ão alguns dramas mais imediatos e pungente patentes na estimativa divulgada em Dezembro por agências da ONU de que uma eventual intervenção militar estrangeira no Mali poderia desalojar 700 mil pessoas das suas áreas habituais de residência.

  François Hollande partiu para a guerra e tão cedo não volta.

Jornal de Negócios

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Um golpe no Mali


Bamako, Março 2012

   Um golpe no Mali é uma daquelas fatalidades que raramente comovem por aí além os patronos dos tempos coloniais, neste caso a França que controlou até ao final dos anos 50 os desertos do norte e as fértis regiões banhadas a sul pelo rio Níger e a leste pelo rio Senegal.

  Outro golpe nem sequer atormenta a maior parte dos poderes africanos.

  Mas, desta vez, é um pouco diferente ainda que de momento o cenário seja trivial: desordem na capital, em Bamako, onde tropas amotinadas emitem comunicados pela televisão e pela rádio, entre saques e pilhagens, enquanto se desconhece o paradeiro do presidente Amadou Touré.

Por sinal estavam marcadas para Abril eleições em que Touré, chegado ao poder num golpe em 1991, se preparava alegadamente para deixar a presidência.

  A diferença neste golpe do Mali é que se estava mesmo à espera que acontecesse: no norte desértico fortalecia-se a revolta dos tuareges.

  O exército do Mali sofria derrota atrás de derrota ante os rebeldes entre os quais se contam muitos mercenários que combateram na guerra civil da Líbia.

  Cada vez mais refugiados dispersavam-se pelos países vizinhos: Mauritânia, Argélia, Níger, Burkina Fasso.

  Nos desertos do norte a subsistência está agora dependente sobretudo de contrabando de drogas e armas, encaminhamento de emigrantes ilegais para as costas do Mediterrâneo, e pouco mais.

 Campeiam bandos que se proclamam fiéis à Al Qaeda ou outros fiéis do radicalismo islamita.

 Um golpe no paupérrimo Mali, que com apenas 16 milhões de habitantes pouco tem de valor económico para mostrar além de exportações de algodão, em princípio nada teria de extraordinário.

 O problema é que desta vez o golpe no Mali é sinal muito claro de que toda uma zona que vai da Argélia ao Senegal, passa por todo o Sahel, na transição entre o Saara e a África das florestas, todas estas regiões mais a ocidente, para não falar do que se passa na África Oriental, estão à beira de um colapso político que nada pode trazer de bom.

 É por isso que o golpe do Mali não caiu na trivial indiferença.

O Mundo num Minuto/TSF
23 Março 2012

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Morto em Havana


El Cid Ruy Díaz soy, que yago aquí encerrado
y vencí al rey Bucar con treinta y seis reyes paganos.
De estos treinta y seis reyes, veintidós murieron en el campo;
los vencí en Valencia después de muerto encima de mi caballo.

El Cid, Burgos

   Entre Havana e Caracas tece-se a lenda de Hugo Chávez à imagem do Epitafio Épico del Cid, gravado no início do século XV sobre a tomba do Campeador no Mosteiro de San Pedro de Cardeña, nos arredores de Burgos, quatro centúrias volvidas sobre a morte do cavaleiro da Reconquista que en buena hora nació.

   A propaganda exigindo lealdade absoluta ao caudillo que se confunde com a nação, ¡Yo soy un pueblo, carajo!, repete-se até à exaustão na oficialista Venezoelana de Televisón.

   Espera-se pelo dia em que a estátua do comandante possa vir a destacar-se na desolada paisagem de Caracas junto ao mausoléu deserto do libertador Simón Bolívar.



   Talvez Chávez despertando para a eternidade como o bronze que François Rude esculpiu em 1845 para o parque à glória do Imperador em Fixin, na Borgonha, evocando um Napoleão que se libertava do exílio em Santa Helena.


"Napoléon s`éveillant à l`immortalité"

Musée et Parque Noisot, Fixin 

   A mitificação de Chávez é essencial e mais urgente do que nunca para paralizar a oposição e unir as hostes da revolução bolivariana no transe do passamento de um homem que, seguindo o dito de Mussolini, acreditava que as multidões são como mulheres para sempre submissas a um homem forte.

  Dispensar a “formalidade” da investidura presidencial explica-se essencialmente pela necessidade dos próceres do chavismo negociarem uma direcção colegial sob a liderança do vice-presidente Nicolás Maduro, sucessor ungido por Chávez, e Diosdado Cabello, o presidente da Assembleia Nacional.

   A personalização extrema da revolução bolivariana deixou escassa margem para a definição de uma hierarquia clara entre os seguidores de Chávez e as chefias do Partido Socialista Unido da Venezuela.

   Maduro e Cabello têm escasso tempo para dirrimir disputas mesmo que a oposição – congregada numa heteróclita aliança entre conservadores, socialistas e social-democratas -- esteja condenada a nova derrota na próxima votação para escolha do chefe de estado após os desaires nas eleições presidenciais e regionais de 2013.

   O compasso de espera não deverá contudo prolongar-se excessivamente pois urge proceder à desvalorização da moeda – que no mercado negro já se troca a 18 bolívares por dólar, praticamente quatro vezes o câmbio oficial – e tal passo não é de arriscar antes da eleição do sucessor de Chávez.

  Intratável a prosaica realidade, patente na redução das receitas do petróleo e no crescente défice orçamental que ultrapassará em breve níveis bastante superiores a 20% do PIB, irá pôr em causa os programas assistenciais que permitiram uma redução da pobreza de 56% em 1997 para 27% em 2011, de acordo com as estatísticas oficiais.

   Ao tornar-se insustentável o patrocínio estatal serão postas em causa as estruturas clientares criadas em 14 anos de revolução e será de temer que venha a esboroar-se a base social de apoio do populismo chavista.

   À medida que a inflação subir acima dos actuais 20% e diminuirem as receitas do estado, que já não consegue assegurar a importação e distribuição de bens essenciais como o açúcar ou o milho, é de esperar uma radicalização do regime.

  O estado, que assegura 1/3 dos investimentos, está, por outro lado, excessivamente dependente dos empréstimos de Pequim e Caracas terá de procurar novas fontes de financiamento da dívida pública.

   Faltam de resto investidores estrangeiros sobretudo para o sector petrolífero cuja produção caiu 22% desde 1999, quedando-se presentemente entre 2,52 ou 3 milhões/barris/dia, consoante estimativas independentes ou oficiais.

  Em Havana morreu o projecto de Chávez iniciar este mês novo mandato de seis anos renovável indefinidamente, mas, dada a fruste coesão social na Venezuela e a dissipação das formas tradicionais de controlo oligárquico pela revolução bolivariana o chavismo tem condições para se metaformosear em díspares vertentes populistas como sucedeu com o peronismo argentino.

   A esperança dos putativos herdeiros é que, como na lenda do Cid Campeador, Chávez mesmo morto venha a desfeitiar do alto de seu cavalo todos os inimigos até que tudo passe num vendaval.

Jornal de Negócios
9 Janeiro 2013
"La massa è come una donna che preferisce sottomettersi ai piu forti piuttosto che ai deboli."

Emil Ludwig, "Colloqui con Mussolini", 1932