quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Hollande vai à guerra

French troops in Mali
Bamako, Mali
Eric Feferberg/AFP/Getty Images


   O descalabro no Mali acentuou-se em Março de 2012 quando o presidente Amadou Touré foi derrubado na sequência de derrotas militares ante separatistas tuareges e militantes islamistas no norte do país.

   Os golpistas, liderados pelo capitão Amadou Sanogo, acabarem por ceder ainda mais terreno à rebelião nortista e, sob pressão da “Comunidade Económica de Estados da África Ocidental” (CEDEAO), aceitaram que Dioncounda Traoré, um aliado de Touré e presidente da Assembleia Nacional, assumisse em Abril o cargo de chefe de estado interino num arranjo político instável.

   O risco de desmembramento do Mali e expansão da área de influência islamita salafita levou o Conselho de Segurança da ONU a aprovar em Dezembro a formação de uma força de intervenção africana sem que o financiamento, treino e composição do corpo expedicionário estivesse devidamente definido de forma a possibilitar uma acção militar a partir de Setembro deste ano.

   Na iminência das tropas de Bamako perderem o controlo dos centros urbanos na zona de transição para as savanas e pântanos do rio Níger que dão acesso às florestas do sul do Mali a antiga potência colonial optou por uma intervenção militar unilateral de emergência rapidamente legitimada pela ONU.

  O objectivo declarado da ofensiva francesa, lançada a partir do Chade e Burkina Faso, passa por conter a ofensiva nortista, suster a derrocada das instituições civis e militares no sul do Mali e proteger residentes franceses e europeus.

   A ataques aéreos e a mobilização de cerca de 2 500 militares permitirão à França estabilizar a situação ainda que fique em aberto a negociação de acordos políticos em Bamako capazes de vir a interessar rebeldes nortistas.

   A força de 3 300 homens da CEDEAO -- liderada pela Nigéria e com promessa de tropas do Níger, Burkina Faso, Senegal, Guiné-Conakry, Benin e Togo -- necessitará do apoio militar directo da França e do suporte logístico e de informações facultado pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha.

   Outros estados ocidentais – começando pelo Canadá, apostado no treino do contingente do Níger, a Dinamarca, Bélgica e Alemanha com ofertas de apoio logístico – tentarão igualmente levar o depauperado e inepto exército do Mali a recuperar o controlo das principais cidades do norte (Tombuctu, Gao e Kidal).

   As medíocres competências do contingente da CEDEAO, o desconhecimento do terreno desértico e do maçico montanhoso de Adrar des Ifhogas no nordeste, conspiram contra o êxito da operação que levará à dispersão dos combatentes nortistas para, de seguida, recorrerem a incursões pontuais e tácticas terroristas que irão obrigar a uma presença prolongada das forças francesas.

   O exército do Mali, rondando 3 mil efectivos, não oferece, por sua vez, qualquer credibilidade e o golpista Sanogo, que entre 2004 e 2010 recebeu formação militar nos Estados Unidos, ilustra o fracasso dos programas norte-americanos para combate anti-terrorista no Magrebe e África Ocidental.

   Grupos islamitas radicais como “Ansar Al Din” (“Defensores da Fé”) ou “Al Qaeda no Magrebe Islâmico”, mobilizam combatentes de todo o Magrebe, mas o fulcro da rebelião nortista, alegadamente contando com 3 mil homens armados, é ainda a reivindicação de independência tuarege.

   O “Movimento Nacional para Libertação do Azawad”, esmagadoramente tuarege ainda que incorpe alguns militantes shongais, árabes ou fulanis, persistirá na luta por um estado independente, e, tanto quanto os riscos que representa o islamismo radical, atemoriza o Níger, Argélia, Burkina Faso e Líbia com a ameaça de dissolução de fronteiras.

  Argel, por exemplo, apesar de reticente à intervenção de Paris deu luz verde ao sobrevoo do seu território para operações militares, remetendo-se à aceitação de um mal menor, enquanto tenta manter o controlo de uma linha de fronteira essencialmente imaginária numa vasta extensão do Saara que tradicionalmente alberga redes de tráficos vários arredias a pretensões de soberanias estatais distantes.

   Salvaguardada numa mission civilisatrice de combate a reais ameaças terroristas -- muito em particular contra a empresa nuclear “AREVA” que explora as jazidas de urânio do Níger –, além de contenção do islamismo salafita, França tentará nos próximos tempos encontrar uma estratégia que permita assegurar a integridade territorial do Mali.

   Às incertezas da guerra no deserto juntar-se-ão alguns dramas mais imediatos e pungente patentes na estimativa divulgada em Dezembro por agências da ONU de que uma eventual intervenção militar estrangeira no Mali poderia desalojar 700 mil pessoas das suas áreas habituais de residência.

  François Hollande partiu para a guerra e tão cedo não volta.

Jornal de Negócios

Sem comentários:

Enviar um comentário