quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Morto em Havana


El Cid Ruy Díaz soy, que yago aquí encerrado
y vencí al rey Bucar con treinta y seis reyes paganos.
De estos treinta y seis reyes, veintidós murieron en el campo;
los vencí en Valencia después de muerto encima de mi caballo.

El Cid, Burgos

   Entre Havana e Caracas tece-se a lenda de Hugo Chávez à imagem do Epitafio Épico del Cid, gravado no início do século XV sobre a tomba do Campeador no Mosteiro de San Pedro de Cardeña, nos arredores de Burgos, quatro centúrias volvidas sobre a morte do cavaleiro da Reconquista que en buena hora nació.

   A propaganda exigindo lealdade absoluta ao caudillo que se confunde com a nação, ¡Yo soy un pueblo, carajo!, repete-se até à exaustão na oficialista Venezoelana de Televisón.

   Espera-se pelo dia em que a estátua do comandante possa vir a destacar-se na desolada paisagem de Caracas junto ao mausoléu deserto do libertador Simón Bolívar.



   Talvez Chávez despertando para a eternidade como o bronze que François Rude esculpiu em 1845 para o parque à glória do Imperador em Fixin, na Borgonha, evocando um Napoleão que se libertava do exílio em Santa Helena.


"Napoléon s`éveillant à l`immortalité"

Musée et Parque Noisot, Fixin 

   A mitificação de Chávez é essencial e mais urgente do que nunca para paralizar a oposição e unir as hostes da revolução bolivariana no transe do passamento de um homem que, seguindo o dito de Mussolini, acreditava que as multidões são como mulheres para sempre submissas a um homem forte.

  Dispensar a “formalidade” da investidura presidencial explica-se essencialmente pela necessidade dos próceres do chavismo negociarem uma direcção colegial sob a liderança do vice-presidente Nicolás Maduro, sucessor ungido por Chávez, e Diosdado Cabello, o presidente da Assembleia Nacional.

   A personalização extrema da revolução bolivariana deixou escassa margem para a definição de uma hierarquia clara entre os seguidores de Chávez e as chefias do Partido Socialista Unido da Venezuela.

   Maduro e Cabello têm escasso tempo para dirrimir disputas mesmo que a oposição – congregada numa heteróclita aliança entre conservadores, socialistas e social-democratas -- esteja condenada a nova derrota na próxima votação para escolha do chefe de estado após os desaires nas eleições presidenciais e regionais de 2013.

   O compasso de espera não deverá contudo prolongar-se excessivamente pois urge proceder à desvalorização da moeda – que no mercado negro já se troca a 18 bolívares por dólar, praticamente quatro vezes o câmbio oficial – e tal passo não é de arriscar antes da eleição do sucessor de Chávez.

  Intratável a prosaica realidade, patente na redução das receitas do petróleo e no crescente défice orçamental que ultrapassará em breve níveis bastante superiores a 20% do PIB, irá pôr em causa os programas assistenciais que permitiram uma redução da pobreza de 56% em 1997 para 27% em 2011, de acordo com as estatísticas oficiais.

   Ao tornar-se insustentável o patrocínio estatal serão postas em causa as estruturas clientares criadas em 14 anos de revolução e será de temer que venha a esboroar-se a base social de apoio do populismo chavista.

   À medida que a inflação subir acima dos actuais 20% e diminuirem as receitas do estado, que já não consegue assegurar a importação e distribuição de bens essenciais como o açúcar ou o milho, é de esperar uma radicalização do regime.

  O estado, que assegura 1/3 dos investimentos, está, por outro lado, excessivamente dependente dos empréstimos de Pequim e Caracas terá de procurar novas fontes de financiamento da dívida pública.

   Faltam de resto investidores estrangeiros sobretudo para o sector petrolífero cuja produção caiu 22% desde 1999, quedando-se presentemente entre 2,52 ou 3 milhões/barris/dia, consoante estimativas independentes ou oficiais.

  Em Havana morreu o projecto de Chávez iniciar este mês novo mandato de seis anos renovável indefinidamente, mas, dada a fruste coesão social na Venezuela e a dissipação das formas tradicionais de controlo oligárquico pela revolução bolivariana o chavismo tem condições para se metaformosear em díspares vertentes populistas como sucedeu com o peronismo argentino.

   A esperança dos putativos herdeiros é que, como na lenda do Cid Campeador, Chávez mesmo morto venha a desfeitiar do alto de seu cavalo todos os inimigos até que tudo passe num vendaval.

Jornal de Negócios
9 Janeiro 2013
"La massa è come una donna che preferisce sottomettersi ai piu forti piuttosto che ai deboli."

Emil Ludwig, "Colloqui con Mussolini", 1932 


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