domingo, 30 de setembro de 2012

Ganha Hollande e impõe-se a Alemanha


  
 
 
   Hollande dificilmente contará com apoios na Alemanha para abandonar ou desacelerar políticas de redução de défices orçamentais e dívida pública.
 
  A previsível derrota de Nicolas Sarkozy soa a dobre de finados pela estratégia de Angela Merkel de hegemonização política da eurozona, mas a chanceler continuará a opôr-se a transferências financeiras ou emissões de obrigações europeias que impliquem custos directos para os contribuintes alemães.

  A maioria do eleitorado alemão mantém uma apreciação positiva de Merkel ainda que sucessivas eleições estaduais tenham dilapidado o capital político da coligação governamental e condenado à irrelevância os liberais de Philipp Rösler.

   A votação de domingo em Schleswig-Holstein, deverá resultar no afastamento da actual coligação entre conservadores e liberais, podendo os social-democratas vir a formar governo com os verdes e um partido da minoria de língua dinamarquesa.

   Para o maior estado alemão, a Vestefália-Renânia do Norte, as sondagens indiciam que na eleição de 13 de Maio a coligação entre SPD e Verdes possa manter-se no poder em Düsseldorf.

   O SPD de Sigmar Gabriel ganha, assim, balanço na corrida para as legislativas de Setembro de 2013 e Merkel, esgotada a possibilidade de recuperação dos liberais, terá de admitir, pelo menos, a hipótese de retomar o entendimento à esquerda que vigorou no seu primeiro mandato entre 2005 e 2009.

                                  A Grande Coligação

   Merkel foi herdeira dos benefícios da "Agenda 2010" lançada por Gerhard Schröder em Março de 2003 que ao introduzir reformas de fundo no mercado de trabalho e na Segurança Social assentou as bases da actual fase expansionista da economia alemã, custando, no entanto, a reeleição ao chanceler em 2005.

   O SPD é dos primeiros a ter presente que a contestação à austeridade anti-inflacionária virada para a redução acelerada de défices orçamentais na eurozona irá acentuar-se com a eleição de François Hollande, mas, tal como os conservadores, os social-democratas recusam elementos cruciais da estratégia propalada pelo socialista francês.

    Uma vez no Eliseu, Hollande poderá levar a bom porto iniciativas para, por exemplo, reforçar projectos de criação de emprego financiados pelo "Banco Europeu de Investimento" no quadro da sua adenda ao "Pacto Fiscal", mas dificilmente contará com apoios na Alemanha para abandonar ou desacelerar políticas de redução de défices orçamentais e dívida pública.

   A esquerda alemã admite que a balança de pagamentos de Berlim não possa continuar a acumular saldos positivos ante a sangria de estados da eurozona e que o limite de tolerância a políticas que propiciam e acentuam recessões está prestes a ser ultrapassado, mas em causa alguma aceitará propostas radicais de mutualização da dívida pública ou uma revisão de estatutos do BCE que ponha em causa a prioridade ao controlo da inflação.

                                        A ilusão gaulesa 

    Apesar da "Standard & Poor`s" ter retirado, em Janeiro, a notação máxima a Paris os custos de endividamento da França mantiveram-se inalterados, incongruência que dificilmente persistirá se Hollande cumprir promessas eleitorais que pressupõem a manutenção de altos níveis de despesa pública incompatíveis com redução do défice orçamental e da dívida.

   A forte relutância a reformas de um mercado de trabalho enquistado ou de um sistema de prestações sociais insustentável, além do apoio ao proteccionismo, são cores fortes da paisagem francesa e não será um político baço e esforçado como Hollande a liderar uma ruptura na ausência de base social de apoio.

   O voto de protesto na Grécia – aproximando a admissão de bancarrota –, o desconcerto ante a dimensão da crise espanhola – insolúvel sem compromissos entre Madrid e as comunidades autónomas e purga da banca exposta à quebra imobiliária –, obrigam, no imediato, a declarações europeístas de empenho em medidas de apoio ao crescimento e criação de emprego.

                              Outras tiradas retóricas

   A busca de entendimentos entre Berlim e Paris implica mudanças retóricas quanto à dosagem de austeridade orçamental e estímulos ao crescimento e propiciará bravatas sobre a função de liderança da Comissão Europeia.

   Merkel passará do "diktat" à negociação morosa, mas, no essencial, não cederá sob risco de ser siderada pelo Tribunal Constitucional de Karlsruhe e o Parlamento de Berlim.

   Até que a ameaça de uma eventual implosão do euro ponha em causa os interesses alemães não se vislumbra que surja em Berlim um consenso sobre novas políticas financeiras e económicas que, de qualquer forma, terão de acarretar formas de integração institucionais inaceitáveis para a maioria dos eleitorados soberanos dos estados europeus.


Jornal de Negócios
2 Maio 2012

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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A ONU antes da Grande Guerra do Golfo





   O incontornável rosário de crises do Levante ao Hindu Kush assombra a Assembleia Geral da ONU que bem poderá revelar-se o último grande conclave internacional em Nova Iorque antes da Grande Guerra rebentar no Cáspio e no Golfo Pérsico.

   O desenvolvimento sustentado -- em vertentes como gestão ambiental ante mudanças climáticas e combate à pobreza, discutidas este Verão na Conferência Rio+20 – ou a reforma do Conselho de Segurança serão alguns dos temas sacrificados pela premente ameaça de guerra.

   A impossibilidade de instituições estatais multilaterais como a Liga Árabe, a Organização da Conferência Islâmica e a ONU mediarem pela via diplomática tréguas na guerra civil da Síria põe em relevo o confronto de políticas externas antagónicas que exacerbam um conflito com contornos étnicos e religiosos que extravassam além-fronteiras.

   A redes de alianças e interesses envolvendo e opondo estados como a Turquia, Arábia Saudita, Iraque e Irão, condenam a Síria a uma sangria sem fim à vista, mas que, inelutavelmente, levará à perdição a minoria alauíta no poder.

                                 Os meios necessários

    O impasse no Conselho de Segurança era previsível por Pequim e Moscovo considerarem que a NATO e seus aliados ultrapassaram os termos da resolução 1973 de Março de 2011 que autorizou o uso na Líbia de «todos os meios necessários», excepto «uma força de ocupação estrangeira», para proteger civis e áreas de povoamento civil.

   A intervenção militar da NATO, subsidiariamente apoiada pelo Qatar e Jordânia, foi vista na Rússia e na China como um acto abusivo e, consequentemente, inviabiliza a adopção de qualquer resolução do Conselho de Segurança que admita o recurso à força ao abrigo do Capítulo VII da Carta da ONU.

   Excepto na eventualidade de uso de armas químicas ou biológicas ou sua transferência para organizações terroristas é dificilmente concebível uma intervenção militar directa estrangeira na guerra civil síria, com ou sem sanção da ONU, que, em qualquer caso, tenderá a evitar na medida do possível a eventualidade de ocupação territorial.

   As últimas manifestações violentas de repúdio por ofensas perpretadas no Ocidente contra o Islão serviram, por seu turno, para relembrar o óbvio: é fruste a base social e limitadíssima a legitimação ideológica para uma ordem política incorporando princípios liberais e secularistas em países tão distintos quanto o Egipto ou o Paquistão.

   Na ressaca do fracasso estratégico e ideológico das intervenções no Iraque e no Afeganistão os protestos de militantes islamitas em manifestações do Sudão à Nigéria terão afastado para os tempos mais próximos quaisquer ilusões sobre o apoio com que possam contar acções militares dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais em países de maioria islâmica ou com significativas minorias de crentes na mensagem do Profeta.

   Para o resto do mundo a falta de discernimento e capacidade de intervenção estratégicas do bloco ocidental ficam ainda patentes no fracasso da tentativa de mediação da administração Obama no conflito israelo-palestiniano, independentemente do que vier a ocorrer se a Autoridade Palestiniana conseguir um voto por maioria na Assembleia Geral para obter o estatuto de “estado observador” na ONU.

                              O mau tempo e a política

     A meteorologia, entretanto, condiciona no curto prazo a próxima guerra.

   A chegada do Outono torna muito mais difícil para Israel missões ofensivas e de reconhecimento áereo, sobretudo nas regiões montanhosas e no noroeste do Irão e, independentemente das cumplicidades com que possa contar no Arzebeijão e Curdistão iraquiano, limita a capacidade operacional unilateral de Telavive.

   Adiar para a Primavera um ataque que obrigue, por via de retaliação iraniana, a envolvimento directo dos Estados Unidos, deixa o governo de Benjamin Netanyahu à mercê da Casa Branca e descredibiliza as ameaças de Israel, jogo por demais perigoso no Médio Oriente onde prevalece a lei da força.

   No caso de Obama ser reeleito a Casa Branca não admitirá ser constrangida por Telavive, apesar do evidente fracasso das tentativas de levar o Irão a suspender ou renunciar a um programa nuclear militar.

   Na menos provável hipótese de vitória republicana Mitt Romney ainda mal terá rodado a sua equipa e o fervor ideológico já terá sido submetido ao confronto com realidades comezinhas como, por exemplo, a vulnerabilidade do Japão e da Coreia do Sul a cortes nos fornecimentos de petróleo.

   As probabilidades de erro de cálculo por parte de tão grande número de intervenientes são tamanhas que a eclosão da guerra é o mais provável.

   A ONU não voltará a ser a mesma entidade multilateral caso se mostre incapaz de impedir mais uma guerra com risco de escalada dificilmente controlável.

Jornal de Negócios
26 Setembro 2012

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sábado, 22 de setembro de 2012

Timor-Leste: os impasses prováveis


 
 
   A Fretilin fracassou na tentativa de eleger à primeira volta o seu candidato presidencial, mas a criação de um bloco político alternativo ao partido de Mari Alkatiri é, ainda, uma aposta de alto risco.

   O aparente desaire do partido que nas eleições de Agosto de 2001 para a Assembleia Constituinte conseguira 57 por cento dos votos resulta da desagregação institucional, redundando na quase guerra civil do ano passado, e da degradação económica que continua a condenar à miséria mais de 750 mil camponeses. 

   As expectativas da restante população na área de influência da economia urbana, centrada na capital e em Baucau, foram igualmente defraudadas pela ineficácia do aparelho administrativo e a falta de emprego que atinge 40 por cento dos jovens.

   A fuga em massa da população, como sucedeu em Díli durante os confrontos de Abril e Maio, revelou a plena consciência por parte dos habitantes da capital da incapacidade do estado em garantir a segurança, além de mostrar a persistência dos traumatismos causados pelas violências que marcaram o país entre 1975 e 1999.
                        
                                      O projecto Alkatiri

    Um quinto dos timorenses subsiste com menos de um dólar por dia e a taxa de fertilidade de 7,8 por cento aponta para que a população triplique até 2050.

     A instabilidade política, a falta de quadros, o nepotismo e corrupção crescentes, a oposição da Igreja ao controlo de nascimentos apontavam, ainda antes da retirada da missão da ONU, para o fracasso dos objectivos governamentais de reduzir a pobreza extrema para metade até 2015 ou de diminuir significativamente o desemprego nas zonas urbanas.

   O culto tradicional da honra, da família e dos laços étnicos acentuou-se ante poderes de estado claudicantes e tornou-se, a par de um catolicismo popular com raízes na resistência à ocupação indonésia e muito marcado pelas devoções e ritos ancestrais, num dos principais factores na balança dos poderes simbólicos e das relações de força na sociedade timorense. 

   Neste contexto, a capacidade de mobilização do aparelho da Fretilin, hostilizado pela estrutura institucional da Igreja e pelo presidente, mostrou agora os primeiros sinais de enfraquecimento, mas, segundo os resultados provisórios, ainda revela capacidade para poder levar o seu candidato presidencial a uma vitória na segunda volta das eleições e comprometer seriamente as aspirações de Xanana Gusmão de vir a chefiar o governo de Díli.

   É de esperar ainda que, no mínimo, o partido de Mari Alkatiri consiga nas eleições legislativas de Junho ou Julho uma relevante minoria de bloqueio na assembleia de Díli, mas, mais provavelmente, será a formação chave para sustento de qualquer governo.

   A Fretilin conta com a sua organização partidária, a mais significativa a nível nacional, para garantir o controlo do incipiente aparelho de estado e, por isso, pode, de momento, privilegiar uma estratégia de investimentos no sector agrícola, infra-estruturas e equipamentos sociais, em detrimento de subsídios imediatos ao consumo.

   Esta custosa estratégia em termos sociais pensada por Mari Alkatiri implica, contudo, capacidade de contenção da violência o que obriga à muito morosa criação de um corpo militar e policial leal às chefias castrense e política.

   Acresce que terá de contar com a sagacidade e interesse de australianos e portugueses.

   A neutralização da Igreja, evitando que a hierarquia católica potencie forças de oposição ao governo, é outra exigência da estratégia de desenvolvimento a prazo que se confronta, no entanto, com o embaraço da indisponibilidade de quadros, tornando o aparelho estatal presa fácil da ineficácia que arrasta corrupções e nepotismos.

   Apesar da prevalência da Fretilin e do seu aparelho clientelar não ser a opção de maior agrado de conservadores ou trabalhistas na Austrália ou da diplomacia de bloco central portuguesa, será sempre possível aos estados com influência mais directa em Díli, incluindo a Indonésia, acautelarem uma rede de influências susceptível de evitar que Timor-Leste se transforme num foco de instabilidade regional.

   Xanana Gusmão permanecerá, contudo, como um embaraço capaz de a qualquer momento crítico mobilizar forças contestatárias ao projecto da Fretilin que tudo deve, essencialmente, a Mari Alkatiri.

   Um triunfo da Fretilin seria apenas o momento de conjuntura mais propício a uma estabilização instável e para tanto a sua vitória teria de se revelar incontestável nas eleições legislativas.                                            
                                        
                                  O projecto Horta-Xanana

   Timor-Leste é, a prazo, um estado precário, sob tutela de segurança estrangeira, e os proventos do fundo petrolífero, pensado em função da experiência de gestão norueguesa, arriscam, sobretudo, um destino mais próximo da Nigéria.

   Uma vitória de José Ramos-Horta nas eleições presidenciais abriria portas à investida de Xanana Gusmão contra a Fretilin nas legislativas e poria em causa o projecto desenvolvimentista de Alkatiri.

   A Fretilin, ainda assim, caso falhe a eleição presidencial e ocorra uma vitória por maioria relativa do recém inventado CNRT de Xanana Gusmão – a histórica sigla de Conselho Nacional da Resistência Timorense passa por Congresso Nacional da Reconstrução Timorense – disporá sempre de uma representação parlamentar capaz de bloquear qualquer iniciativa governamental.

   Com Ramos-Horta na presidência – apostado entre outras intenções que passaram despercebidas à imprensa portuguesa em levar Timor-Leste a seguir o exemplo de Moçambique solicitando a adesão à Commonwealth – o bloqueio institucional e partidário revelar-se-á inelutável mesmo na eventualidade de Xanana chegar à chefia do executivo.

    Ramos-Horta e Gusmão pretendem enveredar pela disponibilização imediata das receitas do sustento petrolífero e do gás natural e, eventualmente, promover uma isenção global de impostos para a quase totalidade dos timorenses. Sem uma estrutura administrativa e judicial capazes de controlarem a adjudicação de verbas elevadíssimas para a capacidade de execução do estado timorense é de esperar o pior.

   A dupla Horta-Xanana já deixou bem claro, no entanto, que, por necessidade óbvia de criar uma rede clientelar, optará por mobilizar imediatamente os mais de 1 200 milhões de dólares do fundo petrolífero para subsídios diversos.

    Sem estrutura partidária montada e subentendendo a criação de um sistema de clientela alternativo, a eventualidade desta estratégia surtir efeitos negativos e conflituosos é ainda mais perversa do que a lógica desenvolvimentista de Alkatiri.

   Mantém-se válido, portanto, com as devidas salvaguardas para apostas em casinos e outras jogadas de proventos abissais, o desabafo do antigo vice-ministro do Desenvolvimento, Abel Ximenes, no auge da crise de Abril/Maio do ano passado, de que “só um investidor maluco” aposta em Timor-Leste.

Jornal de Negócios
11 Abril 2007

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Já não há heróis na ponte sobre o rio Kwai

 
 
   Ao assobio da velha marcha do coronel Bogey leva-se pouco mais de três horas no comboio que vai de Banguecoque até Kanchanaburi.
 
   É o roteiro inevitável para chegar ao rio Khwae Yai, à ponte da Linha da Morte e aos museus e cemitérios da guerra que começou em 1931 na Macnhúria e alastrou com a invasão japonesa da Tailândia, Malaya britânica e ataque a Pearl Harbour em Dezembro de 1941.
 
   Lá chegando, vir-se-á a saber que, após tanta morte sofrida, um comboio transportando mulheres forçadas à prostituição em bordéis militares japoneses foi o primeiro a cruzar a ponte de madeira em Fevereiro de 1943. 

   Dois anos depois a ponte da linha ferroviária que ligava a Tailândia à Birmânia foi destruída num bombardeamento aliado e aqui se finou o esforço de guerra japonês que, após humilhar a Grã-Bretanha em Singapura, chegou, através da Indochina, a ameaçar o Raj que imperava na Índia.

  A construção da Linha da Morte, iniciada em Setembro de 1942, custou a vida a 100 mil trabalhadores forçados tailandeses, birmaneses e outros coolies oriundos das actuais terras da Malásia e Indonésia, e massacrou, ainda, 16 mil prisioneiros aliados, na maioria britânicos, holandeses, franceses e australianos. 

   Na primeira semana de Dezembro, fogos-de-artifício celebram o bombardeamento aliado que, em 1945, destruiu a ponte sobre o Khawe Yai.

   Um guia tailandês evoca, então, para turistas e mais gente, a galhardia desses prisioneiros de guerra que o francês Pierre Boulle romanceou, David Lean filmou para todo o sempre e o assobio retorna floresta adentro.

   Em frase feita o guia dirá: "Stiff upper lip, Sir."

   Imperturbável a imagem de Alec Guinness irrompe, então, sem que lhe trema a coragem e, na erecta postura de todas as memórias, com sua intrepidez, bravata e insensatez, afronta o rio e o destino.

   Um comboio volta a passar, mas já não há heróis na ponte do Khawe Yai.





                                      Das Malvinas a Bassorá

  As celebrações dos 25 anos da vitória na última guerra imperial nos confins do Atlântico Sul, nas inóspitas Malvinas/Falkland, coincidiram com um momento de humilhação da Grã-Bretanha pela detenção de quinze marinheiros e fuzileiros pelo Irão.

   Teerão tem gerido a crise em seu proveito e embaraçado por tabela os Estados Unidos que em Janeiro prenderam cinco iranianos em Irbil, no norte do Iraque.

   Teerão quer a libertação destes detidos que afirma serem diplomatas em serviço na capital do Curdistão. Washington afirma tratarem-se de agentes subversivos.

   A troca, impossível de assumir publicamente, destes iranianos pelos militares britânicos será um dos desfechos inevitáveis desta crise.

   O primeiro indício nesse sentido surgiu, aliás, com a libertação na terça-feira de um diplomata iraniano raptado em Fevereiro, em Bagdade, por homens envergando fardas do exército iraquiano.  

   A par deste confronto, ofuscado por atentados e uma mortandade selvática no Iraque que condena ao fracasso a derradeira tentativa do Pentágono para estabilizar Bagdad e a província confinante de Anbar, as confissões forçadas dos presos britânicos vão sendo emitidas a conta gotas nas televisões do Irão e no canal de língua árabe que Teerão criou para galvanizar os xiitas iraquianos.

   Em Londres, o constrangimento é grande.

   Em véspera da retirada da maior parte das tropas britânicas do sul do Iraque, as confissões não abonam em termos da moral e estoicismo de que os militares de Sua Majestade fazem gala.

   As confissões forçadas não convencem a Ocidente, mas dão que pensar quanto à fibra e capacidade de resistência de militares apanhados numa guerra que para muitos parece ter perdido o sentido.

   Vai longe a imagem do homem de armas, pleno de coragem e resistência a toda a prova, sacrificando-se por um estoicismo patriótico que, no mito do rio tailandês, roçava a desmesura.

   Essa imagem já não faz sentido.

   O sequestro tornou-se uma arma cada vez mais efectiva e surge frequentemente associado à humilhação pública e tortura de reféns.  

   Por vezes, o sequestro surge ligado ao banditismo que se confunde com acções de cariz alegadamente político.

   Tal parece ser o caso do rapto do jornalista Alan Jonhston. O correspondente da BBC cobria há três anos as guerras de Gaza e desde o rapto a 12 de Março nunca mais houve notícia do paradeiro.

   A captura de reféns é prática corrente por parte de árabes e israelitas e causa de grande comoção em Israel que não poucas vezes se viu obrigada a cedências gravosas para recuperar os seus homens.

    A captura de dois militares israelitas pelo Hizballah foi, também, o pretexto para Telavive lançar a invasão do Líbano no Verão passado.

    Na frente de Gaza, as arrastadas negociações com milícias palestinianas ainda não levaram à libertação do cabo Gilad Shalit capturado num ataque a um posto israelita em Junho de 2006.

   Nesta vertigem de raptos e detenções cirúrgicas não é de admirar que também no Afeganistão os sequestros de estrangeiros sigam imparáveis. Nos primeiros anos após a queda dos Taliban, os sequestrados eram em regra libertados a troco de dinheiro.

    No mês passado, a guerrilha taliban mudou de estratégia e passou à exigência da troca política. Assim, o jornalista italiano Daniele Mastrogiacomo só foi posto em liberdade depois da soltura de cinco militantes taliban.
   
                                    A coragem ante a degola

   Uma das imagens de marca da chacina que caracteriza estes tempos é a humilhação sistemática dos reféns.

   Confissões forçadas, apelos desesperados, e o momento da execução que se pretende exemplar e aterradora passaram a táctica reconhecida e praticada para galvanizar apoiantes e atemorizar opositores.




Daniel Pearl (10 Out. 1963-1 Fev. 2002)


   Num dos episódios mais sangrentos esta táctica falhou apenas pelo acto de coragem do jornalista Daniel Pearl que em nove dias de cativeiro em Karachi recusou sujeitar-se à chantagem dos raptores, nunca fazendo qualquer apelo.

   Na maior parte das situações, porém, poucos reféns conseguem resistir às torturas físicas e psicológicas.

   No caso de pessoal militar capturado por forças regulares e, em princípio, salvaguardado pelas disposições da Convenção de Genebra, a cedência às exigências dos captores e, sobretudo, os actos públicos de condenação das políticas seguidas pelos seus estados têm um efeito altamente pernicioso sobre as tropas combatentes. 
      
    A opinião pública britânica, maioritariamente oposta ao esforço de guerra no Iraque, poderá, ainda, assumir que estas confissões extorquidas à força, expressam, também, o sem sentido da presença militar no Iraque e os riscos crescentes de um confronto com o Irão.

   Mesmo em casos de confronto estado a estado a lição política é simples, mas terrível para quem for apanhado neste terror dos sequestros: ceder à chantagem é dar azo a mal pior e mais horrendo.

   No caso do militares britânicos a cedência às exigências de Teerão, ainda que Londres evite uma retratação pública, é um dado adquirido e irá fazer ainda mais mossa na moral das tropas que só aguardam pelo momento da retirada.


Jornal de Negócios
04 Abril de 2007

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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Nenhuma nação é uma ilha




    Na iminência de uma eleição que poderá custar cara ao “Partido Democrático do Japão” (PDJ) o governo de Yoshihiko Noda optou por nacionalizar três ilhas do arquipélago de Senkaku na posse de um empresário nipónico, abrindo o mais virulento confronto com a China desde a normalização das relações diplomáticas em 1972.

   A soberania nipónica sobre estas cinco ilhas e três rochedos é contestada pela China, que denomina o arquipélago Diaoyu, além de Taiwan, tendo o diferendo propiciado diversos incidentes desde os anos 90.

   Uma proposta de subscrição pública para a municipalidade de Tóquio adquirir as ilhas, administradas pela prefeitura de Okinawa, foi lançada este ano pelo governador da capital, Shintaro Ishihara, um nacionalista de direita proponente do reforço das capacidades militares do Japão.

                              Duas guerras e o mar imenso


   O arquipélago desabitado está na posse de Tóquio desde a vitória japonesa sobre a China na guerra de 1894-95 que viu Pequim perder Taiwan e o controlo da Coreia.

   A partir de 1945 as ilhas ficaram sob administração dos Estados Unidos que as reverteram para o Japão em 1971, tendo os sucessivos governos de Tóquio impedido até agora a presença no arquipélago de cidadãos nipónicos sem autorização oficial.


 

   O PDJ, no poder desde 2009, tem, no entanto, sido alvo de críticas pela oposição de centro-direita do “Partido Liberal-Democrático” por complacência e fraqueza ante as pretensões chinesas.

   Em Setembro de 2010 a detenção da tripulação de um arrastão chinês ao colidir em águas do arquipélago com dois navios-patrulha nipónicos provocou uma grave crise diplomática -- coincidente com uma disputa sobre exportações de minérios raros da China para o Japão – cuja resolução deixou na maioria da opinião pública nipónica a ideia de que PDJ não soubera assumir uma posição de força.

    O recente reavivar de disputas com a Coreia do Sul quanto a indemnizações de guerra e a soberania sobre as ilhotas e rochedos de Dokdo/Takeshima, controladas por Seul desde 1952, contribuiu, juntamente com a campanha de Ishihara e o temor de perdas eleitorais, para a decisão de Noda de comprar as três ilhas de Senkaku por 2,05 mil milhões de ienes (19,87 milhões de euros).

   A nacionalização de 11 de Setembro, uma semana antes do aniversário do início da invasão da China pelo Japão em 1931, foi pretexto para mais uma vaga de manifestações anti-nipónicas que, até ao momento, as autoridades de Pequim têm controlado em função dos seus interesses tal como aconteceu com os protestos depois do bombardeamento pela NATO da embaixada chinesa em Belgrado em 1999.


   O confronto sino-japonês surge, por sinal, num momento pouco auspicioso para Pequim em que a consagração de novos dirigentes no Congresso do Partido Comunista se vê abalada por graves escândalos de corrupção, abuso de poder e diferendos sobre estratégia económica.

                        Dinâmicas de confronto


   A imbricação entre a segunda maior economia do mundo (a China desde 2010) e a terceira maior economia conterá o conflito, malgrado o risco de uma escalada a curto prazo por via de provocações e desafios de parte a parte, mas não resolverá a questão de fundo.

   A China é o principal parceiro comercial do Japão, representando 21% das suas trocas comerciais e investimentos superiores a 83 mil milhões de dólares desde 1996.

   O Japão é, por sua vez, o quarto destino das exportações da China, e as trocas entre os dois estados equivalem a 9% do total da balança comercial de Pequim.

   As dinâmicas de poder são, contudo, pouco propícias a entendimentos a médio prazo.

   Antes do dobrar da metade do século o Japão encontrar-se-á em retracção demográfica aparentemente irreversível e a China terá uma população activa em redução acelerada ainda antes de o rendimento médio per capita ultrapassar os níveis próprios de um país em vias de desenvolvimento.

   As disputas pelo controlo de rotas marítimas e a projecção de poder militar, confundem-se com conflitos por recursos piscícolas, jazidas de petróleo e gás natural e estendem-se por uma vasta área em que a China reivindica direitos soberanos.

   O Mar do Sul da China é palco de acrimónia insolúvel entre a China, Vietname, Taiwan, Filipinas, Brunei e Malásia e -- tal como outros confrontos envolvendo Tóquio, Pequim e Seul – envolve, além de mitos nacionais, amargas memórias de guerras desencadeadas pelo Japão a partir do final do século XIX.

   O conflito entre a Rússia e o Japão sobre as Curilas cabe numa categoria diferente de diferendos sobre apropriações territorias no rescaldo da derrota do Império japonês em 1945, mas condiciona qualquer governo em Tóquio obrigando a não ceder nas disputas com a China ou a Coreia do Sul por questão de princípio.

   O sistema de alianças centrado em Washington acaba, finalmente, por envolver os Estados Unidos em todos os conflitos regionais.

   As disputas sobre ilhas, ilhotas e rochedos nos mares asiáticos do Pacífico são sinais de problemas que se avolumam.

Jornal de Negócios
18 Setembro 2012

domingo, 16 de setembro de 2012

O crepúsculo dos cristãos do Levante

Le pape à Bkerké, le 15 septembre 2012, devant des dizaines de milliers de jeunes. REUTERS/Sharif Karim
Bkerké, 15 Setembro

Entre a potência
  E a existência
  Entre a essência
  E a descendência
  Tomba a Sombra

                Porque Teu é o Reino”


Os Homens Ocos”, T. S. Elliot



   Crentes apreensivos, angustiados e divididos aguardam pela visita que Bento XVI inicia sexta-feira ao Líbano numa altura em que tudo conspira contra as comunidades cristãs do Levante.

   João Paulo II na sua peregrinação em Maio de 1997 teve a ousadia de apelar à reconciliação nacional e ao respeito pela soberania libanesa.

   Os cristãos ainda eram, então, uma força decisiva no confronto com a Síria que recusava retirar as tropas que em 1976 tinham intervido na guerra civil e com Israel que ocupava o sul do Líbano desde 1982.

   Bento XVI, pelo contrário, além da mensagem doutrinária católica e ecuménica e apelos de cunho humanitário, pouca margem de manobra terá para declarações abertamente políticas dadas as divisões entre igrejas e blocos políticos e a ameaça de retorno à guerra civil.

                                   Comunidades divididas

   Bechara Boutros Al Rahi -- patriarca dos maronitas, a maior confissão oriental em comunhão com a igreja católica -- tem evitado criticar abertamente o regime de Damasco e os seus apoiantes no Líbano, caso do general cristão Michael Aoun do Movimento Patriótico Livre aliado presentemente aos xiitas do Hizballah.

   Samir Geagea, outro líder histórico de milícias maronitas, mantem uma atitude de oposição radical ao regime de Bashar Al Assad, mas sem grande eco junto dos políticos cristãos, druzos, ou sunitas que aceitaram integrar a actual coligação governamental dominada pelo Hizballah.

   Os cristãos libaneses – maronitas, ortodoxos gregos, arménios, assírios, melquitas, ortodoxos siríacos e protestantes, entre as principais confissões – representam 30% a 40% da população, mas a comunidade xiita está em vias de assumir idêntico peso demográfico, deixando para trás os sunitas, cerca de 30%, e druzos, 5%.

   O último censo teve lugar em 1932 e os equilíbrios étnico-religiosos alteraram-se radicalmente.

   A predominância política cristã no Líbano, propiciada pela França após a partilha dos despojos do Império Otomano, perdeu-se no rescaldo da guerra civil de 1975-1990 que marcou a ascensão dos xiitas.

   A perda de poder político no Líbano foi a par de uma diminuição genérica da presença cultural cristã no Levante depois do papel de relevo que clérigos, intelectuais e artistas cristãos desempenharam na Renascença Árabe (Al Nahda) desde meados do século XIX.

   No século passado George Antonius, oriundo de uma família egípcio-libanesa cristão-ortodoxa, ainda viria a ser nos anos 30 um dos expoentes do nacionalismo árabe.

   O grego-ortodoxo Michel Aflaq, nascido em Damasco, surgiria como teórico maior do nacionalismo e panarabismo de veia socialista na década de 40 e fundaria o partido Ba`ath (Resurgimento) que viria a tomar o poder na Síria e no Iraque.

                          Perda de influência e enquistamento

   À medida que surtos nacionalistas ou comunitários assumiram maior cunho religioso os cristãos do Levante e Médio Oriente acabaram por perder a protecção de regimes autocráticos que os usavam como contrapeso político conforme as conveniências.

   No Iraque boa parte dos fiéis assírios e caldeus (cerca de 3% da população) fugiu às violências que eclodiram após o derrube do regime minoritário sunita de Saddam Hussein.

   Idêntico cenário está em vias de se repetir na Síria onde a minoria cristã (10% da população) apostou desde os anos 60 numa convergência de interesses com o regime alauíta a braços com a revolta da maioria sunita.

   Igualmente debilitadas pela emigração e contracção demográfica que levaram os cristãos a as minorias cristãs na Palestina, Israel e Jordânia só representam cerca de 3% da população e veêm-se subordinadas aos interesses conflituosos das maiorias sunitas e judaicas.

   No grande baluarte cristão do Levante os coptas, sensivelmente 10% dos 84 milhões de egípcios, viram desaparecer a salvaguarda do regime de Hosni Mubarak e enfrentam agora o revivalismo islamita.

   O enquistamento dos coptas, acentuando o conservadorismo religioso e social numa tentativa de preservar valores identitários num ambiente hostil, é uma reacção que se poderá repetir noutras comunidades cristãs do Levante sem condições para acalentarem revisionismos radicais.

   As comunidades cristãs representavam cerca de 20% da população do Médio Oriente no início do século XX e presentemente não ultrapassam os 5%, sensivelmente 12 milhões de almas.

   A emigração, a subordinação ou impotência políticas, a perda de dinamismo cultural marcam as novas gerações de cristãos levantinos tementes a perseguições e discriminações.

   A viagem de Bento XVI ao Líbano numa altura em que a guerra civil síria ameaça toda a região irá ilustrar pela sua incapacidade de assumir atitudes de ruptura ou protesto esta impotência genérica que assombra os fiéis, essa perda de viço que há décadas atormenta as comunidades cristãs do Levante.



Jornal de Negócios
12 Setembro 2012

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Il faut qu'on parle français!

Supporters of Pauline Marois and the Parti Quebecois cheer the party's victory in Quebec's elections



   

                          Il faut qu'on parle français!

   O retorno ao poder dos separatistas do “Parti Québécois” (PQ) irá relançar a discussão sobre o ordenamento constitucional da federação e poderá inquinar as relações entre a maioria francófona, anglófonos e imigrantes na segunda mais populosa província do Canadá.
   
   O aposta do primeiro-ministro Jean Chareste em convocar eleições antecipadas no Verão para minizar o desgaste provocado por protestos estudantis contra aumentos de propinas e inquéritos sobre corrupção não terá conseguido evitar uma derrota na votação de terça-feira.
  
   O “Parti Libéral du Québec” após nove anos de governação cederá lugar ao PQ liderado por Pauline Marois que, mesmo minoritário na Assemblée Nationale da Ville de Québec, promete encetar uma política de confronto com o governo de Ottawa chefiado desde 2006 pelo conservador Stephen Harder.

                                     Québécois d' abord!

   Fundado em 1986 o PQ averbou o seu primeiro triunfo eleitoral em Novembro de 1976, convocou um referendo sobre a independência em 1980 que perdeu (59,56% contra), viu o seu líder René Lévesque reeleito em Abril de 1981 e cedeu o poder aos liberais em Dezembro de 1985.
  
   Os independentistas liderados por Jacques Parizeau voltaram ao governo em 1994, falharam por escassa margem novo referendo em Outubro do ano seguinte (50,6% contra), e só em 2003 foram batidos pelo PLQ.
  
   Marois, à frente do partido desde 2007, terá de contar com as reticências da recém-criada “Coalition Avenir Québec” de centro-direita – chefiada por um dissidente do PQ, François Légualt, que dá prioridade ao combate à corrupção, redução da carga fiscal e investimentos na educação e saúde -- quanto à convocação de novo referendo independentista.
   
    A primeira mulher a chefiar o executivo de La Belle Province promete começar por rescindir os aumentos de propinas e novas taxas sobre prestação de cuidados de saúde e opôr-se ao controlo de firmas locais por empresas não-canadianas.
  
   A orientação de centro-esquerda do PQ não obsta a que, na senda dos liberais, pretenda atrair investimento estrangeiro no âmbito do plano a 25 anos lançado por Chareste em 2011 de exploração dos recursos florestais, minerais e energéticos do norte da província.
   
    O Quebec engloba 24% da população do país tem uma economia assente nos serviços e indústrias de transformação, regista uma taxa de desemprego rondando os 8%, e aspira, na medida do que a geologia possibilitar, a benefícios equivalentes aos propiciados pela exploração de matérias-primas a ocidente -- em Alberta, Columbia Britânica, Territórios do Noroeste e Saskatchewan – que contribuíram para que o Canadá escapasse à recessão.

                              Encore un effort!

   A adopção de medidas para reforço da supremacia francófona, obrigando nomeadamente candidatos a cargos públicos de origem estrangeira à realização de testes de proficiência linguística, é uma das muitas iniciativas a esperar do PQ em prol dos 81% de residentes que entre os cerca de 8 milhões de habitantes declaram o francês como primeira língua.
   
   As tiradas sobre a primazia dos québécois de souche e a insistência na fibre identitaire afrontam a minoria anglófona e os residentes de origem estrangeira que tendem a identificar-se com um Canadá multicultural e plurilinguístico entre cujos 35 milhões de habitantes prevalece o inglês.
  
    Desde o início de 2007 – quando a população de origem estrangeira equivalia a 11,5% dos residentes -- e 2011 o Quebec absorveu 245 606 imigrantes e no primeiro semestre de 2012 registou mais 10 928 entradas.
  
   As ambições soberanistas do PQ obrigam a um braço de ferro com o governo federal sobre questões tão diversas quanto leis de copyright ou política de imigração e visam, sobretudo, vincar a matriz francesa da província que só cede ao Ontario como pólo demográfico.
  
   Marois, contudo, muito terá de caminhar para avançar pela via do referendo, considerando que numa sondagem realizada em Agosto pelo “CROP Inc.”, de Montreal, apenas 28% dos inquiridos diziam apoiar a independência do Quebec.
  
   A polémica constitucional está de volta, tal como as loas ao provincianismo e particularismo de Quebec, mas, mesmo com mais uma demão, é possível que a pintura desbote.

Jornal de Negócios
05 Setembro 2012

Resultados da eleição de 4 de Setembro:


Parti Québécois 32%, Parti Libéral du Québéc 31%,
Coalition Avenir Québec 27%, Québec Solidaire 6%

Zé Dú à procura do seu Putin





   José Eduardo dos Santos precisa de assegurar a imunidade e património da família e correligionários mais chegados na hora da sucessão, mas a empreitada mostra-se difícil.

   Boris Ieltsin confrontou-se com esse problema e se o sucessor escolhido em 1999 salvaguardou os interesses da parentela presidencial já dificilmente se poderá dizer que Vladimir Putin tenha sido complacente com boa parte da oligarquia ligada ao antecessor.

   Em qualquer regime oligárquico - independentemente das manias e fobias da elite, das tradições políticas e idiossincrasias clânicas - é impossível garantir uma transição de poder sem fazer rolar cabeças.

   Zé Dú – o líder do MPLA, algo diferente do Dos Santos dos "media" estrangeiros -- tem-se revelado implacável na promoção e defenestração de putativos sucessores, reservando exclusivamente para si o centro da teia do poder.

   O presidente deixou cair, entre outros, Marcolino Mouco, João Lourenço ou Fernando Nandó e promove agora Manuel Vicente, mas as intrigas no Futungo de Belas e agora no Palácio Presidencial da Cidade Alta dão prova sobretudo de instabilidade institucional.

   A "Moody’s" e a "Standard & Poor’s" nas notações de crédito da dívida angolana emitidas este mês destacam a chamada "fraqueza institucional" como factor de incerteza.

                              A cleptocracia do petróleo

   Presidente desde 1979, Santos tem consagrada a reeleição por mais cinco anos através da maioria simples ao alcance do seu partido nas eleições para a Assembleia Nacional nos termos da revisão constitucional de 2010.

   A concentração presidencial dos poderes fulcrais do estado é indissociável do controlo ao mais alto nível dos principais nós da rede de patrocínio e locupletação que condiciona a economia angolana.

   Altíssimos níveis de corrupção – a "Transparency International" coloca Angola em 168.º lugar entre 183 países no "Índice de Percepção de Corrupção" – aumentam custos de exploração e agravam a ineficiência e disfunções económicas no consenso de todos os estudos realizados por organizações internacionais.

   Os abusos nas concessões de petróleo e diamantes e a opacidade da Conta Geral do Estado têm criado problemas nas relações entre Luanda e o FMI e levantado problemas às empresas estrangeiras abrangidas por diversa legislação anti-corrupção.

   Luanda continuará dependente do petróleo, que representa 97% das exportações e três quartos das receitas do orçamento, e o controlo dessas rendas manter-se-á vital para a elite do poder tanto mais que Angola espera poder vir a ultrapassar a Nigéria como maior produtor africano saltando dos 1,6 milhões de barris/dia de 2011 para 3,5 milhões no final da década.

   Angola tem uma dívida pública equivalente a 31,5% do PIB e as significativas reservas em divisas (32,5 mil milhões de USD em Junho) podem absorver choques imediatos nas flutuações do preços dos hidrocarbonetos, mas a diversificação económica tarda.

   Os investimentos do pós-guerra em infra-estruturas na ordem de 150 mil milhões de USD mal começaram a criar as bases para redes de transportes, produção e distribuição de energia, que possam criar emprego no sector agrícola e nas indústrias não-extractivas.

                                     Muito dólar para muito poucos

   Um crescimento económico de 6,8% este ano e de 5% em 2013, na previsão do FMI, manterá um nível de desemprego superior aos 20% e Angola persistirá como um dos países com mais injusta repartição do rendimento (Índice Gini de 58,6 em 2009, sendo 0 igualdade absoluta e 100 desigualdade absoluta).

   O peso da pobreza - mesmo dando crédito às estatísticas governamentais que referem uma redução de 68% em 2002 para 36,6% em 2008/9 no número de pessoas subsistindo com menos de 2 USD/dia - relega Angola para o fundo da tabela no "Índice de Desenvolvimento Humano" da ONU (148.º lugar).

   A elevada concentração urbana (60% dos cerca de 20 milhões de habitantes, com perto de um 1/3 da população residente em Luanda) é de difícil gestão pelas autoridades dada a dificuldade em propiciar equipamentos básicos e emprego.

   O temor do retorno às violências que só pararam em 2002 tem sido um dos factores a limitar a contestação ao poder, mas a juvenilização da população (48% dos angolanos têm menos de 15 anos) está em vias de engrossar as fileiras dos desmemoriados da guerra e insatisfeitos com a cleptocracia do petróleo.

   Para obviar a conflitos internos o MPLA poderá sentir-se tentado a repetir os 82% de 2008, mas de pouco servirá para reforçar uma legitimidade política ameaçada por um vazio ideológico que não tem como esconder actos de rapina oligárquica.

   Aos 70 anos Zé Dú, no pináculo do poder e da riqueza, olha em redor e está só.


Jornal de Negócios
29 Agosto 2012

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Resultados das eleições de 31 de Agosto:

MPLA 72%, UNITA 19%,  CASA-CE 6%, PRS 2%, FNLA 1%
Abstenção 40%

(Nota de Setembro 2012)