sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Um primeiro-ministro irascível





    Chatarrão, maçudo, desajeitado, sem grandes dotes para cativar simpatias, tais são algumas das pechas assacadas a Gordon Brown desde que saltou para a ribalta ao assumir, em Maio de 1997, a tutela das finanças da Grã-Bretanha e, agora, juntaram-se-lhe acusações de irascibilidade e intimidação do pessoal menor em Downing Street.

   Nunca foi cativante a imagem pública do sucessor de Tony Blair e quando finalmente chegou a primeiro-ministro, em Junho de 2007, depois de muita acrimónia nos bastidores, Brown desperdiçou o seu capital político ao hesitar nesse Outono em convocar eleições antecipadas.

   Ninguém lhe negava qualidades intelectuais para enfrentar o negrume de 2008-2009, que Brown classifica como "a primeira crise da globalização", mas a economia do Reino Unido sofreu no ano passado uma contracção de 4,8%.

   Seis trimestres recessivos (uma quebra de 6% do PIB) saldaram-se por sucessivos desaires eleitorais para os trabalhistas, e o fim da mais longa recessão desde o pós-guerra no derradeiro trimestre de 2009 (com um magro crescimento de 0,1%) deixa em aberto previsões de crescimento para este ano que não ultrapassam os 1,4%, enquanto o défice orçamental superará os 12 %.

                                         Humilhado e persistente
   Ainda assim, Gordon Brown resistiu às humilhações nas eleições locais de Maio de 2008 e nas europeias de Junho do ano passado, torneou desafios à sua liderança, aguentou as reticências de grande número de deputados trabalhistas e segurou o seu ministro das finanças Alistair Darling nas tormentas da falência do banco Northern Rock, do extravio de dados pessoais de 25 milhões de beneficiários de abonos de família e no fiasco da taxa da redução dos impostos sobre rendimentos.

   Com eleições à porta, provavelmente a 6 de Maio, os trabalhistas só este mês começaram a vislumbrar alguma esperança nas sondagens sobre intenção de voto.

   O "The Guardian" e o "The Sun" publicaram, na terça-feira, sondagens que podem vir a negar aos conservadores uma maioria no parlamento. 37% para os conservadores de David Cameron, 30% para os trabalhistas e 20% para os democratas-liberais de Nick Clegg, segundo "The Guardian/ICM" e 39%, 33% e 17%, na mesma ordem, de acordo com "The Sun/YouGov".

   Estes inquéritos, que põem em causa uma consistente vantagem dos conservadores, que chegaram a ultrapassar em 21 pontos os trabalhistas no Verão de 2008, não reflectem a polémica aberta pela publicação no domingo no semanário "The Observer" de excertos de um livro do jornalista Andrew Rawnsley, The end of the party, com alegações de um cadastro de intimidações a subordinados e funcionários de Downing Street por parte do primeiro-ministro.

   Abusos verbais, acessos de ira, muita papelada e objectos vários pelos ares, afora pormenores deveras caricatos, constam do relato do bem informado Rawnsley, que, mais significativamente, não traz dados novos sobre as disputas entre Brown e outras luminárias trabalhistas como Jack Straw, David Miliband ou Alistair Darling, e, sobretudo, é omisso quanto a desacatos mais graves e politicamente comprometedores.

                                          Irado em má altura
   Em poucos dias sucederam-se a inevitável manchete "The Prime Monster", do "The Sun", ou comentários mais cordatos, como o do colunista principal do "The Times", Daniel Finkelstein, que optou por concluir que Brown "não é, de forma alguma, má pessoa, apenas se comporta mal".

   Cameron exigiu um inquérito, gerou-se confusão sobre alegações imprecisas de queixas de funcionários de Downing Street, ouviram-se desmentidos oficiais e chegaram revelações de um estudo do gabinete do primeiro-ministro indicando que um terço dos seus 1 270 funcionários pretendem deixar o emprego queixando-se de um ambiente malsão.

   À primeira vista assiste-se a pequena tempestade irrelevante quando os trabalhistas tentavam relançar a imagem de um Brown simpático e tão preocupado com a fome em África quanto com a sorte do eleitor mais próximo versus um aristocrático David Cameron sem experiência governativa, menos de nove anos de parlamento e líder da oposição desde Dezembro de 2005, acusado, ainda por cima, de falta de competência para as complexidades da recuperação económica.

    Contudo, apesar da chamada de atenção feita terça-feira pelo governador do Banco de Inglaterra, Mervyn King, para as incertezas que rodeiam uma frágil recuperação económica e a necessidade de apresentar rapidamente um plano consistente de redução do défice orçamental e reestruturação do sistema bancário e financeiro, muito da próxima eleição vai jogar-se em questões de carácter.

                                   Um parlamento sem maioria
   Frente a um Cameron, de ar gentil e conhecido pelas suas andanças de bicicleta, clamando que chegou a alternativa conservadora para reduzir um défice orçamental recorde, nada convém a Brown a imagem de chefe de governo irascível e enredado em intermináveis complots com os seus pares trabalhistas.

   E, no entanto, pela primeira vez, Brown, desajeitado, maçudo, chatarrão, assolado por acessos de fúria, vislumbra alguma esperança de evitar um desaire eleitoral. Se confirmar a reviravolta nas tendências de intenção de voto, poderá, pelo menos, aspirar a um parlamento sem maiorias absolutas.

   O exemplo não é, contudo, demasiado inspirador.

   Na eleição de Fevereiro de 1974, o conservador Edward Heath perdeu a maioria absoluta, não conseguiu acordar um governo de coligação, e o Labour de Harold Wilson acabou por formar um executivo minoritário.

   O líder trabalhista convocaria novas eleições em Outubro e arrancaria então a maioria com mais três deputados.

   Aconteceu em 1974 e o irascível Brown bem pode agora controlar acessos de fúria para, pelo menos, pensar numa coligação.

Jornal de Negócios
24 Fevereiro 2010

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