domingo, 16 de setembro de 2012

O preço do risco geopolítico



Rawalpindi, 27 Dezembro 2007


   O petróleo voltou a subir nos mercados de Nova Iorque e Londres na sequência do assassinato de Benazir Bhutto, das incursões militares turcas no Curdistão iraquiano e da quebra nas reservas de crude e produtos destilados norte-americanos, mas a maioria dos analistas prevê uma diminuição de preços para este ano.

   Apesar da Goldman Sachs admitir que o crude ultrapasse os 110 dólares até ao final de 2008 e a PVM Oil Associates, a maior empresa mundial de corretagem de petróleo, considerar possível uma variação entre os 50 e os 130 dólares, o grosso das previsões aponta para valores dos 60 a 80 dólares.

   A especulação agravada pela queda do dólar, as incertezas dos mercados financeiros e, sobretudo, os riscos geopolíticos são os principais imponderáveis destas previsões.

                                   O custo de um atentado

   O ataque suicida que custou a vida a Benazir Bhutto é um caso exemplar da imponderabilidade do risco político.

   A instabilidade política e os altos níveis de violência terrorista fazem do Paquistão um caso extremo de estado perigoso, agravando-se a situação pela ameaça de descontrolo numa escalada militar com a Índia, tal como ocorreu em 2002, e de proliferação clandestina ou desvio de armamento e tecnologias nucleares como fez prova a rede de tráfico montada por Abdul Khan a partir do final dos anos 70.

   Ainda que o agravamento da violência interna com consequências imediatas de destabilização no Afeganistão e em Caxemira fosse uma probabilidade admitida, a morte de Benazir foi o último prego no caixão das tentativas de mediação dos Estados Unidos na crise paquistanesa.

   Falhada a tentativa de concertação política entre Pervez Musharraf e o Partido do Povo, um feudo familiar dos Bhutto, a administração norte-americana vê-se sem alternativas viáveis para evitar um agravamento da situação num país estratégico no derradeiro ano de George W. Bush.

   Sem solução política à vista para a crise iraquiana e incapaz de mediar o conflito israelo-palestiniano, a diplomacia norte-americana entra em 2008 à mercê de todos os imponderáveis no grande arco de crises que vai do Líbano ao Bangladesh.

   O único elemento capaz de alimentar algum optimismo passa pelo afastamento da hipótese de acção militar unilateral norte-americana a curto prazo contra o Irão, mas qualquer golpe terrorista bem sucedido no Egipto ou na Arábia Saudita pode precipitar crises em cascada.

   A política externa, precisamente a área onde ainda resta a Bush significativa capacidade de acção, acaba por se ver condicionada pelo fracasso de todas as suas estratégias de gestão de conflitos promovidas no Médio Oriente, no centro e no sul da Ásia após os atentados de 11 de Setembro de 2001.

                    Os Estados Unidos à mercê dos acontecimentos

   Este fracasso patente no Afeganistão, no Iraque e cada vez mais ameaçador no Paquistão, fragiliza em excesso a posição norte-americana e deixa um legado confrangedor para o sucessor ou sucessora de Bush na Casa Branca.

   Os principais candidatos presidenciais democratas e republicanos tão pouco apresentaram até agora alternativas políticas capazes de deslindar saídas para os impasses com que se confronta Bush.

   Os Jogos Olímpicos de Pequim são factor apaziguador para uma conciliação pontual de interesses entre a China e os Estados Unidos em questões delicadas como a neutralização nuclear da Coreia do Norte e Taiwan, mas não implicam uma partilha de objectivos noutros diferendos como seja, por exemplo, a imposição de mais sanções financeiras e comerciais ao Irão.

   Os limites de concertação com Moscovo ficaram patentes nas desinteligências de 2007 e este ano a independência do Kosovo alimentará nova ronda de litígios com uma Rússia que vincará ainda mais o estatuto de grande potência numa fase de necessária afirmação externa de Putin ao enveredar por uma experiência de poder partilhado no Kremlin.

   Outras crises a mobilizarem necessariamente as atenções da diplomacia norte-americana – Corno de África, Darfur, Cuba – e em que poderá contar com o apoio dos aliados europeus terão, em princípio, prioridade secundária face aos perigos que se vislumbram do Médio Oriente ao sul da Ásia.

   À espera da sucessão de Bush todos os parceiros e adversários dos Estados Unidos ponderarão, sobretudo, as vantagens e desvantagens que as respostas da Casa Branca às crises em curso – e demais eventos inesperados - possam representar para marcar posição face à próxima administração e será nessa base que irão decidir as posições a tomar.

   O maior risco geopolítico de 2008, a somar-se às incertezas financeiras, é, precisamente, a extrema vulnerabilidade dos Estados Unidos no Médio Oriente, na Ásia Central e no subcontinente indiano a eventos incontroláveis, ainda que mais ou menos previsíveis, depois do fracasso de todas as estratégias pós 11 de Setembro.

   Este risco geopolítico é por demais elevado e impossível de contabilizar e será ele que irá marcar este ano de 2008.


Jornal de Negócios
03 Janeiro 2008

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