quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Uma vitória islamista em Marrocos




    Trinta e três partidos disputam as eleições legislativas em Marrocos esta sexta-feira, mas a mais que provável vitória dos islamitas do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD) vai pôr à prova a democratização encetada por Mohammed VI.

   Em 2002, os islamitas foram forçados pelo rei a concorrer em apenas 62 por cento das circunscrições e, mesmo assim, tornaram-se no terceiro partido mais votado. O PJD conseguiu então 13 por cento dos votos e elegeu 42 deputados num total de 325 mandatos.

   Na sexta-feira o PJD apresenta candidatos em 94 das 95 circunscrições e as poucas sondagens autorizadas apontam para um vitória dos islamitas que deixará para trás a União Socialista das Forças Populares (50 deputados em 2002) e os nacionalistas de direita do Istiqlal (48 mandatos).

   Salvo fraude generalizada, e apesar do reordenamento das circunscrições de forma a diminuir o impacte eleitoral dos islamitas implantados nas áreas urbanas, o partido liderada por Saâdeddine El Otmani deverá conseguir quase 40 por cento dos votos e, eventualmente, obter uma maioria relativa na Câmara de Representantes.

   A autorização para outros dois partidos islamitas, sobretudo o Partido do Renascimento e da Virtude uma dissidência do PJD que concorre em 60 circunscrições, se apresentarem às eleições não deverá prejudicar seriamente as aspirações dos seguidores de El Otmani, ainda que o sistema proporcional facilite a pulverização da câmara baixa do parlamento de Rabat.

                  O comandante dos crentes e seus súbditos

   O PJD conta nas suas listas com nomes aceitáveis pelo monarca, como Abdelwahad Bennani – tio da sua mulher, a princesa Lalla Salma –, mas a maioria dos candidatos e seguidores do psiquiatra El Otmani é conhecida, sobretudo nas áreas urbanas desfavorecidas e entre a classe média contestatária de Casablanca ou Tânger, pelas suas críticas radicais à corrupção, promessas de criação de empregos e defesa dos valores islâmicos.

   O partido viu-se obrigado a reconhecer o monarca como “comandante dos crentes”, mas insiste em que a Constituição estipule a xaria (lei islâmica) como a fonte fundamental de toda a legislação e que o Conselho Constitucional incorpore obrigatoriamente ulemas (teólogos).

   A contestação ao sistema tradicional de domínio político do majzen (a elite palaciana) é, contudo, evidente num programa eleitoral que defende a nomeação do chefe do governo em função dos resultados eleitorais e não por escolha discricionária do monarca ou na reivindicação de iniciativa legislativa para o executivo.

   As propostas para reforço das garantias judiciais dos cidadãos e de abolição da censura, bem como a discriminação positiva da mulher, promoção da família e combate à violência doméstica (13 por cento dos candidatos do PJD são mulheres) ameaçam, igualmente, ultrapassar os termos das reformas iniciadas por Mohammed VI desde a sua subida ao trono em Julho de 1999.

   Tão pouco são aceitáveis pelo monarca as declarações constantes do programa eleitoral do PJD de apoio ao direito à resistência contra a ocupação na Palestina e no Iraque, apesar da salvaguarda de renúncia ao terrorismo, a indiferença ante parcerias com a União Europeia e o repúdio pela alegada hegemonia norte-americana nas regiões do Sahara e do Sahel.

                                     Os riscos da exclusão

   Os islamitas marroquinos apresentam-se como um partido democrático de referência e matriz islâmicas e citam o Partido Justiça e Desenvolvimento da Turquia como modelo político, mas, em muitos aspectos, estão mais próximos dos Irmãos Muçulmanos do Egipto ou da Jordânia.

   Consoante a dimensão da vitória do PJD, Mohammed VI poderá optar por aceitar um governo integrando ministros islamitas, ainda que sem acesso às principais pastas, ou tentar cooptar para a área de poder os dirigentes do partido à semelhança do sucedido com os socialistas na fase final do reinado de Hassan II.

   A exclusão do PJD da área do poder ou meras nomeações sem real influência implicam o risco de radicalizar um partido com importância crescente desde que foi integrado no sistema de participação política em 1996.

   Se ficar na oposição, o PJD terá de assumir uma atitude de maior intransigência até para evitar que os seus apoiantes derivem para o já muito influente Al Adl Wal Ihssane, Justiça e Espiritualidade, o movimento radical liderado pelo xeique Abdessalam Yassine que contesta o carácter islâmico da monarquia e nega o título “comandante dos crentes” a Mohammed VI.

   Ainda que ilegal, o movimento é, presentemente, tolerado pelo regime, mas os seguidores de Yassine são suspeitos de visar o derrube da monarquia para instaurar um califado.

   Depois dos atentados de Abril em Casablanca reivindicados pela Al Qaeda no Magrebe Islâmico e de recentes ameaças de um novo grupo terrorista denominado Ansar al Islam (Apoiantes do Islão), as autoridades de Rabat têm razões acrescidas para evitar a exclusão política dos movimentos islamitas que formalmente repudiam o recurso à violência.

   Desde a sua entronização, Mohammed VI encetou reformas para, nos termos de um relatório publicado no ano passado por incumbência do monarca, porem cobro a graves erros de gestão e à alta conflitualidade política das últimas décadas.

   O relatório, denominado “50 anos de desenvolvimento humano e perspectivas para 2025” (analisado nesta Coluna a 11 de Janeiro de 2006), frisava justamente que, se as reformas democráticas não forem aprofundadas, o país poderá entrar num “quadro regressivo” e chegar a uma “situação insustentável”.

   As eleições de sexta-feira e a solução que for encontrada para a integração dos islamitas no sistema político são vitais para o futuro das inadiáveis reformas democráticas no reino alauíta.

   Serão as segundas eleições do reinado de Mohammed VI e o grau desafectação do eleitorado em relação ao regime será também avaliado pela taxa de participação.

   Em 1997, ainda no reinado de Hassan II, 58 por cento do eleitorado exerceu o direito de voto, mas cinco anos depois a taxa de participação baixou para 52 por cento.

   Se a maioria dos 15,5 milhões de eleitores, quase metade da população do país, se abstiver, então, teremos um sinal de mau augúrio para os destinos de Marrocos.


Resultados da votação de 7 Setembro 2007

Taxa de Participação: 37%

PJD 10,9%, PI 10,7%, RNI 9,7%, MP 9,3%, USFP 8,9%

(Nota de Setembro 2012)

Jornal de Negócios
07 Setembro 2007

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=302061

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