domingo, 16 de setembro de 2012

A agenda nuclear




   Russos e norte-americanos assinam quinta-feira em Praga um tratado de redução de armas nucleares estratégicas abrindo portas para negociações mais alargadas entre Moscovo e Washington, mas que fica muito aquém de envolver outras potências no efectivo desmantelamento dos arsenais existentes.

   Um dos aspectos mais positivos do tratado reside na simplificação e reforço dos procedimentos de verificação, designadamente através de 18 missões anuais in loco para cada parte.

   Num prazo de sete anos norte-americanos e russos comprometem-se a reduzir o número de veículos estratégicos (mísseis balísticos de longe alcance baseados em terra ou submarinos e bombardeiros) a um máximo de 800.

   Apenas 700 destas unidades de transporte poderão ser armadas com ogivas (uma centena fica assim de reserva ou equipada com armamento não-nuclear).

   Cada bombardeiro, apesar de poder transportar mais de uma dezena de bombas, será para efeitos práticos contabilizado como portador de apenas uma arma nuclear.

   O novo tratado, New START/ CHB III, cujas cláusulas expiram em 2020, não implica cortes significativos nos números de ogivas que poderão ser de facto lançadas através de mísseis e bombardeiros devido à regra um bombardeiro igual a uma bomba.

   O número de bombas e ogivas não ultrapassará, no entanto, um total de 1 550 para cada parte.

   Presentemente, após cortes unilaterais por parte de Moscovo e Washington, as estimativas mais fiáveis apontam para um arsenal operacional de 2 787 bombas estratégicas nucleares russas sustentadas por cerca de 600 veículos de transporte e 2 252 ogivas norte-americanas para aproximadamente 850 mísseis e bombardeiros.

   O START de 1991, que expirou em Dezembro, estabelecia como limite 2 200 ogivas e 1 600 mísseis e bombardeiros.

                                    O dilema das armas tácticas

   Fora do acordo ficam as armas tácticas que nos arsenais das superpotências nucleares se destinam a utilização em operações militares limitadas.

   Moscovo dispõe de cerca de 2 000 armas nucleares tácticas operacionais e Washington contará, provavelmente, com meio milhar de armas deste tipo no arsenal operacional, mantendo na Europa entre 150 a 240.

    Alemanha, Holanda e Bélgica albergam, cada qual, entre uma a duas dezenas, Itália 70 a 80, Turquia talvez 50 a 90.

   Estas bombas da classe B 61, de gravidade sem dispositivos de orientação, destinam-se no quadro da NATO a ser utilizadas pelas forças aéreas dos estados europeus em eventuais operações militares.

    A Alemanha, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo e a Noruega propuseram este ano a sua retirada da Europa e o assunto será discutido na cimeira dos ministros dos negócios estrangeiros da NATO em Tallin a 22 e 23 de Abril.

   Diversos membros da NATO temem que tal retirada, sem contrapartida verificável por parte da Rússia no cenário europeu, reduza a capacidade de dissuasão da aliança levando potencialmente alguns estados como a Turquia a optarem por se dotar de arsenal nuclear próprio, à semelhança da França e da Grã-Bretanha.

    Os estudos em curso por parte da National Nuclear Security Administration do Departamento de Energia dos Estados Unidos, que gere a manutenção, segurança e desenvolvimento do arsenal nuclear, quanto a uma possível modernização das versões mais antigas de armas nucleares tácticas da classe B 61 são um dos factores de incerteza sobre o futuro desse armamento no cenário europeu.

                                         As reticências alheias

  O acordo é um elemento fundamental para permitir futuras negociações bilaterais sobre sistemas de defesa anti-mísseis e militarização do espaço e permitirá que quer Washington, quer Moscovo, continuem a deter quase o dobro do total das armas nucleares (provavelmente cerca de 850) ao dispor de franceses, chineses, britânicos, israelitas, indianos, paquistaneses e norte-coreanos (por ordem de grandeza).

   Apesar de diversas reticências a Duma de Moscovo e o Senado de Washington deverão ratificar o acordo.

   Obama está, no entanto, longe de vir a conseguir o apoio de dois terços dos senadores (67 votos) necessário para ratificar o Tratado de Interdição Total de Testes Nucleares, adoptado em 1996 pela ONU e que ainda não entrou em vigor devido à falta de ratificação por parte de Washington, além da China, Índia, Paquistão, Indonésia, Egipto, Israel, Irão e Coreia do Norte.

   A continuada oposição do Senado à ratificação do Tratado de Interdição Total de Testes Nucleares dificulta, ainda, o reforço do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), designadamente a adopção de um acordo de proibição de produção de materiais físseis para armas nucleares.

   O estatuto especial atribuído em 2008 à Índia, que não ratificou o TNP, em vigor desde 1970, para aquisição de tecnologias, equipamentos e combustíveis para fins civis sob supervisão limitada da Agência Internacional de Energia Atómica, libertando recursos para o programa militar de Nova Delhi, complicou ademais as negociações.

   As expectativas para a conferência de Maio da ONU quanto ao reforço de garantias do TNP e de adopção de sanções gravosas para estados que denunciem o acordo, caso da Coreia do Norte em 2003, são assim escassas, ainda que a cimeira de segurança nuclear dos próximos dias 12 e 13, organizada pela administração Obama, possa avançar com algumas propostas efectivas para controlo do mercado negro de tecnologias nucleares, matérias radioactivas e físseis.

                                          Nova estratégia nuclear

   Finalmente, a revisão da estratégia nuclear dos Estados Unidos, anunciada terça-feira, apresenta um aspecto positivo ao assumir explicitamente, pela primeira vez, que Washington não utilizará armas nucleares contra estados que não possuam armas desse tipo, sejam signatários do TNP e cumpram os termos do tratado.

   Esta declaração de intenção admite, contudo, uma excepção para o caso de eventualidade de risco de ataque com armas biológicas que possa assumir proporções devastadoras.

   O objectivo fundamental da estratégia apresentada por Obama é definido como a dissuasão de ataques nucleares contra os Estados Unidos, seus aliados e parceiros.

   Washington compromete-se, também, a não desenvolver novos armamentos nucleares, mas aumentará o investimento na manutenção e modernização dos arsenais existentes de forma a garantir a sua operacionalidade e eficácia.

   Obama apresenta a nova estratégia como parte de um esforço global para tornar as armas nucleares obsoletas e incentivar a não-proliferação.

   Independentemente das intenções e garantias formais a lógica no mundo real é, contudo, diferente.

   A mera posse de armas nucleares assegura a qualquer estado capacidade de dissuasão e retaliação, diminuindo o risco de sofrer um ataque.



Jornal de Negócios
07 Abril 2010

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