domingo, 9 de setembro de 2012

Os malefícios da anarquia




“Sempre que se tolera que um único pirata percorra os mares, por não ser considerado digno da atenção de um governo, esse homem alcança sempre tal poder que obriga o governo a grande dispêndio de sangue e de fortuna antes que consiga suprimi-lo.”
Capitão Charles Johnson “História geral dos roubos e assassínios dos mais notáveis piratas”
Londres, 1724


     Um bloqueio da costa da Somália e uma intervenção militar contra os portos de Eyl, Hobyo e Harardade é a única opção imediata para conter a crescente pirataria marítima no Corno de África, mas razões políticas e estratégicas impedem a adopção de medidas radicais.

   O governo do presidente Abdullah Yusuf Ahmed, imposto em Mogadíscio em 2006 após uma intervenção militar da Etiópia com apoio de Washington contra milícias islamitas, apenas exerce um vago controlo sobre a capital e a cidade de Baidoa, no Sul do país.

   No Norte, a região de Putland é, actualmente, uma área onde se confrontam dezenas de tribos, clãs e bandos islamitas e tornou-se a principal base da pirataria que assola as costas Norte do Leste de África e o Golfo de Áden, afectando directamente a rota do Canal do Suez.

                                  Pirataria incontrolável

   O colapso do Estado em 1991, o fracasso da intervenção internacional iniciada em 1992 e a retirada das forças da ONU quatro anos depois, a pilhagem dos stocks de atum por pesqueiros estrangeiros e a ruína das comunidades de pescadores somalis criaram condições para o alastramento do banditismo marítimo.

   Em 2006 apenas 4% dos actos de pirataria referenciados pelo International Maritime Bureau ocorriam na região do Golfo de Áden, sendo mais grave a situação em águas territoriais da Indonésia, da Nigéria, do Bangladesh ou do Peru.

   Os actos de pirataria tinham, no entanto, aumentado de uma média de 209 entre 1994 e 1999 para 352 de 2000 a 2006, acompanhando o crescimento do tráfego marítimo que representa 80% do movimento mundial de mercadorias.

   No Sudeste da Ásia os ataques, visando essencialmente roubo de dinheiro e equipamentos a bordo, foram contidos a partir de 2006 graças a uma aumento da cooperação entre as autoridades da Malásia, de Singapura e da Indonésia para proteger a rota do Estreito de Malaca.

   No Corno de África, pelo contrário, a pirataria disparou. Os “raides” triplicaram desde 2007 e entre Janeiro e o início desta semana a pirataria somali tinha efectuado 96 ataques e sequestrado 40 embarcações, incluindo um “superpetroleiro” saudita.

   Presentemente, 16 embarcações e cerca de 300 tripulantes encontram-se em poder de diversos bandos, com pelo menos um milhar de operacionais, que desde o início do ano já arrecadaram mais de 30 milhões de euros em resgates.

   A área de actuação dos bandos somalis abrange uma superfície superior a 2,5 milhões de quilómetros quadrados, maior do que o Mediterrâneo, e, apesar de se concentrar na região de Putland, actua pontualmente a partir doutros portos ao longo dos 3 mil quilómetros de costa da Somália.

                                  Uma protecção ineficaz

   A pirataria somali assume particular gravidade por se concentrar na rota de Áden utilizada em 2007 por mais de 20 mil navios, entre eles 6.500 petroleiros transportando 7% das exportações de crude.

   Os ataques já provocaram um aumento de 10% nos seguros e o desvio de cargueiros e petroleiros por rotas mais longas através do Cabo da Boa Esperança implica custos acrescidos na ordem dos 30%.

   Diversas missões da NATO, dos Estados Unidos, da França, da Dinamarca, da Índia, do Paquistão, da Malásia e da Rússia têm actualmente 14 navios de guerra em patrulha na região, mas, além da escolta de cargueiros do Programa Alimentar Mundial e de auxílio a embarcações em risco, a presença militar internacional não efectua em regra acções de retaliação ou perseguição activa a piratas.

    Acrescem as dificuldades legais de jurisdição para actuar em áreas territoriais somalis ou imenitas, julgar piratas capturados e obtenção de autorização de diversos estados – dos proprietários das embarcações aos países de onde são oriundas as tripulações multinacionais – para eventuais acções militares.

   A capacidade de protecção é limitada, também, pela necessidade de intervir antes que os piratas tenham feito refém a tripulação. Na ausência de equipas de defesa a bordo ou formação de comboios, qualquer navio que caia sob a ameaça de ser atacado com lança-granadas capazes de perfurar a uma distância de 500 metros chapa de aço de 60 cm de espessura é altamente vulnerável e não tem alternativa à rendição.

                                     Pagar em vez de atacar

   Salvo um eventual acto de pirataria com claras intenções terroristas não é crível que algum estado ouse aventurar-se em acções militares que obriguem a uma presença continuada em território somali.

   À excepção das tropas etíopes que desde Dezembro de 2006 ocupam Mogadíscio nenhum Estado está disposto a arriscar envolver directamente forças militares num terreno hostil e o contingente de apenas 3 mil soldados do Uganda e do Burundi que a União Africana destacou para a capital é impotente para evitar o reacender dos combates.

   O vizinho Iémen, para onde desde o início do ano já fugiram cerca de 32 mil somalis, tão pouco tem condições para vigiar os seus 1 900 quilómetros de costa e a instabilidade crónica do país ameaça ainda mais a rota do Golfo de Áden.

   A via mais provável de actuação passa por pagamentos e fornecimentos de armas a milícias, tribos e clãs somalis que ataquem as bases de piratas, mas na anarquia da Somália será apenas mais do mesmo até que alianças de interesses pontuais se desfaçam em novos actos de banditismo.

Jornal de Negócios
26 Novembro 2008

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