domingo, 9 de setembro de 2012

Uma crise a doer


Beirute
Julho 2006


   Daqui por uma semana o barril de petróleo vai atingir preços inauditos.

   A recusa do Irão em acatar as advertências do Conselho de Segurança da ONU e o mais que provável anúncio subsequente da sua renúncia ao Tratado de Não Proliferação Nuclear irão juntar-se aos demais descalabros de Agosto.

   O arco de crises é vasto. Parte dos conflitos sanguinários em curso são aceites como eventos sem consequências estratégicas gravosas a curto prazo.

   A guerra civil do Sri Lanka e a crise genocidária do Darfur quadram-se nesta perspectiva. A investida islamita na Somália levanta problemas doutro tipo ao implicar a Etiópia e a Eritreia e, por acréscimo, o risco de novos focos terroristas no Corno de África.

   Outros confrontos ruinosos como a guerrilha do Delta do Níger e a instabilidade crónica do Congo são tidos como choques absorvíveis pelos mercados na ausência de qualquer hipótese próxima de regulação dos conflitos.

   Crises candentes como a miséria militarizada da Birmânia passam por questões adiadas até que o desmoronamento do regime venha a envolver os interesses directos da Índia, da China e, por extensão, a segurança da navegação no Estreito de Malaca.

   Caxemira, a turbulência paquistanesa e as sucessivas tentativas de assassinato do presidente Pervez Musharraf estão num limbo aceite como aposta desesperada no princípio de que Islamabade e Nova Deli não arriscarão uma escalada militar até às últimas consequências, apesar da virulência dos atentados terroristas na Índia.

   A estabilização falhada do Afeganistão conforma-se a um compasso de espera alimentado pela produção e tráfico de ópio e heroína. A Coreia do Norte continua, por sua vez, a ser assimilada a uma ameaça nuclear regional e excêntrica.

   Aceite uma trégua no Líbano, as consequências do fracasso militar e político israelita face a um movimento islamita com fortes apoios na comunidade xiita libanesa, demorarão a ser compreendidas.

   O descalabro estratégico de Telavive implica maiores dificuldades para as hipóteses negociais na questão palestiniana, reforça a ala negacionista do Hamas e reavive as possibilidades de um retomar das guerras comunitárias no Líbano.

  O Iraque, em plena guerra civil, surge, agora, sobretudo, como questão eleitoral nas eleições norte-americanas de Novembro que arriscam saldar-se pela perda do controlo republicano do Congresso.

   Aliados como a autocracia presidida por Hosni Mubarak no Egipto ou a composta incumbência integrista da Arábia Saudita quase que fazem desesperar do velho dito de Winston Churchill de que pior do que lutar com aliados só mesmo combater sem eles.

                                           A mão negra

  A mão negra do terrorista sérvio Gravilo Princip, cujo atentado de Saravejo, em Junho de 1914, foi pretexto da Primeira Grande Guerra, ecoa como um espectro num mundo em que imperam as tácticas terroristas de atentados em larga escala vitimando civis.

  Para os estados da União Europeia a questão essencial tem a ver com o isolamento dos núcleos totalitários islamitas entre as comunidades islâmicas, ainda que nem isso os proteja de conspirações alimentadas do exterior, do Médio Oriente ao subcontinente indiano.

   O nível de alienação face aos valores civilizacionais e constitucionais dos países de acolhimento é particularmente assustador em estados como a Grã-Bretanha, França e Holanda. A União Europeia, à parte a cooperação nas áreas de Justiça e Segurança, remete para os estados membros a definição de políticas quanto à integração das comunidades islâmicas.

   Ainda continua a ser possível na União Europeia, pretextando o respeito por convicções religiosas, promover publicamente ideários contrários às instituições constitucionais democráticas.

   As tentativas ditas de promoção de diálogos civilizacionais, intercomunitários e religiosos levadas a cabo em França ou na Grã-Bretanha têm-se saldado, sobretudo, pelo reconhecimento de um estatuto especial para as comunidades islâmicas que abre caminho a todo o tipo de justificações para a xenofobia e intolerância promovidas pelos sectores radicais.

   A retaliação ideológica em torno de alegados privilégios comunitários alimenta, por seu turno, a xenofobia anti-islâmica, racista e nacionalista em muitos países europeus.

   A prédica de organizações como a Jamaat Al Tabligh, visando criar uma contra-sociedade assente nos princípios corânicos, encontra, assim, terreno fértil entre os cerca de doze milhões de muçulmanos residentes na União Europeia.

   A impossibilidade de conter a curto prazo os fluxos de emigração clandestina - meio milhão de entradas por ano - é uma dificuldade acrescida para a integração social de muçulmanos e demais minorias na ausência de uma política comum de imigração.

  A recente mobilização de recursos policiais e militares pela Agência de Controlo das Fronteiras Exteriores da UE para estancar a emigração clandestina do norte de África e dos países subsarianos terá, reconhecidamente, resultados mitigados enquanto persistirem as assimetrias sociais e demográficas.

                                          Sem opção militar

   Os interesses divergentes das potências europeias em questões problemáticas, como os diversos conflitos israelo-árabes, o Iraque ou o programa nuclear iraniano, e a impossibilidade de articular políticas negociais credíveis com a actual administração republicana em Washington promovem um impasse que neste final de Agosto assumirá consequências dramáticas.

   O falhanço da campanha aérea israelita no Líbano obriga a repensar as hipóteses de um ataque contra o Irão por parte dos Estados Unidos.

   A eventualidade de um bombardeamento a instalações suspeitas era de difícil execução por insuficiências de informação operacional e devido à impossibilidade de evitar, simultaneamente, o colapso total no Iraque, conseguir garantir os fornecimentos de petróleo, sem referir as objecções da Rússia, da China e da Índia.

  A necessidade de mobilizar tropas para região, inviável nas condições presentes, para conter retaliações a um ataque aéreo naval ao Irão, impossíveis de conseguir por bombardeamentos estratégicos e tácticos, é um das conclusões mais óbvias da frustrada campanha israelita no Líbano.

   Teerão depois de bloquear pela sua intransigência a via negocial, concluirá, necessariamente, que a curto e médio prazo só tem a arriscar sanções económicas, tecnológicas e financeiras, relativamente toleráveis.

   Para a maior parte dos estados europeus e para a Rússia restará apenas um imenso impasse, em que os interesses económicos prevenirão a imposição de sanções generalizadas.

  A desorientação diplomática acentuar-se-á tanto quanto os Estados Unidos não conseguirem articular uma ameaça militar credível em contraponto às vias negociais.

  O impasse será, no entanto, pretexto mais do que suficiente para galvanizar a propaganda de guerra islamita na Europa e para levar o petróleo à escalada dos 100 dólares/barril.


Jornal de Negócios
16 Agosto 2006

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