sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O Roteiro da Guerra no Médio Oriente

 
   Yasser Arafat considerava insensato comparar Ariel Sharon a Charles de Gaulle e o primeiro-ministro de Israel, por seu turno, classificava como um equívoco a analogia com o presidente francês porque, dizia, «a Argélia é aqui, os judeus não têm para onde partir e o estado de Israel é central para todas as comunidades judias dispersas pelo mundo».
 
   Por uma vez os dois inimigos concordavam numa apreciação crucial que justificou toda a carreira política de Sharon, ainda que, desde 1988, o político do Likud afirmasse ter começado a admitir a necessidade de descartar territórios que não fossem vitais à segurança do estado de Israel.

   Só em 2004, no entanto, Sharon começou a concretizar os planos de definição unilateral de fronteiras, mediante a neutralização militar e isolamento diplomático do adversário.

  Os objectivos que guiavam Sharon passavam por assegurar profundidade estratégia mínima, capacidade de dissuasão e projecção de força superiores a todos os estados vizinhos, coesão étnica e preservação da aliança com os Estados Unidos.

   A sua estratégia continha, no entanto, lapsos consideráveis para sustentar a pacificação regional.

   Os elementos mais óbvios das insuficiências do projecto a longo prazo de Sharon tinham a ver com a recusa política e simbólica em partilhar Jerusalém, cedendo a parte oriental da cidade, a manutenção do carácter judaico e democrático do estado -  tendo em conta as projecções demográficas que apontam para que os cidadãos árabes venham a passar de 16 para 22 por cento da população total de Israel em 2025, agravadas pelo fim da imigração judia em larga escala - e, sobretudo, a viabilidade e estabilidade de um estado palestiniano reduzido a Gaza e áreas desconexas da Cisjordânia.

   O estratego desapareceu sem dar resposta a estas contradições, ainda que tenha enterrado definitivamente a quimera da «Grande Israel», e saiu de cena precisamente numa conjuntura em que sopram ventos de guerra no Médio Oriente.

   Evocar o pior cenário possível é uma questão de avaliação da magnitude e probabilidade dos riscos e implica uma conjunção e imbricação de variáveis a curto prazo.

  Precisamente por isso, falhado o objectivo do Roteiro de Paz, patrocinado pela ONU, União Europeia, Rússia e Estados Unidos, que apontava para uma resolução final e compreensiva do conflito em 2005, é altura de apurar os riscos de um Roteiro de Guerra.

   Incapazes de separar o estado de Israel da turbulência nos territórios palestinianos, os dirigentes israelitas, ainda que possam conter em limites toleráveis eventuais vagas terroristas, terão de coexistir com uma Autoridade Palestiniana em que o peso dos integristas do Hamas será cada vez maior.

   O cenário de um desfasamento acentuado de interesses imediatos entre os palestinianos da Cisjordânia e a anarquia de Gaza, implicando um comprometimento directo do Egipto, não obsta a que Israel tenha de definir a médio prazo as condições aceitáveis de viabilidade de uma entidade estatal árabe nas suas fronteiras.

   A anexação dos colonatos judeus próximos à linha de fronteira de 1967 na Cisjordânia só teria viabilidade se o estado palestiniano escapasse à lógica dos bantustões que a elite militar e política de Israel persiste em impor, ignorando, ainda, concessões simbólicas na questão das indemnizações a quatro milhões de refugiados palestinianos.

   Tendo em conta o imponderável da evolução do Hamas, que à semelhança do Hizballah no Líbano, nunca irá abdicar da componente armada, Israel viu falhar, para já, a opção Mahamoud Habbas.

  Tudo o que vier será para pior.

  Na fronteira norte, o regime do presidente Bashar Al Assad dificilmente sobreviverá à crise provocada pelo assassínio de Rafic Hariri, sendo o regresso à primeira linha dos Irmãos Muçulmanos e o ajuste de contas com a minoria alauíta dados incontornáveis.

  A questão adiada do retorno dos Montes Golã para efeitos de contenção da Síria e da neutralização do Líbano irá colocar-se a curto prazo aos dirigentes israelitas.

   Na frente interna, um futuro governo israelita não terá condições para levar a cabo o desmantelamento de colonatos na Cisjordânia, mesmo limitado a áreas envolvendo 80 mil dos 240 mil colonos, e, sobretudo, nunca poderá aventar argumentos de reforço de segurança em fronteiras definidas unilateralmente dada a degradação da autoridade da Fatah nos territórios palestinianos.

  Acresce que qualquer governo de Israel terá de dar provas de força para conter previsíveis actos terroristas ao mesmo tempo que tentará acelerar o ritmo de redução de importações de produtos e, sobretudo, de mão-de-obra palestiniana, agravando, necessariamente, a crise económica e social nos territórios.

  Finalmente, a questão mais gravosa e imponderável passa pela resposta a dar ao programa nuclear militar iraniano.

   As estimativas israelitas apontam para um ponto de não-retorno no programa nuclear de Teerão ainda este ano.

  A complexidade da situação foi agravada pela decisão norte-americana de vender a Israel, em Fevereiro do ano passado, 500 bombas convencionais de penetração capazes de atingir instalações subterrâneas, enquanto Moscovo acordava, em Dezembro, o fornecimento de 30 sistemas TOR-M1 de defesa anti-aérea a Teerão.

   A eventualidade de um ataque israelita a alvos iranianos é uma hipótese muito crível, tanto mais que os apoiantes do presidente Mahmoud Ahmadinejad se revelam avessos a qualquer compromisso diplomático, contando a seu favor com a dificuldade de êxito de uma acção militar e as gravosas consequências que acarretaria.

   Mesmo sem levar em linha de conta uma eventual guerra civil no Iraque, nem um atentado em larga escala da Al Qaeda, a concretização negativa de duas ou três situações de risco são mais do que suficientes para considerar muito crível o agravamento da situação no Médio Oriente, admitindo, mesmo, a probabilidade alta de confrontos militares.

  É o roteiro que poderá levar o barril de petróleo até aos cem dólares.   

Jornal de Negócios
11 Janeiro 2006

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