sábado, 20 de julho de 2013

Só saem duques


Luis Bárcenas



   O imperativo de estabilidade política é o argumento de Mariano Rajoy para recusar a demissão, cumprir a legislatura, e calar os críticos dentro do "Partido Popular" numa altura em que a dimensão da corrupção partidária e institucional em Espanha extravasa os limites da decência.

   A desmesura e a desfaçatez, velhas pechas da arrogância dos poderosos em Espanha, estão na origem da desonra de Rajoy que, se as coisas correrem pelo lado pior, arrisca ser chamado a responder à justiça.

   Primeiro, o tesoureiro do partido Luis Bárcenas ultrapassou todas as marcas ao acumular património imobiliário e contas em bancos suíços num montante superior a 50 milhões de euros após 28 anos a gerir as contas dos populares.

   Depois, o partido viu-se obrigado relutantemente a deixar cair Bárcenas quando o esquema de contabilidade paralela e os pagamentos não declarados feitos pelo próprio tesoureiro a dirigentes do PP vieram a público.

   O temor a eventuais denúncias do antigo senador pela Cantábria era tal que, apesar Barcénas abandonar o partido em 2010, a ruptura total só se consumou depois de Janeiro deste ano quando os jornais "El País" e "El Mundo" começaram a publicar documentação altamente comprometedora.

   O tesoureiro, detido desde 27 de Junho, facultou, entretanto, ao "El Mundo" suficientes sms comprovando que manteve contacto directo com Rajoy até Março deste ano solicitando apoio a troco de silêncio sobre a contabilidade paralela e pagamentos não declarados.

   O escândalo "Gürtel" – um clássico financiamento partidário ilegal, neste caso dos conservadores, a troco de concessões de terrenos, autorizações de projectos e adjudicações diversas nas regiões e autarquias sob administração do PP – que rebentara no início de 2009 converteu-se numa afronta moral a partir do momento em que Bárcenas acossado pela investigação judicial passou a confirmar as suspeitas.

   O PP que começou por negar qualquer credibilidade às acusações de financiamento ilegal entre 1990 e 2008, desqualifica agora o seu antigo tesoureiro, cerrou fileiras em defesa de Rajoy e reitera ter condições para iniciar a recuperação da economia até às eleições no final de 2015.

   Poucas vozes críticas se têm feito ouvir entre os populares e as excepções mais relevantes – a líder do partido em Madrid, Esperanza Aguirre, e o catalão Alejo Vidal-Quadras um dos vice-presidentes do Parlamento Europeu – não se encontram em condições de representar uma alternativa a Rajoy.

   A maioria absoluta do PP permitirá derrotar moções de censura e os socialistas, cujos actos de corrupção partidária na Andaluzia estão sob a alçada da justiça – tal como sucede com os nacionalistas de centro-direita da "Convergència Democràtica de Catalunya" – carecem de credibilidade em matéria de moral política.

   No confronto com os governos regionais sobre partilha de receitas e poderes o executivo madrileno terá, contudo, dificuldades acrescidas devido ao processo de reconfiguração de alianças e patrocínios.

   Os parcos indícios de recuperação económica ou os primeiros passos para recapitalização da banca não impedem que as previsões apontem no sentido de até ao final do próximo ano o desemprego, um indicador fatal, se cifre em 27% na estimativa governamental ou 28%, segundo a OCDE.

   A ruína moral dos conservadores agrava, por sua vez, a desconfiança generalizada nas instituições, incluindo a Casa Real, e ameaça a hegemonia bipartidária, envolvendo alianças pontuais com forças nacionalistas e regionalistas, típica do pós-franquismo.

   Em Madrid, uma maioria nas Cortes é a caução política da imoralidade e os mercados financeiros conformam-se, mas já se retraem quando em Lisboa outra maioria parlamentar aguarda pelo destino de um governo desqualificado.

  Na Península Ibérica baralha-se e dá-se de novo, mas só saem duques.

Jornal de Negócios

17 Julho 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/joao_carlos_barradas/detalhe/so_saem_duques.html

domingo, 14 de julho de 2013

O desatino português

 



  É muito pouco crível que o Estado português consiga financiar-se nos mercados obrigacionistas de forma autónoma e sustentável antes de terminar o programa de ajuda em Junho de 2014.

  Razões de ordem interna inviabilizam, em primeiro lugar, o cumprimento dos compromissos assumidos com a troika que terão de ser renegociados.

  O programa de austeridade, sob tutela de Vítor Gaspar, reduziu a despesa pública à custa da quebra do consumo interno e aumento de desemprego, falhando metas de redução do défice e redundando num recuo do PIB de 3,2% em 2012.

  O fracasso de uma política de austeridade – cujas linhas essenciais foram subscritas pelo PSD, PS e CDS – incapaz de gerar dinâmicas de aumento de capacidade competitiva e de relançamento económico obrigou, entretanto, a revisões de prazos relativas, por exemplo, a reduções do défice orçamental acordadas com a "Comissão Europeia", o "Banco Central Europeu" e o FMI.

  Os arrufos governamentais e a solução de compromisso avalizada por Cavaco Silva deixaram em aberto a questão de saber se os partidos da coligação pretendem prosseguir o programa de Gaspar, que esbarrou contra o Tribunal Constitucional, ou negociar outra solução com os credores externos.

  Esta incerteza, aliada à cizânia política e desacerto na orgânica governamental, além do notório desprezo mútuo entre os líderes da coligação, é incentivo suficiente para todo e qualquer grupo de interesses com capacidade de pressão e mobilização, seja no seio da administração pública ou fora da esfera do estado, fazer frente ao executivo.

  Jogar com as contradições no executivo e nos partidos que o sustentam no parlamento de forma a adiar ou mitigar tentativas de reordenação económico-social consideradas prejudiciais, injustas ou ignaras está ao alcance de sindicatos, institutos públicos e grupos de pressão sectoriais independentemente das reivindicações dos partidos de oposição.

   O PS até ao momento não apresentou políticas alternativas credíveis no contexto europeu e a contestação social – em particular acções da CGTP e UGT com apoio do PCP e BE – mostra-se esparsa e sem fôlego para alimentar movimentos subversores dos actuais equilíbrios partidários maioritários no parlamento.

   Os bloqueios a veleidades reformistas em Portugal, designadamente na reconversão do aparelho de estado e do clientelismo partidário e empresarial, revelam, por sua vez, no essencial, situações muito semelhantes ao ocorrido na Grécia uma vez esboroadas as bases sociais de apoio a reestruturações de fundo.

   A incapacidade de acção política efectiva por parte de Lisboa será tolerada até às eleições alemãs de Setembro, mas o panorama começará a mudar no Outono ante a iminência de nova reestruturação da dívida de Atenas, obrigando governos europeus e provavelmente também o FMI a assumirem perdas, o agravamento da recessão cipriota, as incertezas espanholas e o provável resgate da Eslovénia.

   Partindo do princípio de que na Alemanha o tribunal de Karlsruhe não agravará os problemas e considerará constitucional o "Fundo Europeu de Estabilização Financeira", o BCE, por seu turno, terá até ao final do ano de adoptar medidas, conforme recomenda o FMI, para evitar "dados de longo prazo ao crescimento potencial", tanto mais que irá confrontar-se com os efeitos do abrandamento dos estímulos da "Reserva Federal".

   É neste contexto turbulento que Portugal, necessitado de 16,3 mil milhões de euros para pagamentos em 2014, negoceia a "assistência financeira a título cautelar" do "Mecanismo Europeu de Estabilidade" para empréstimo ou compra de dívida nos mercados primário e secundário.

   Conseguir este apoio de forma a concretizar uma segunda emissão de dívida a dez anos para beneficiar do programa do BCE de compra dívida no mercado secundário tornou-se no desiderato maior de um governo carente de apoio social e de coerência programática.

   "Este governo não cairá porque não é um edifício..."

   "O empréstimo faz-se ou não se faz?"

   Há coisas que nunca mudam.

Jornal de Negócios
10 de Julho 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/o_desatino_portugues.html




sexta-feira, 5 de julho de 2013

Dilemas chineses





   Uma crise de liquidez no mercado interbancário gerada e mal gerida pelo Banco Central de Pequim e o lançamento de uma campanha de propaganda para reafirmar a liderança do partido comunista ilustram os dilemas que desde os anos 80 definem a política chinesa.

  O Banco Central reduziu no início de Junho a oferta de liquidez no mercado interbancário para forçar cortes no crédito, sobretudo ao sector informal financeiro, nominalmente regulado pelas administrações locais e regionais e equivalente a cerca de 10% do PIB, segundo estimativas conservadoras.

   Um inaudito aumento de 52% na concessão de crédito no mercado interno nos primeiros cinco meses deste ano em relação a idêntico período de 2012 lançara o alarme no Banco Central e levou à adopção de medidas extremas.

   Ao reduzir a injecção de liquidez, o Banco Central provocou uma alta histórica das taxas "overnight" e a sete dias viu-se confrontado com rumores sobre a insolvência do "Banco da China", um dos quatro maiores bancos comerciais do estado, enquanto os mercados internacionais reflectiam temores de uma crise de crédito na segunda economia mundial.

   Zhou Xiaochuan acabou por vir assegurar que o Banco Central prossegue uma política de regulação e ajustamento da liquidez para garantir a estabilidade dos mercados financeiros e de um sistema bancário sólido e solvente, mas, as declarações do governador não dissiparam dúvidas sobre a capacidade das autoridades para controlarem fluxos de crédito numa conjuntura de contracção da economia.

                             Imponderáveis do crédito

   O sector imobiliário, por exemplo, registou em Junho uma subida de preços de 7,4% em relação ao ano anterior – de acordo com dados de uma das maiores agências chinesas, a "SouFun" –, confirmando que os investidores encontraram formas de contornar as restrições ao crédito, designadamente a proibição de compra de segunda habitação.

  Após colapsos pontuais em 2011 – designadamente em Ordos, na Mongólia Interior, e em Wenzhou, na província costeira de Zhejiang, no sudeste da China – que puseram em causa a angariação de receitas pelos governos locais através de leilões de concessões de terra para construção e desencadearam falências em cadeia, o imobiliário é de novo visto como investimento rentável.

  A alta de preços num sector que representa 13% do PIB poderá, contudo, revelar-se de pouco dura a manterem-se restrições ao crédito para conter a dívida de administrações locais (equivalente a um montante próximo dos 25% a 36% do PIB) e obrigar os quatro maiores bancos do país (responsáveis por cerca de 40% do total de empréstimos) a fazerem provisões para obviar a maus devedores.

  A contracção do sector financeiro informal apresenta, por sua vez, o risco de asfixiar grande número de pequenas e médias empresas.

  Num universo de 40 milhões de PME 97% não têm acesso a crédito bancário, segundo dados do banco de investimentos de Pequim "CITIC" , vendo-se obrigadas a recorrer a agentes financeiros não regulados pelo poder central.

   O fim do ciclo de investimentos empreendidos sob tutela do estado entre 2008 e 2010, que beneficiou essencialmente as grandes empresas públicas, a impossibilidade de ampliar quotas nos mercados de exportação, associada ao aumento de custos salariais e à apreciação do reminbi, conjugam-se para uma redução da taxa de crescimento económico.

                                         Confiar no líder

   O objectivo oficial para este ano cifra-se em 7,5%, abaixo da média de crescimento de 10,5% da última década e justifica que Xi Jinping – presidente desde Março e líder do partido eleito em Novembro do ano passado – se tenha visto obrigado a uma nova campanha de propaganda.

   A legitimidade comunista deriva presentemente da capacidade para promover melhorias nas condições materiais de vida da população e o partido depara-se com crescentes dificuldades para evitar defraudar expectativas.

   A nova liderança é herdeira do Plano Quinquenal 2006-2010 que visava criar uma "sociedade harmoniosa" e dava por esgotado – devido ao envelhecimento populacional, degradação ambiental e crescentes assimetrias sociais e regionais – o modelo de desenvolvimento promovido pelas reformas de Deng Xiaoping no final da década de 70.

   Na herança ideológica de Xi encontra-se, ainda, a promoção do consumo interno e melhoria de qualidade de vida, destacada para o quinquénio 2011-2015, o que justifica que o líder venha agora declarar que o desempenho dos responsáveis do partido não deve apenas ser apreciado pelo seu papel na promoção do crescimento económico.

   Tal como os antecessores e na ressaca de sucessivos escândalos de corrupção – entre os celerados mais recentes destacam-se Bo Xilai, chefe do partido em Chongqing, e Liu Zhinjun, ministro dos transportes ferroviários – Xi apela à integridade e probidade dos 85 milhões de membros do partido e à confiança na liderança comunista.

   Um apelo à confiança e à crença no sonho de uma China próspera e influente é a mensagem, pouco substancial, que tem para oferecer um presidente que, preservando o monopólio do poder, pretende gerir reformas inadiáveis numa conjuntura de desaceleração do crescimento económico.


Jornal de Negócios
3 de Julho 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/dilemas_chineses.html