sexta-feira, 5 de julho de 2013

Dilemas chineses





   Uma crise de liquidez no mercado interbancário gerada e mal gerida pelo Banco Central de Pequim e o lançamento de uma campanha de propaganda para reafirmar a liderança do partido comunista ilustram os dilemas que desde os anos 80 definem a política chinesa.

  O Banco Central reduziu no início de Junho a oferta de liquidez no mercado interbancário para forçar cortes no crédito, sobretudo ao sector informal financeiro, nominalmente regulado pelas administrações locais e regionais e equivalente a cerca de 10% do PIB, segundo estimativas conservadoras.

   Um inaudito aumento de 52% na concessão de crédito no mercado interno nos primeiros cinco meses deste ano em relação a idêntico período de 2012 lançara o alarme no Banco Central e levou à adopção de medidas extremas.

   Ao reduzir a injecção de liquidez, o Banco Central provocou uma alta histórica das taxas "overnight" e a sete dias viu-se confrontado com rumores sobre a insolvência do "Banco da China", um dos quatro maiores bancos comerciais do estado, enquanto os mercados internacionais reflectiam temores de uma crise de crédito na segunda economia mundial.

   Zhou Xiaochuan acabou por vir assegurar que o Banco Central prossegue uma política de regulação e ajustamento da liquidez para garantir a estabilidade dos mercados financeiros e de um sistema bancário sólido e solvente, mas, as declarações do governador não dissiparam dúvidas sobre a capacidade das autoridades para controlarem fluxos de crédito numa conjuntura de contracção da economia.

                             Imponderáveis do crédito

   O sector imobiliário, por exemplo, registou em Junho uma subida de preços de 7,4% em relação ao ano anterior – de acordo com dados de uma das maiores agências chinesas, a "SouFun" –, confirmando que os investidores encontraram formas de contornar as restrições ao crédito, designadamente a proibição de compra de segunda habitação.

  Após colapsos pontuais em 2011 – designadamente em Ordos, na Mongólia Interior, e em Wenzhou, na província costeira de Zhejiang, no sudeste da China – que puseram em causa a angariação de receitas pelos governos locais através de leilões de concessões de terra para construção e desencadearam falências em cadeia, o imobiliário é de novo visto como investimento rentável.

  A alta de preços num sector que representa 13% do PIB poderá, contudo, revelar-se de pouco dura a manterem-se restrições ao crédito para conter a dívida de administrações locais (equivalente a um montante próximo dos 25% a 36% do PIB) e obrigar os quatro maiores bancos do país (responsáveis por cerca de 40% do total de empréstimos) a fazerem provisões para obviar a maus devedores.

  A contracção do sector financeiro informal apresenta, por sua vez, o risco de asfixiar grande número de pequenas e médias empresas.

  Num universo de 40 milhões de PME 97% não têm acesso a crédito bancário, segundo dados do banco de investimentos de Pequim "CITIC" , vendo-se obrigadas a recorrer a agentes financeiros não regulados pelo poder central.

   O fim do ciclo de investimentos empreendidos sob tutela do estado entre 2008 e 2010, que beneficiou essencialmente as grandes empresas públicas, a impossibilidade de ampliar quotas nos mercados de exportação, associada ao aumento de custos salariais e à apreciação do reminbi, conjugam-se para uma redução da taxa de crescimento económico.

                                         Confiar no líder

   O objectivo oficial para este ano cifra-se em 7,5%, abaixo da média de crescimento de 10,5% da última década e justifica que Xi Jinping – presidente desde Março e líder do partido eleito em Novembro do ano passado – se tenha visto obrigado a uma nova campanha de propaganda.

   A legitimidade comunista deriva presentemente da capacidade para promover melhorias nas condições materiais de vida da população e o partido depara-se com crescentes dificuldades para evitar defraudar expectativas.

   A nova liderança é herdeira do Plano Quinquenal 2006-2010 que visava criar uma "sociedade harmoniosa" e dava por esgotado – devido ao envelhecimento populacional, degradação ambiental e crescentes assimetrias sociais e regionais – o modelo de desenvolvimento promovido pelas reformas de Deng Xiaoping no final da década de 70.

   Na herança ideológica de Xi encontra-se, ainda, a promoção do consumo interno e melhoria de qualidade de vida, destacada para o quinquénio 2011-2015, o que justifica que o líder venha agora declarar que o desempenho dos responsáveis do partido não deve apenas ser apreciado pelo seu papel na promoção do crescimento económico.

   Tal como os antecessores e na ressaca de sucessivos escândalos de corrupção – entre os celerados mais recentes destacam-se Bo Xilai, chefe do partido em Chongqing, e Liu Zhinjun, ministro dos transportes ferroviários – Xi apela à integridade e probidade dos 85 milhões de membros do partido e à confiança na liderança comunista.

   Um apelo à confiança e à crença no sonho de uma China próspera e influente é a mensagem, pouco substancial, que tem para oferecer um presidente que, preservando o monopólio do poder, pretende gerir reformas inadiáveis numa conjuntura de desaceleração do crescimento económico.


Jornal de Negócios
3 de Julho 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/dilemas_chineses.html

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