domingo, 14 de julho de 2013

O desatino português

 



  É muito pouco crível que o Estado português consiga financiar-se nos mercados obrigacionistas de forma autónoma e sustentável antes de terminar o programa de ajuda em Junho de 2014.

  Razões de ordem interna inviabilizam, em primeiro lugar, o cumprimento dos compromissos assumidos com a troika que terão de ser renegociados.

  O programa de austeridade, sob tutela de Vítor Gaspar, reduziu a despesa pública à custa da quebra do consumo interno e aumento de desemprego, falhando metas de redução do défice e redundando num recuo do PIB de 3,2% em 2012.

  O fracasso de uma política de austeridade – cujas linhas essenciais foram subscritas pelo PSD, PS e CDS – incapaz de gerar dinâmicas de aumento de capacidade competitiva e de relançamento económico obrigou, entretanto, a revisões de prazos relativas, por exemplo, a reduções do défice orçamental acordadas com a "Comissão Europeia", o "Banco Central Europeu" e o FMI.

  Os arrufos governamentais e a solução de compromisso avalizada por Cavaco Silva deixaram em aberto a questão de saber se os partidos da coligação pretendem prosseguir o programa de Gaspar, que esbarrou contra o Tribunal Constitucional, ou negociar outra solução com os credores externos.

  Esta incerteza, aliada à cizânia política e desacerto na orgânica governamental, além do notório desprezo mútuo entre os líderes da coligação, é incentivo suficiente para todo e qualquer grupo de interesses com capacidade de pressão e mobilização, seja no seio da administração pública ou fora da esfera do estado, fazer frente ao executivo.

  Jogar com as contradições no executivo e nos partidos que o sustentam no parlamento de forma a adiar ou mitigar tentativas de reordenação económico-social consideradas prejudiciais, injustas ou ignaras está ao alcance de sindicatos, institutos públicos e grupos de pressão sectoriais independentemente das reivindicações dos partidos de oposição.

   O PS até ao momento não apresentou políticas alternativas credíveis no contexto europeu e a contestação social – em particular acções da CGTP e UGT com apoio do PCP e BE – mostra-se esparsa e sem fôlego para alimentar movimentos subversores dos actuais equilíbrios partidários maioritários no parlamento.

   Os bloqueios a veleidades reformistas em Portugal, designadamente na reconversão do aparelho de estado e do clientelismo partidário e empresarial, revelam, por sua vez, no essencial, situações muito semelhantes ao ocorrido na Grécia uma vez esboroadas as bases sociais de apoio a reestruturações de fundo.

   A incapacidade de acção política efectiva por parte de Lisboa será tolerada até às eleições alemãs de Setembro, mas o panorama começará a mudar no Outono ante a iminência de nova reestruturação da dívida de Atenas, obrigando governos europeus e provavelmente também o FMI a assumirem perdas, o agravamento da recessão cipriota, as incertezas espanholas e o provável resgate da Eslovénia.

   Partindo do princípio de que na Alemanha o tribunal de Karlsruhe não agravará os problemas e considerará constitucional o "Fundo Europeu de Estabilização Financeira", o BCE, por seu turno, terá até ao final do ano de adoptar medidas, conforme recomenda o FMI, para evitar "dados de longo prazo ao crescimento potencial", tanto mais que irá confrontar-se com os efeitos do abrandamento dos estímulos da "Reserva Federal".

   É neste contexto turbulento que Portugal, necessitado de 16,3 mil milhões de euros para pagamentos em 2014, negoceia a "assistência financeira a título cautelar" do "Mecanismo Europeu de Estabilidade" para empréstimo ou compra de dívida nos mercados primário e secundário.

   Conseguir este apoio de forma a concretizar uma segunda emissão de dívida a dez anos para beneficiar do programa do BCE de compra dívida no mercado secundário tornou-se no desiderato maior de um governo carente de apoio social e de coerência programática.

   "Este governo não cairá porque não é um edifício..."

   "O empréstimo faz-se ou não se faz?"

   Há coisas que nunca mudam.

Jornal de Negócios
10 de Julho 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/o_desatino_portugues.html




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