quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Outra vez a bancarrota





   Os parceiros da eurozona ainda poderão tirar mais um coelho da cartola e evitar a bancarrota imediata da Grécia se financiarem a recompra por Atenas de obrigações do tesouro aos preços correntes no mercado secundário.

  A este financiamento, agregando a contribuição do BCE que prescindiria dos lucros obtidos com obrigações gregas, teria de se juntar uma baixa de juros do programa de assistência.

   De resto, aceitando a troika promessas do governo de Antonis Samaras para redução da despesa pública na ordem dos 13,5 mil milhões de euros e de revisão das leis laborais, seria entregue em Novembro mais uma prestação de 31,5 mil milhões de euros do segundo plano de resgate orçado em 130 mil milhões.

   O alívio será, contudo, de curta duração a exemplo do sucedido em Março com o perdão de dívida pública que custou a investidores privados mais de 100 mil milhões de euros.

   Os privados ficaram com apenas 27% da dívida grega o que implica que BCE e estados europeus tenham de arcar com o grosso do custo da eventual bancarrota helénica.

   A maior reestruturação negociada de sempre não impediu que a Grécia tenha chegado ao final do segundo trimestre com uma dívida pública equivalente a 150,3% do PIB (Portugal – 117,5%).

   O almejado retorno aos mercados internacionais em 2015 é impossível de alcançar e a concessão de mais dois anos para a Grécia cumprir quiméricos objectivos de redução do défice orçamental implica custos de financiamento estimados entre 30 mil milhões de euros, segundo UE e BCE, e 38 mil milhões, de acordo com o FMI.

  A troika avança, ainda, com uma previsão de contracção do PIB superior a 6% este ano e na ordem dos 4% em 2013.

   Com o sexto ano consecutivo de recessão à vista nunca Atenas reduzirá a dívida para 120% do PIB em 2020 e só um perdão por parte dos credores ou financiamento a fundo perdido por tempo indeterminado poderá manter o país na zona euro.

   Os passes de magia financeira não conseguem ademais iludir outra crua realidade: o sistema de clientelismo de estado negociado entre conservadores e socialistas a partir de 1974 faliu e priva a Grécia de consensos políticos para novos programas de austeridade.

   A divulgação da chamada “lista Lagarde”, compreendendo nomes de detentores de contas bancárias na Suíça piratiados por um ex-funcionário do HSBC de Genebra, Hervé Falciani, está agora ao rubro para ilustrar a conivência das elites gregas com esquemas de evasão fiscal e a imoralidade política vigente.

  Ao contrário das autoridades francesas, alemãs, italiana, inglesas e norte-americanas o estado grego não tomou iniciativas para apurar eventuais crimes fiscais depois de no Outono de 2010 a ministra da finanças francesa Christine Lagarde ter entregue ao homólogo George Papaconstantinou a lista de cidadãos gregos constante dos ficheiros de Falciani.

  Papaconstantinou afirmou este mês ante o parlamento de Atenas que a lista data de 2007 e referencia contas no montante de 1,5 mil milhões de euros.

   O ficheiro teria sido entregue ao seu sucessor, o correlegionário socialista Evangelos Venizelos, e, posteriormente, extraviou-se.

   A pedido do ministro das finanças em funções, o tecnocrata de pendor liberal Yannis Stournaras, as autoridades de Paris remeteram a Atenas nova cópia numa altura em diversos responsáveis dos serviços de finanças gregos trocam acusações com actuais e ex-membros do governo sobre a ineficácia da política de combate à evasão fiscal.

   No mês que se fina o enredo tornou-se mais sinistro à volta de uma lista que elenca a alta roda política e empresarial.

   Na cidade grega de Volos enforcou-se um antigo vice-ministro socialista do interior, Leonidas Tzanis, e em Jacarta suicidou-se Vlassis Kambouroglou, um empresário, também nomeado na “lista Lagarde”, e envolvido em escândalos de corrupção na compra de mísseis à Rússia.

   Os milhões desviados à conta dos mísseis de Moscovo são um dos muitos casos a assolar o sector da defesa, uma área de excepção que a pretexto do conflito com a Turquia absorve 4% do PIB grego.

   A par das suspeitas de corrupção na aquisição de submarinos à Alemanha uma catadupata de escândalos de negócios militares levaram à detenção em Abril do ex-ministro socialista da defesa Akis Tsochtzopoulos.

   A divulgação da “lista Lagarde” pela revista Hot Doc, valeu ao seu director Costas Vaxevanis, a instauração de um processo pelo ministério público por violação de dados pessoais e uma breve detenção no domingo.

   A subsequente publicação segunda-feira pelo jornal de maior tiragem do país Ta Nea (As Notícias, diário de centro-esquerda) dos nomes dos 2 059 detentores de contas suíças não levou, no entanto, a novas acções judiciais.

   Parece escapar aos arquitectos dos passes mágicos sobre a bancarrota helénica que outra falência muito maior já se consumou: a deslegitimização política que nas eleições de Junho sagrou a ascensão da extrema-esquerda e extrema-direita cada vez mais capazes de fazerem implodir na próxima ronda a moralmente iníqua, aos olhos de muitos gregos, coligação no poder.

Jornal de Negócios
31 Outubro 2012

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A América ensimesmada e incerta





   Mitt Romney saiu presidenciável da ronda de debates e a eleição depende agora da conquista de estados como a Flórida, Virgínia e Ohio onde o republicano se bate taco a taco com Barack Obama.

   No primeiro confronto, a 3 de Outubro, Romney conseguiu impor-se como candidato credível e contrariar uma desvantagem persistente nas sondagens, subindo quatro pontos em média.

   O melhor desempenho de Obama no debate de dia 16 não foi suficiente para desfeitiar as pretensões do republicano que, graças a um empate técnico nas intenções de voto, conseguiu manter em aberto a possibilidade de uma maioria no Colégio Eleitoral.

   Os debates televisivos tornaram-se num facto importante numa votação que será renhida tal como sucedeu em 1960 na disputa entre Richard Nixon e John Kennedy e, de novo, em 2000, com Al Gore e George W. Bush.

   Na derradeira discussão Romney perdeu aos pontos, mas ao optar por uma posição moderada e conciliatória em política externa ultrapassou um do seus óbices principais patente na desastrosa viagem de Julho à Grã-Bretanha, Israel e Polónia.

   Em Boca Raton foi exemplar o modo como a abordagem de diferendos comerciais com a China redundou em polémica sobre criação de emprego no Ohio, investimentos no sector educativo e eventuais vantagens do reforço na pesquisa científica para assegurar a primazia norte-americana.

   A importância que Obama e Romney conferiram à economia doméstica num debate que deveria cobrir as principais questões internacionais acabou por corresponder aos interesses e perplexidades do eleitorado.

   Uma sondagem realizada a 15 e 16 deste mês pela Gallup revelava que a “economia em geral” é a principal preocupação de 37% dos inquiridos, seguida do “desemprego” para 26%.

   Na mesma altura em 2008 “a economia em geral” motivava 47% dos inquiridos e o “desemprego” apenas 3%, mas o contraste é evidente em relação às eleições de 2000, em que predominavam temas não-económicos como a educação, e de 2004 quando as guerras do Afeganistão e do Iraque dominavam as atenções.

   Romney evitou brandir o “machado de guerra” para ganhar credibilidade como estadista, passou a defender a retirada militar do Afeganistão em 2014 e mesmo criticando o rival por alegadamente ter propiciado uma “crescente vaga de caos” no Médio Oriente acabou por concordar no essencial com a política da Casa Branca quanto à Síria, Irão ou Paquistão.

   O debate deixou de lado palestinianos e judeus, a Europa, a Rússia, a Índia, Guantánamo, política ambiental, narcotráfico, migrações e toda uma série de questões de interesse estratégico para os Estados Unidos.

   As diferenças retóricas – Obama privilegiando a busca de alianças e abordagens multilaterais, Romney mais insistente na necessidade de capacitar o país para a projecção de poder a nível global – não conseguiram esconder o facto de que os Estados Unidos contam com opções muito limitadas.

   O próximo presidente não terá maioria no Congresso – é provável que os republicanos dominem a Câmara de Representantes e os democratas o Senado –, sendo difícil avançar com políticas para redução do défice orçamental, da dívida pública e de incentivo ao crescimento económico, seja por via de mobilização de recursos estatais ou reduções de impostos.

   À radicalização política direitista e ultraconservadora entre os republicanos e à dificuldade dos democratas de repetirem a mobilização que levou Obama ao poder cumpre juntar 3% a 8% do eleitorado que ainda se declara indeciso quanto ao voto a 6 de Novembro.

   A participação eleitoral poderá cair abaixo dos 57% registados em 2008 e pôr fim a uma tendência para maior empenhamento que se vinha a notar após o ponto baixo de 1996 – reeleição de Bill Clinton contra Bob Dole – quando apenas 49% do eleitorado votou.

   Agora, depois de 4,4 milhões de votos já terem sido expressos, as contradições de Romney, que sucessivamente alterou posições de princípio, e de Obama, insistindo essencialmente na necessidade de um novo mandato para cumprir promessas adiadas,
o sentido de voto é particulamente incerto.

   Em dez estados a vitória tanto pode pender para Romney como para Obama.

   Os 270 votos do Colégio Eleitoral necessários para a vitória dependem do sentido de voto em estados tão diversos quanto a Flórida (29 mandatos), Ohio (18), Iowa (6) ou Virgínia (13).

   Na bolsa de apostas Intrade, um indicador que desde 2002 merece relevância, Obama liderava na abertura de terça-feira com 59,3% e pode ser que consiga a reeleição, mas estamos no âmbito da aposta e não da conjectura razoável.

Jornal de Negócios

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Um equívoco sobre "Guerra e Paz"

  
           
                        Tolstói os malefícios dos concursos televisivos

   A primeira tradução directa do russo de «Guerra e Paz» da responsabilidade de Nina Guerra e Filipe Guerra, poderia pemitir ao leitor português encontrar, finalmente, o tom coloquial de Tolstói que as versões a partir do francês, caso das realizadas por Cabral do Nascimento e João Gaspar Simões, tantas vezes elidiam ao optarem por soluções mais respeitosas das convenções literárias.
 
  Talvez seja o caso, mas, primeiro, convém dar atenção ao título.

   O casal Guerra que desde 1996 se tem dedicado à meritória tradução de obras literárias russas -- seguindo o método em que Nina (Moscovo,1950), formada em filologia românica na capital russa, elabora uma primeira versão portuguesa trabalhada posteriormente por Filipe (Vila Pouca de Aguiar, 1948) --, apresenta nesta sua versão de «Guerra e Paz» uma «nota sobre o título do romance» que desperta perplexidade.

    Advertem os tradutores que «no original russo não consta a palavra ‘paz’, mas sim um seu homófono que significa ‘universo, sociedade, mundo humano’ (no tempo de Tolstói os dois homófonos tinham grafia diferente, o que actualmente não acontece, e daí a confusão)».
 
   Depois de esclarecem os leitores que laboravam em confusão há mais de um século, condescendem os tradutores, galardoados em 2001 com o «Grande Prémio do P.E.N. Clube Português e da Associação Portuguesa de Tradutores» pelas versões de obras de Dostoievski, em «não contrariar a tradição e manter a tradução do título já consagrada no Ocidente.»
   É de louvar o respeito pela tradição, mas melhor seria atentar no seguinte.

   É sabido que Tolstói desde que começou a trabalhar, em 1856, num romance sobre os nobres dezembristas --- que em 1825 tentaram derrubar o tzar Nicolau I --, até à conclusão da obra em 1869, hesitou no âmbito cronológico da obra.

    Numa primeira fase, o romance sobre «o carácter do povo russo», implicava «uma descrição da vida e conflitos de algumas personalidades no período temporal que vai de 1805 até 1856», mas Tolstói acabou por se concentrar nos anos das guerras contra Napoleão (1805-1813).

    Os primeiros capítulos publicados na revista «O Mensageiro Russo», em 1865 e 1866, foram apresentados como excertos do romance «O ano de mil oitocentos e cinco», e, nessa altura, Tolstói já abandonara a hipótese «Três épocas» para título da epopeia. O título em vista era, então, «Bem está o que acaba bem».

   Em 1867, Tolstói abandonava o título com ecos de Shakespeare e optava por outro semelhante ao ensaio «La Guerre et la paix» que Proudhon publicara seis anos antes.

   «Guerra e Paz» manteve-se até concluir a publicação do romance em Dezembro de 1869.


 Entre as edições de 1886-69 até à quinta de 1886 Tolstói fez alterações significativas ao texto, mas nunca mais modificou o título do romance e aceitou a versão da sua primeira tradutora, a Princesa Irina Ivanovna Paskiévitch, que, em 1879, publicou a versão francesa «La Guerre et la Paix».

Портрет


   Como surge então a confusão entre «paz» e «mundo»?
  
   Nestes casos é de compulsar, necessariamente, Vladimir Dal, o grande lexicógrafo russo, e o seu clássico «Dicionário Compreensivo da Língua Russa Viva» na primeira edição publicada entre 1863 e 1866 e na versão revista de 1880-1882.
  
   O verbete миръ vale por paz e a palavra міръ significa, efectivamente, universo, sociedade, mundo.

   As reformas ortográficas de 1917 e 1918, pelo governo provisório e pelos bolcheviques, uniformizaram a grafia dos homófonos paz e mundo, resultando мир. Война, a guerra, por sinal, manteve a mesma grafia.

   Olha-se para as capas das edições de «Guerra e Paz» anteriores à reforma ortográfica e não há motivo para qualquer dúvida.
   Porquê, então, esta confusão?

   Tudo começou em 1982 com uma emissão do popular concurso do primeiro canal da televisão soviética «O quê? Onde? Quando?».

   Confrontado com uma edição publicada em 1913 que, por erro, numa única página, indica o título do primeiro dos quatro volumes do romance como «Война и Мipъ» um dos concorrentes foi levado a aceitar a explicação de que o sentido filosófico profundo da obra residia precisamente nesta opção por «Guerra e o Mundo».

   A 23 de Dezembro de 2000 numa emissão comemorativa dos 25 anos do concurso «O quê? Onde? Quando?» o primeiro canal da televisão russa, ORT, repetiu este momento de confusão ortográfica e, cá o temos, finalmente em Portugal, directamente transcrito do russo.

Lev Tolstói,
"Guerra e Paz"
Editorial Presença, Lisboa 2005

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A vaga separatista



    
     A vitória nacionalista nas eleições na Flandres, o triunfo anunciado da Convergència e Unió na votação catalã de Novembro e o acordo de Edimburgo para um referendo sobre a independência da Escócia são a crista de uma alterosa vaga separatista na Europa.

   A inadequação institucional de grande número de estados para assumirem reivindicações de autonomia nacional ou regionalista revela-se cada vez mais gravosa à medida que os impasses sobre a integração política, económica e financeira na União Europeia se agudizam.

   A crise da dívida soberana e de balança de pagamentos num crescente número de países da zona euro – uma união monetária imperfeita e disfuncional que destabiliza relações institucionais com estados da UE não aderentes à moeda única – é uma das razões para o reavivar de tensões separatistas que se estimulam reciprocamente.

   Na monarquia espanhola a falência financeira das autonomias, abarcando regiões e nacionalidades históricas consagradas na Constituição de 1978, e a crise do estado central enfunam as velas do separatismo da Catalunha.

   O repúdio ao centralismo do Partido Popular anima uma coligação liderada por forças conservadoras, pugnando por uma política soberanista a partir da exigência de maior autonomia fiscal, que ameaça levar à ruptura com Madrid.

   Se a maioria dos 7,5 milhões de habitantes da Catalunha apoiar a secessão o efeito de carambola sobre outros nacionalismos e regionalismos ibéricos será imparável.

  Expurgado de taras racistas e xenófobas o nacionalismo basco, onde é grande o peso da esquerda abertzale, terá então condições para ganhar novo ímpeto descartando derivas terroristas.

   Resta à Espanha encetar uma reforma constitucional federalista difícil de negociar em plena crise económica e financeira.

   Na Bélgica a conquista da câmara de Antuérpia por Bart De Wever assinala o momento em que os conservadores passam a hegemonizar o nacionalismo flamengo.

   De Wever posiciona-se contra a coligação do “governo dos impostos” liderada em Bruxelas pelo socialista francófono Elio Di Rupo e, apesar de concessões a uma “renegociação confederal”, aspira a cortar definitivamente as transferências financeiras para o sul.

   Com a Nieuw-Vlaamse Alliante a direita domina claramente o espaço político na Flandres em oposição ao centro-esquerda francófono na Valónia e em Bruxelas.

  Uma separação à imagem da negociação entre checos e eslovacos em 1992 é cenário crível para a dissolução do reino constituído em 1831.

   Os nacionalistas escoceses têm a grande prova dentro de dois anos num referendo quanto à união política firmada com a Inglaterra em 1707.

   No Reino Unido estão em jogo dinâmicas políticas conflituosas susceptíveis de avivar o separatismo católico na Irlanda do Norte.

   Os conservadores de David Cameron tendem a reforçar prerrogativas nacionais em ruptura com a União Europeia, enquanto nacionalistas escoceses optam por um retorno à soberania plena que o petróleo e gás no Mar do Norte possam eventualmente sustentar.

   O marcado regionalismo da maioria germanófila entre meio milhão de habitantes do Alto Adige/Sul do Tirol, anexado pela Itália em 1919 ao defunto Império Austro-Húngaro, enquadra-se, por sua vez, na contestação de regiões ricas a transferências tidas por desproporcionadas a favor do estado central que a crise da eurozona acentuou.

   O separatismo da Lega Norde, a recuperar das máculas de desvio de dinheiros partidários que fez naufragar o líder Umberto Bossi, ainda tenta, por seu turno, capitalizar as pronunciadas assimetrias da península numa conjuntura de desnorte em que se multiplicam escândalos de corrupção administrativa da Calábria ao Lazio.

   Na Colectividade Territorial da Córsega, entidade estabelecida em 1991 com uma autonomia relativamente elevada num dos mais centralistas estados europeus, um arraigado separatismo mostra-se vivaz.

   A esquerda autonomista e separatista predomina desde 2010 numa ilha onde o banditismo e crime organizado perpassam as disputas políticas como em nenhuma outra região da França.

   Onze assassinatos ocorridos desde Janeiro, em que se confundem motivações políticas e negocistas, são sinal de possível retorno à agitação violenta sob o manto do separatismo e a soberania de Ajaccio.

   Reivindicações nacionalistas e regionalistas vêm, assim, complicar negociações entre estados que se digladiam quanto a direitos soberanos e supranacionais na União Europeia.

   Às divergências internas na zona do euro somam-se conflitos com expectativas e estratégias dos demais dez estados que não integram a moeda única, condenando ao fracasso políticas que não tenham em conta esses interesses.

Jornal de Negócios
17 Outubro 2012

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A sombra do caudilho





    Até às eleições regionais de Dezembro Hugo Chávez continuará a manter um alto nível de despesa pública, mas em 2013 chegará a ressaca que marcará a derradeira fase da governação do caudilho venezuelano.

   Com cerca de 8 milhões de votos e 55% dos sufrágios Chávez conseguiu a quarta vitória em eleições presidenciais, mas averbou a menor vantagem desde o primeiro triunfo em 1998.

   A taxa de abstenção caiu para os 19%, a mais baixa das últimas três décadas, e Henrique Capriles subiu a votação da oposição dos 4,2 milhões conseguidos por Manuel Rosales em 2006 para 6,4 milhões de votos.

   A reeleição de Chávez numa votação que reuniu o maior número de sempre de participantes, cerca de 15 milhões, foi indiscutível com uma vantagem de 11% sobre o rival, mas aquém dos 63%, 60% e 56% averbados em 2006, 2000 e 1998.

   Batendo o rival em 22 dos 23 Estados e no Distrito Capital (Caracas) -- incluindo Miranda que Capriles governou desde 2008 até Junho para se candidatar à presidência -- Chávez contudo pouco aumentou a sua base eleitoral que chegara aos 7,3 milhões de votantes em 2006.

   A polarização social persiste e uma fuga para a frente é a via mais provável para o chavismo que dentro de dois anos tentará renovar a maioria absoluta do seu Partido Socialista Unido da Venezuela na Assembleia Nacional.

   Para alargar sobretudo os quadros do funcionalismo, programas de construção de habitação social e subsídios à alimentação e saúde, a despesa pública aumentou 30% em termos reais nos últimos doze meses, segundo estimativa do “Bank of America-Merrill Lynch”.

  Tendo acentuado desde 1999 a dependência do petróleo, responsável por mais de metade das receitas do estado e acima de 90% das entradas de divisas, a Venezuela, não irá conhecer qualquer diversificação económica tanto mais que nacionalizações nos sectores energético e alimentares são apontadas como prioridades.

   O estado, que assegura mais de 1/3 dos investimentos, tenderá, assim, a aumentar a sua quota parte ante a retracção de capitais estrangeiros.

   A produção de crude no país com as maiores reservas de petróleo caiu 22% desde 1999, totaliza actualmente os 2,52 milhões ou 3 milhões de barris/dia, consoante estimativas independentes ou oficiais, e deverá continuar a baixar na ausência de investidores privados estrangeiros.

   Uma forte desvalorização do bolivar é praticamente certa no início de 2013 e a dívida externa deverá continuar a ser sustentada por empréstimos de Pequim que nos últimos cinco anos totalizaram cerca de 42,5 mil milhões de dólares cobertos por quase um terço dos 640 mil barris de crude exportados diariamente para a China.

   A inflação, rondando os 20%, ameaça as expectivas de crescimento económico que, segundo as previsões do FMI, deverá atingir 5,7% este ano -- acima dos 3,2% apontados para a América Latina -- e 3,3% em 2013.

   Graças à alta do petróleo – o barril quedava pelos 10 USD à chegada de Chávez ao poder – os programas assistencialistas estatais, em ruptura com a governação das oligarquias tradicionais, levaram a uma redução da pobreza de 56% em 1997 para 27% em 2011.

   As estatísticas oficiais registam, ainda, uma taxa de desemprego de 8% apesar de metade da população continuar relegada para o sector informal de uma economia flagelada pelo racionamento de electricidade, infraestruturas insuficientes e de má qualidade que têm um efeito tão destabilizador quanto os aterradores 14 mil assassínios anuais registados pelas autoridades.

   Os constrangimentos económicos e financeiros apontam para uma radicalização do chavismo.

   Será risco excessivo para o regime assistir a uma desabrida contenda pela sucessão dado o incerto estado de saúde do caudilho de 58 anos que iniciará a 30 de Janeiro um mandato de seis anos renovável indefinidamente.
   
   A eventualidade de morte, incapacidade física ou mental nos primeiros quatro anos obrigaria a eleições antecipadas dado que o vice-presidente Elías Jaua só poderia suceder a Chávez para concluir o mandato sem recurso a novo acto eleitoral a partir de 2017.

(Nota: Chávez nomeou a 10 de Outubro o Ministro dos Negócios Estrangeiros Nicolás Maduro como vice-presidente. Elías Jaua foi anunciado como candidato a governador do estado de Miranda concorrendo contra Capriles)

   Confrontado com uma frente de oposição congregando desde conservadores a social-democratas e socialistas que se não se desgregar conta em Capriles com um candidato mobilizador e livre de conivências com as velhas oligarquias, não é de descartar que Chávez promova nova revisão constitucional, tal como em 2009, para garantir a continuidade do regime nomeando um sucessor.


Jornal de Negócios
10 Outubro 2010

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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O reverso de Merkel




Berlim, 5 Outubro 2008


   Quatro anos terão passado na sexta-feira sobre o dia em que Angela Merkel e o seu ministro das finanças Peer Steinbrück foram à televisão garantir solenemente os depósitos privados aos alemães temerosos ante as consequências da iminente falência do banco imobiliário Hypo de Munique.

   Ao lado de Merkel o ministro social-democrata na coligação que governou Berlim entre Novembro de 2005 e Outubro de 2009 ganhou galões como um dos responsáveis pela forma como a Alemanha aguentou o choque da crise financeira de 2008/2009.

   Steinbrück é agora o candidato social-democrata à chancelaria para as eleições de Setembro de 2013 com a promessa de formar uma coligação com os Verdes à imagem da aliança que liderou como chefe do governo do maior estado da federação, a Renânia do Norte-Vestefália, entre 2002 e 2005.

   Descartada a hipótese de uma candidatura da actual ministra-presidente da Renânia do Norte-Vestefália, Hannelore Kraft, Steinbrück surgiu como um compromisso entre as diversas tendências social-democratas.

                                 Uma campanha ao centro

   Todas as sondagens apontavam para as fracas possibilidades que teriam frente a Merkel o presidente Sigmar Gabriel ou o líder parlamentar Frank-Walter Steinmeier, cara em 2009 da maior derrota de sempre do SPD em eleições federais quando o partido se quedou por 23% dos votos.

   Steinbrück, conotado com a ala mais à direita do SPD, sobretudo pelo seu apoio à reformas laborais e da segurança social lançadas por Gerard Schröder, a Agenda 2010, é o candidato mais capaz de atrair o eleitorado indeciso e desorientado ante o curso da crise europeia.
  
    Crítico das atitudes timoratas de Merkel que afirma terem agravado a crise do euro e da dívida soberana, Steinbrück, que pretende fazer destas questões a par da justiça social e regulação financeira tema maior de campanha, arranca com más sondagens.

   A chanceler continua a liderar as preferências do eleitorado a título pessoal, enquanto os conservadores se aproximam dos 40% nas intenções de voto, contra menos de 30% para os social-democratas e pouco mais de 10% para os Verdes.
  
   O descalabro dos liberais, na sequência das últimas eleições estaduais, ameaça, contudo, os actuais aliados de Merkel que revelam dificuldade para conseguir superar a barreira dos 5% necessária a representação parlamentar.

    O retomar de uma Grande Coligação entre democratas-cristãos, social-cristãos bávaros e social-democratas é, a prazo, o cenário mais provável.

                                    A finança eleitoral

   Altivo, brusco, sarcástico, Steinbrück é político de escasso tacto diplomático, mas  seus mais recentes cavalos de batalha não irão inviabilizar uma eventual aliança com a direita.
  
  O candidato do SPD, limitado ao cargo de deputado desde 2009, defendeu recentemente a criação pelos bancos alemães de um fundo próprio de resgaste de 200 mil milhões de euros para o sector e a separação da banca de investimento e de retalho na linha de propostas similares nos Estados Unidos (Directiva Volcker), no Reino Unido (Comissão Vickers) e do grupo de trabalho da UE liderado por Erkki Liikanen.

   As dificuldades que a UE enfrenta para definir os termos de regulação e supervisão bancária retiram urgência à questão até à eclosão de algum drama que ameace entidades como o Barclays, o Deutsche Bank, o BNP Paribas, ou o UniCredit e salvo limitações às remunerações de executivos e saneamento dos Landesbanken dificilmente valerá como bandeira eleitoral.
   Steinbrück constata publicamente o imperativo de financiamentos extraordinários à Grécia como mal menor face aos prejuízos que acarretaria a saída de Atenas da zona euro, admite, em princípio, emissões limitadas de obrigações europeias e pugna por maior acento em políticas de crescimento.

                                  De fisga na mão

   Quando toca a precisar as suas posições o candidato social-democrata, acatando a obrigação constitucional de equilíbrio orçamental e crítico do que classifica como keynesianismos obtusos, revela-se, no entanto, tão timorato quanto a rival conservadora.

   O Tribunal Constitucional de Karlsruhe obriga o parlamento a votar eventuais aumentos das responsabilidades assumidas por Berlim no quadro do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) – 190 mil milhões de euros num total de 700 mil milhões de capital mobilizado -- e essa imposição é acatada pelo SPD.

   O candidato que pretende trazer o euro e a Europa para o centro do debate evitou igualmente pronunciar-se sobre projectos de federalização política e acerca das objecções da Alemanha, Holanda e Finlândia à recapitalização de bancos em risco que obrigem a assumir “passivos herdados”.
   Ao MEE só cumpriria assumir dificuldades futuras a partir da sua data de entrada em funcionamento cabendo o resgate de responsabilidades prévias aos respectivos governos nacionais e esta posição tal como o diferendo entre o BCE e o Bundesbank sobre o “Plano de Transacções Monetárias Directas” de Mario Draghi ameaça transformar a artilharia pesada de Frankfurt em mera fisga financeira.

   A falta de credibilidade por ausência de consenso mina eventuais intervenções no mercado primário obrigacionista e a oposição social-democrata não avança com quaisquer alternativas que afrontem as tendências prevalecentes numa Alemanha cada vez mais renitente a assumir responsabilidades por mutualização de dívidas em que venha a sair como grande perdedora.

   Steinbrück não mostra estofo de líder, está muito aquém do seu patrono Helmut Schmidt, e antes aparenta ser um mero reverso da moeda Merkel.

Jornal de Negócios
3 Outubro 2012

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