quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Outra vez a bancarrota





   Os parceiros da eurozona ainda poderão tirar mais um coelho da cartola e evitar a bancarrota imediata da Grécia se financiarem a recompra por Atenas de obrigações do tesouro aos preços correntes no mercado secundário.

  A este financiamento, agregando a contribuição do BCE que prescindiria dos lucros obtidos com obrigações gregas, teria de se juntar uma baixa de juros do programa de assistência.

   De resto, aceitando a troika promessas do governo de Antonis Samaras para redução da despesa pública na ordem dos 13,5 mil milhões de euros e de revisão das leis laborais, seria entregue em Novembro mais uma prestação de 31,5 mil milhões de euros do segundo plano de resgate orçado em 130 mil milhões.

   O alívio será, contudo, de curta duração a exemplo do sucedido em Março com o perdão de dívida pública que custou a investidores privados mais de 100 mil milhões de euros.

   Os privados ficaram com apenas 27% da dívida grega o que implica que BCE e estados europeus tenham de arcar com o grosso do custo da eventual bancarrota helénica.

   A maior reestruturação negociada de sempre não impediu que a Grécia tenha chegado ao final do segundo trimestre com uma dívida pública equivalente a 150,3% do PIB (Portugal – 117,5%).

   O almejado retorno aos mercados internacionais em 2015 é impossível de alcançar e a concessão de mais dois anos para a Grécia cumprir quiméricos objectivos de redução do défice orçamental implica custos de financiamento estimados entre 30 mil milhões de euros, segundo UE e BCE, e 38 mil milhões, de acordo com o FMI.

  A troika avança, ainda, com uma previsão de contracção do PIB superior a 6% este ano e na ordem dos 4% em 2013.

   Com o sexto ano consecutivo de recessão à vista nunca Atenas reduzirá a dívida para 120% do PIB em 2020 e só um perdão por parte dos credores ou financiamento a fundo perdido por tempo indeterminado poderá manter o país na zona euro.

   Os passes de magia financeira não conseguem ademais iludir outra crua realidade: o sistema de clientelismo de estado negociado entre conservadores e socialistas a partir de 1974 faliu e priva a Grécia de consensos políticos para novos programas de austeridade.

   A divulgação da chamada “lista Lagarde”, compreendendo nomes de detentores de contas bancárias na Suíça piratiados por um ex-funcionário do HSBC de Genebra, Hervé Falciani, está agora ao rubro para ilustrar a conivência das elites gregas com esquemas de evasão fiscal e a imoralidade política vigente.

  Ao contrário das autoridades francesas, alemãs, italiana, inglesas e norte-americanas o estado grego não tomou iniciativas para apurar eventuais crimes fiscais depois de no Outono de 2010 a ministra da finanças francesa Christine Lagarde ter entregue ao homólogo George Papaconstantinou a lista de cidadãos gregos constante dos ficheiros de Falciani.

  Papaconstantinou afirmou este mês ante o parlamento de Atenas que a lista data de 2007 e referencia contas no montante de 1,5 mil milhões de euros.

   O ficheiro teria sido entregue ao seu sucessor, o correlegionário socialista Evangelos Venizelos, e, posteriormente, extraviou-se.

   A pedido do ministro das finanças em funções, o tecnocrata de pendor liberal Yannis Stournaras, as autoridades de Paris remeteram a Atenas nova cópia numa altura em diversos responsáveis dos serviços de finanças gregos trocam acusações com actuais e ex-membros do governo sobre a ineficácia da política de combate à evasão fiscal.

   No mês que se fina o enredo tornou-se mais sinistro à volta de uma lista que elenca a alta roda política e empresarial.

   Na cidade grega de Volos enforcou-se um antigo vice-ministro socialista do interior, Leonidas Tzanis, e em Jacarta suicidou-se Vlassis Kambouroglou, um empresário, também nomeado na “lista Lagarde”, e envolvido em escândalos de corrupção na compra de mísseis à Rússia.

   Os milhões desviados à conta dos mísseis de Moscovo são um dos muitos casos a assolar o sector da defesa, uma área de excepção que a pretexto do conflito com a Turquia absorve 4% do PIB grego.

   A par das suspeitas de corrupção na aquisição de submarinos à Alemanha uma catadupata de escândalos de negócios militares levaram à detenção em Abril do ex-ministro socialista da defesa Akis Tsochtzopoulos.

   A divulgação da “lista Lagarde” pela revista Hot Doc, valeu ao seu director Costas Vaxevanis, a instauração de um processo pelo ministério público por violação de dados pessoais e uma breve detenção no domingo.

   A subsequente publicação segunda-feira pelo jornal de maior tiragem do país Ta Nea (As Notícias, diário de centro-esquerda) dos nomes dos 2 059 detentores de contas suíças não levou, no entanto, a novas acções judiciais.

   Parece escapar aos arquitectos dos passes mágicos sobre a bancarrota helénica que outra falência muito maior já se consumou: a deslegitimização política que nas eleições de Junho sagrou a ascensão da extrema-esquerda e extrema-direita cada vez mais capazes de fazerem implodir na próxima ronda a moralmente iníqua, aos olhos de muitos gregos, coligação no poder.

Jornal de Negócios
31 Outubro 2012

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