quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O reverso de Merkel




Berlim, 5 Outubro 2008


   Quatro anos terão passado na sexta-feira sobre o dia em que Angela Merkel e o seu ministro das finanças Peer Steinbrück foram à televisão garantir solenemente os depósitos privados aos alemães temerosos ante as consequências da iminente falência do banco imobiliário Hypo de Munique.

   Ao lado de Merkel o ministro social-democrata na coligação que governou Berlim entre Novembro de 2005 e Outubro de 2009 ganhou galões como um dos responsáveis pela forma como a Alemanha aguentou o choque da crise financeira de 2008/2009.

   Steinbrück é agora o candidato social-democrata à chancelaria para as eleições de Setembro de 2013 com a promessa de formar uma coligação com os Verdes à imagem da aliança que liderou como chefe do governo do maior estado da federação, a Renânia do Norte-Vestefália, entre 2002 e 2005.

   Descartada a hipótese de uma candidatura da actual ministra-presidente da Renânia do Norte-Vestefália, Hannelore Kraft, Steinbrück surgiu como um compromisso entre as diversas tendências social-democratas.

                                 Uma campanha ao centro

   Todas as sondagens apontavam para as fracas possibilidades que teriam frente a Merkel o presidente Sigmar Gabriel ou o líder parlamentar Frank-Walter Steinmeier, cara em 2009 da maior derrota de sempre do SPD em eleições federais quando o partido se quedou por 23% dos votos.

   Steinbrück, conotado com a ala mais à direita do SPD, sobretudo pelo seu apoio à reformas laborais e da segurança social lançadas por Gerard Schröder, a Agenda 2010, é o candidato mais capaz de atrair o eleitorado indeciso e desorientado ante o curso da crise europeia.
  
    Crítico das atitudes timoratas de Merkel que afirma terem agravado a crise do euro e da dívida soberana, Steinbrück, que pretende fazer destas questões a par da justiça social e regulação financeira tema maior de campanha, arranca com más sondagens.

   A chanceler continua a liderar as preferências do eleitorado a título pessoal, enquanto os conservadores se aproximam dos 40% nas intenções de voto, contra menos de 30% para os social-democratas e pouco mais de 10% para os Verdes.
  
   O descalabro dos liberais, na sequência das últimas eleições estaduais, ameaça, contudo, os actuais aliados de Merkel que revelam dificuldade para conseguir superar a barreira dos 5% necessária a representação parlamentar.

    O retomar de uma Grande Coligação entre democratas-cristãos, social-cristãos bávaros e social-democratas é, a prazo, o cenário mais provável.

                                    A finança eleitoral

   Altivo, brusco, sarcástico, Steinbrück é político de escasso tacto diplomático, mas  seus mais recentes cavalos de batalha não irão inviabilizar uma eventual aliança com a direita.
  
  O candidato do SPD, limitado ao cargo de deputado desde 2009, defendeu recentemente a criação pelos bancos alemães de um fundo próprio de resgaste de 200 mil milhões de euros para o sector e a separação da banca de investimento e de retalho na linha de propostas similares nos Estados Unidos (Directiva Volcker), no Reino Unido (Comissão Vickers) e do grupo de trabalho da UE liderado por Erkki Liikanen.

   As dificuldades que a UE enfrenta para definir os termos de regulação e supervisão bancária retiram urgência à questão até à eclosão de algum drama que ameace entidades como o Barclays, o Deutsche Bank, o BNP Paribas, ou o UniCredit e salvo limitações às remunerações de executivos e saneamento dos Landesbanken dificilmente valerá como bandeira eleitoral.
   Steinbrück constata publicamente o imperativo de financiamentos extraordinários à Grécia como mal menor face aos prejuízos que acarretaria a saída de Atenas da zona euro, admite, em princípio, emissões limitadas de obrigações europeias e pugna por maior acento em políticas de crescimento.

                                  De fisga na mão

   Quando toca a precisar as suas posições o candidato social-democrata, acatando a obrigação constitucional de equilíbrio orçamental e crítico do que classifica como keynesianismos obtusos, revela-se, no entanto, tão timorato quanto a rival conservadora.

   O Tribunal Constitucional de Karlsruhe obriga o parlamento a votar eventuais aumentos das responsabilidades assumidas por Berlim no quadro do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) – 190 mil milhões de euros num total de 700 mil milhões de capital mobilizado -- e essa imposição é acatada pelo SPD.

   O candidato que pretende trazer o euro e a Europa para o centro do debate evitou igualmente pronunciar-se sobre projectos de federalização política e acerca das objecções da Alemanha, Holanda e Finlândia à recapitalização de bancos em risco que obrigem a assumir “passivos herdados”.
   Ao MEE só cumpriria assumir dificuldades futuras a partir da sua data de entrada em funcionamento cabendo o resgate de responsabilidades prévias aos respectivos governos nacionais e esta posição tal como o diferendo entre o BCE e o Bundesbank sobre o “Plano de Transacções Monetárias Directas” de Mario Draghi ameaça transformar a artilharia pesada de Frankfurt em mera fisga financeira.

   A falta de credibilidade por ausência de consenso mina eventuais intervenções no mercado primário obrigacionista e a oposição social-democrata não avança com quaisquer alternativas que afrontem as tendências prevalecentes numa Alemanha cada vez mais renitente a assumir responsabilidades por mutualização de dívidas em que venha a sair como grande perdedora.

   Steinbrück não mostra estofo de líder, está muito aquém do seu patrono Helmut Schmidt, e antes aparenta ser um mero reverso da moeda Merkel.

Jornal de Negócios
3 Outubro 2012

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