quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Un grosso vafancullo




Il male viene a cavallo e se ne va a piedi

   Mario Draghi vai ter de cumprir a promessa de recorrer à artilharia pesada para evitar que os juros da dívida soberana da Itália atinjam níveis insustentáveis provocando uma crise generalizada na eurozona.

   A intervenção do BCE terá de, numa primeira fase, prolongar-se até às eleições de Setembro na Alemanha que poderão, eventualmente, gerar uma dinâmica de reorientação de estratégias financeiras e económicas.

   Do novo parlamento de Roma apenas se pode esperar a eleição do sucessor do presidente Giorgio Napolitano, cujo septenato termina em Maio, e a revisão num sentido de maior proporcionalidade da lei eleitoral da porcalhata (”una porcata” como a definiu o próprio ministro responsável pela reforma, Roberto Calderoli) aprovada por Silvio Berlusconi e seus aliados em Dezembro de 2005.

   Nenhuma coligação consistente é possível e a ausência de apoios sociais e políticos para dar continuidade às medidas de contenção financeira tomadas pelo executivo de Mario Monti desde o final de 2011 irá, com grande probabilidade, agravar o previsto recuo do PIB em 1% este ano após uma quebra de 2,2% em 2012.

  É de descartar, igualmente, a recuperação da capacidade competitiva da terceira maior economia da eurozona que em índices globais como o do World Economic Forum, compreendendo 144 países, coloca a Itália na 42ª posição – pior do que a Espanha 36º e melhor do que Portugal 49º.

  A pressão fiscal -- que tem garantido saldos primários orçamentais positivos, rondando uma média anual de 4% nas últimas duas décadas (3,6% em 2012) -- tenderá a agravar-se dado o volume da dívida pública (200 triliões de euros / 128% do PIB) e continuará a estimular a economia paralela.

   Com um parlamento sob ameaça de rápida dissolução reforçam-se as condições para um aumento da economia in nero que deverá movimentar actualmente entre 247 mil milhões a 540 mil milhões de euros (1/3 do PIB oficial), acrescendo ainda para cima de 200 mil milhões gerados pelas actividades criminosas da Cosa Nostra siciliana, da Camorra napolitana, da 'Ndrangheta calabresa e da Sacra Corona Unita da Apúlia.

What a performance! – Patrick Chappatte
Patrick Chappatte
International Herald Tribune

                          Nem Monti, nem austeridade

   Após cinco trimestres de recessão o consumo registara no final da governação Monti uma quebra de 5%, o desemprego estava em 11% (37% entre os jovens), prevendo-se uma subida até aos 14% em 2014, e contestação ao Monti-tedesco estava em alta.

   Os inquéritos sociológicos constatavam no final de 2012 níveis inauditos de repúdio pela “degradação moral da política e a corrupção”, desconfiança generalizada ante o parlamento e o executivo, dificilmente capitalizáveis pela timorata coligação de centro-esquerda de Pier Luigi Bersani face à demagogia desabrida do centro-direita liderado por Berlusconi.

   Durante a campanha eleitoral eclodiram novos escândalos envolvendo o vetusto Monte dei Paschi dei Sienna, a holding da aeronáutica e defesa Finmeccanica e a petrolífera ENI.

   A enxurrada engrossou o maremoto prometido pelo populista Beppe Grillo, líder intratável da anti-política italiana, com laivos de democracia directa, anti-elitismo e pendor ecologista.

   O Movimento 5 Stelle vinha prometendo un grosso vafancullo desde a sua fundação em 2009 na sequência das primeiras manifestações populares, dinamizadas através da internet, contra a corrupção dos políticos que o comediante genovês incentivara em 2007.

   Rejeitando o euro, carregando na tecla do anti-americanismo, opondo-se à concessão da nacionalidade italiana para filhos de emigrantes nascidos na península, Grillo é um demagogo que desde as eleições regionais de 2010 tem trazido para a esfera dos poderes legislativo e administrativo uma míriade de descontentes.

   É cedo para dizer se no seio do heteróclito movimento de protesto de Grillo poderá surgir alguma metamorfose significativa com aspirações de poder, mas a curto prazo, considerando as previsíveis novas eleições, o Movimento 5 Stelle será um factor de grande perturbação nos equilíbrios partidários tradicionais.

                                Uma crise diferente

   A Itália já passou por complexas reorganizações das constelações partidárias depois de os escândalos dos anos 90 e o esgotamento comunista levaram ao passamento de entidades históricas como a Democracia Cristã, o Partido Comunista e o Partido Socialista.


Berlusconi back from the dead – Dave Brown
  
David Brown
The Independent


  A irrupção de Berlusconi marcou nessa década o apogeu da política-espectáculo altamente pessoalizada e assente numa intrincada manipulação mediática, administrativa e legislativa a favor de interesses empresariais, mas manteve a lógica das tradicionais oposições direita-esquerda do pós-guerra.

  Movimentos regionalistas como a Lega Nord não puseram em causa a lógica do sistema que conseguiu absorver essa contestação tal como tivera sucesso ao reprimir a subversão de extrema-esquerda e extrema-direita que atormentara a Itália dos anos 60 ao final da década de 80.

  Este Fevereiro traz contudo um novo trago amargo com a ascensão de um movimento anti-sistema político com forte apoio popular que impede a formação de coligações capazes de amenizarem ou apresentarem políticas face a uma imensa crise económica, financeira, social e ideológica.

  Reza o provérbio que a crise célere a chegar não será lesta a partir.

Jornal de Negócios

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O pecaminoso banco da Torre Nicolau V




   Desde que Michele Sindona se associou, no final dos anos 60, ao Istituto Per Le Opere Di Religione (IPOR) para lavar os lucros do tráfico de heroína da família Gambino, o Vaticano nunca mais se livrou de fundadas suspeitas sobre o banco da Torre Nicolau V.

   O escândalo da falência do Banco Ambrosiano, onde o IPOR se relevou em toda a sua podridão, teve um grand finale mafioso com a descoberta a 17 de Junho de 1982 do cadáver de Roberto Calvi, bolsos atulhados de dinheiro, a baloiçar sob uma ponte de Londres.

   Décadas volvidas, o conflito em 2010 com as autoridades italianas sobre transferências ilícitas obrigou o JPMorgan Chase a cortar vínculos com a instituição financeira da Santa Sé e levou Bento XVI a criar uma entidade para “prevenir e combater a reciclagem de lucros de actividades criminosas e o financiamento do terrorismo”.

   A Autorità de Informazione Finanziaria, presidida pelo suíço René Brülhart, passou a supervisionar desde o início de 2011 o IPOR e a Administração do Património da Santa Sé, com o objectivo de compatibilizar as práticas da Igreja com as normas de transparência financeira exigidas pela OCDE.

   Em Fevereiro de 2011 o secretário de estado, Cardeal Tarcisio Bertone, solicitou a supervisão do MONEYVAL, o organismo do Conselho da Europa para combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

   Um inquérito realizado em Novembro de 2001 e aprovado em Julho de 2012 pelo Conselho da Europa constatou uma “recente melhoria” nas práticas das duas instituições do Vaticano e destacou a necessidade de implementar mais medidas substanciais para um “regime efectivo” de transparência financeira.



   O Banco Central de Roma proibiu, entretanto, no final do ano passado o Deutsche Bank Italia de efectuar pagamentos electrónicos na Santa Sé por falta de conformidade do Vaticano com as directivas da União Europeia de combate à lavagem de dinheiro.

  Os pagamentos electrónicos nos museus, correios, farmácia e outros serviços do Vaticano só foram restabelecidos este mês através da empresa suíça Aduno.

   Uma guerra surda redundou, dois meses antes da aprovação pelo Conselho da Europa do inquérito do MONEYVAL, na demissão de Ettore Tedeschi.

   O seguidor do Opus Dei e alto quadro do grupo Santander, presidente do IPOR desde Setembro de 2009, foi afastado pela comissão de supervisão presidida por Bertone por falhar no cumprimento de “funções de primeira importância” e “irregularidades na sua gestão”.

   O economista, banqueiro e professor de ética, próximo de Bento XVI, viu-se ainda acusado de desvio de documentos e no mês seguinte os carabinieri no âmbito de uma investigação sobre corrupção que não envolve o Vaticano, confiscaram 47 arquivadores na posse de Tedeschi com documentos relativos a operações financeiras da Igreja.

   No final de Maio Paolo Gabrieli, mordomo de Bento XVI, era, por sua vez, detido por envolvimento na divulgação de documentos alegadamente comprometedores para o cardeal Bertone acusado de incúria e desmandos administrativos.

   Nas Vatileaks, orquestradas por um grupo não-identificado de altos responsáveis da Igreja, figurava com destaque uma missiva pessoal datada de Março de 2011 do secretário do Governatorato dello Stato Città del Vaticano, orgão do poder executivo, arcebispo Carlo Maria Viganò, a Bento XVI denunciando “corrupção e abuso de funções”.

  Em Agosto Viganò, que viu reconhecida pelo Vaticano a veracidade da carta a Bento XVI, foi afastado do cargo por Bertone que o enviou em Outubro como núncio para os Estados Unidos.

   A luta pelo controlo dos recursos financeiros do Vaticano em que o IPOR -- que contava com activos de 6,3 mil milhões de euros e 33 404 contas no final de Novembro de 2011 – assume papel crucial conheceram outra reviravolta quatro dias após a renúncia de Bento XVI.

   A 15 de Fevereiro, numa marcação de terreno de contornos pouco claros e inopinada ao iniciar-se o processo de eleição do novo papa, os cardeais supervisores do IPOR davam por concluído o processo de selecção do novo presidente do banco e anunciavam a nomeação de Ernst von Freyberg.

   O empresário e gestor alemão veio assim para a ribalta numa luta que envolve Bertone, o seu antecessor Angelo Sodano, actual decano do Colégio de Cardeais, a cúria romana, interesses das igrejas nacionais, além de negócios licítos e ilícitos associados ao universo das instituições católicas.

   O papa alemão orquestrou os primeiros passos significativos para a regeneração do banco da Torre Nicolau V, malquisto e pecaminoso por acções e omissões desde a sua fundação em 1942 por Pio XII.

   Bento XVI, contudo, não conseguiu impor em tempo útil novas regras de funcionamento ao IPOR numa altura em que a Igreja sofre uma hemorragia financeira.

   Nos Estados Unidos -- principal fonte de receitas da Igreja a nível global -- 3,3 mil milhões de dólares foram pagos em indemnizações por abusos sexuais do clero desde os anos 90 e nos demais centros tradicionais de pujança financeira -- Alemanha, Itália e França – a diminuição de fiéis traduz-se numa significativa redução de recursos.

   O banco da Torre Nicolau V é uma das instituições que, por obrigação das suas transacções internacionais, terá de romper com os trâmites tradicionais da monarquia absoluta do Vaticano.

  O dinheiro é um dos nervos do poder e o rumo que o IPOR seguir nos próximos tempos muito irá revelar acerca dos destinos da Igreja Católica.

Jornal de Negócios

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

007 por controlo remoto





   Uma arrepiante carência de controlos institucionais caracteriza a condução de operações militares anti-terroristas nos Estados Unidos, conforme ficou patente na audiência no Senado para confirmação do novo director da CIA John Brennan.

   Obama expandiu o programa de ataques com Veículos Aéreos Não-Tripulados (VANT) lançado pela administração Bush, deixando à discrição dos comandos militares e da CIA o assassínio de suspeitos terroristas no estrangeiro na condição de minizarem o mais possível danos colaterais.

   O parecer de justificação legal da Casa Branca do “assassínio selectivo” em Setembro de 2011 de Anwar Al Awlaki, nascido no Novo México e um dos principais operacionais da Al Qaeda no Iémen, alarga desmesuradamente as condições em que pode ser dada “ordem para matar”.

   Mesmo no caso de cidadãos norte-americanos a eliminação física de “líderes operacionais” da Al Qaeda ou organizações associadas só é constrangida pelo tradicional imperativo da proporcionalidade na guerra, ou seja, pela obrigação de restringir ao máximo o número de vítimas civis tidas por inocentes.

   O “assassínio selectivo” com recurso a VANT justifica-se, segundo o parecer do Departamento de Justiça de Washington divulgado este mês, por os alegados terroristas constituirem um permanente perigo iminente dada a sua incessante actividade conspiratória.

   A “não-viabilidade” de captura dos suspeitos -- por dificuldades operacionais, diplomáticas ou outras razões não-especificadas – é definida igualmente por “funcionários de alto nível devidamente informados”.

   Nestas condições haverá luz verde para a pronta eliminação de terroristas.

   Além da lista de pessoas a abater autorizada pelo presidente, todos os suspeitos de associação ideológica ou operacional, pontual ou sistemática, a organizações terroristas anti-norte-americanas podem vir a ser considerados para “assassínio selectivo”.

   As Comissões do Congresso com poderes para supervisionar as forças armadas e os serviços de informação deram a maior liberdade de acção aos responsáveis por acções anti-terroristas no estrangeiro que a opinião pública aprova por larga maioria, apesar da oposição aumentar no caso de se tratar de cidadãos norte-americanos.

   A mortandade entre as populações civis provocada pela utilização letal de VANT é subavaliada pelos responsáveis militares e da CIA que consideram terroristas, até prova em contrário, todos os homens em idade combatente que se encontrem em contacto com suspeitos sob mira ou na área restrita alvo de ataque.

   A New America Foundation contabilizou 350 ataques no Paquistão entre 2004 e a primeira semana deste mês que teriam provocado 1 956 a 2 649 mortes. As vítimas civis neste balanço representariam18% a 23%.

  Uma investigação de The Bureau of Investigative Journalism, referenciado pelo projecto Living Under Drones das Faculdades de Direito de Stanford e Nova Iorque, estima, por sua vez, o número de mortes no Paquistão de Junho 2004 a meados de Setembro do ano passado entre 2 562 a 3 325. Os dados disponíveis ao público apontam para 474 a 881 mortes de civis.

  No caso do Paquistão os ataques de VANT contribuiram para dizimar a liderança da Al Qaeda, provocaram baixas de vulto entre chefes taliban, mas devido aos elevados custos colaterais encolarizaram ainda mais populações altamente motivadas pelo ódio aos Estados Unidos.

  O uso letal, fácil e expedito, de VANT noutros países como o Afeganistão, Iémen ou Somália – evitando arriscar unidades de forças especiais – tranformou-se num expediente táctico cada vez mais frequente e com tendência a alastrar -- agora o Mali, amanhã a Síria – apesar dos elevadíssimos riscos de alienar populações civis, dificultar a recolha de informação por espiões no terreno, e provocar cismas com putativos aliados políticos e militares.

  O “assassínio selectivo” por controlo remoto no estrangeiro de suspeitos definidos por vezes em função de padrões comportamentais ou associações pessoais e de parentesco passíveis de suscitar a suspeita de intenção terrorista é altamente controverso de um ponto de vista legal.

  O cunho sistemático desta prática vai acarretar complicações desmesuradas à medida que outros estados e entidades não-estatais venham a dispor de meios técnicos para recorrer aos mesmos expedientes.

  Os Estados Unidos à escala planetária, Israel na sua vizinhança e Moscovo no norte do Cáucaso, estão a estabelecer precendentes perniciosos na utilização letal de VANT.

Jornal de Negócios

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A corrupção do vizinho

 

   “É na cadeia que se fazem os melhores negócios”, assevera uma personagem de “Todos a la cárcel” de Luis García-Berlanga, e se tal máxima pode surpreender é notório que o amoralismo generalizado retratado pelo cineasta valenciano continua a levar tudo de vencida em Espanha.

   No filme de 1993 o realizador do clássico “Bienvenido, Mr. Marshall” satirizava taras danadas do pós-franquismo destinadas a medrar de tal forma que duas décadas volvidas atingiram um paroxismo capaz de pôr em causa a viabilidade do sistema político.

   No cadastro de políticos conservadores, socialistas, nacionalistas e regionalistas da monarquia dos Borbón abundam casos extremos de corrupção institucional, com correlativos proveitos privados, que frequentemente passaram impunes na justiça, escapando ainda a penalizações eleitorais.

   O presidente do Supremo Tribunal, Carlos Dívar, e o genro do rei, Iñaki Urdangarin, encontram-se entre os mais recentes condenados à danação pública, juntando-se a reputados malfeitores como o antigo director da Guardia Civil Luis Roldán, o governador do Banco de Espanha Mariano Rubio ou o banqueiro Mario Conde.

  Do financiamento ao terrorismo de estado, como sucedeu com os Grupos Antiterroristas de Liberación criados nos anos 80 pelo governo do PSOE, ao envolvimento de sindicatos em fraudes com fundos europeus para formação, passando pelos crimes de empresários de alto coturno e baixa valia, a corrupção institucional, económica e financeira é omnipresente.

   Os escândalos de financiamento ilegal que assolam o Partido Popular são conformes a um padrão costumeiro, mas, numa conjuntura de acentuada crise económica e social, geraram uma reacção de repúdio que pela primeira vez resulta em sondagens sobre intenção de voto relegando os dois principais partidos para níveis de apoio abaixo dos 25%.

   As próximas eleições legislativas só terão lugar, em princípio, em 2015, mas se se mantiver uma quebra acentuada no apoio a conservadores e socialistas a formação de coligações tornar-se-á muito mais difícil do que as negociadas por Felipe Gonzaléz em 1993, José Maria Aznar em 1996 e José Luis Zapatero em 2004 e 2008.

   Uma maior pulverização político-governativa -- independentemente de se manterem as actuais apreciações negativas, superiores a 90%, sobre conivências dos partidos com esquemas e actos de corrupção – de pouco valerá para obviar às taras sistémicas.

   Uma economia paralela rondando os 25% do PIB, a que acrescem actividades criminosas com dimensão internacional por via de tráficos com África e América Latina e a presença de redes mafiosas russas e chinesas, marcam desde logo Espanha como um estado com elevada fuga fiscal, ilicitudes administrativas e deliquência económico-financeira.

   A proliferação de poderes autonómicos e municipais -- com receitas insuficientes face às despesas e dependentes de transferências do poder central –, responsáveis pela criação de empresas maioritariamente deficitárias, contribuiu fortemente para disseminar a corrupção.

   Os partidos apropriaram-se do controlo de fontes de crédito -- caso das Cajas -- ou de potencial propaganda -- as cadeias televisivas emitindo nas 17 comunidades autónomas – e cobraram comissões na atribuição de concessões de serviços.

   O financiamento ilícito partidário -- que simultaneamente porprocionou luxos, influência e prestígio às pessoas envolvidas – aproveitou, em particular, legislação propositadamente dúbia ou omissa para obter rendas dos investimentos no sector imobiliário, cimentando uma rede de nepotismo e corrupção essencial a interesses privados e à preservação dos poderes políticos.

  A ordem constitucional estabelecida em 1978 gerou o efeito preverso de substituir as estrutruras tradicionais de patrocínio do franquismo por uma multiplicidade de centros de decisão e negociação de interesses que, sem contrapeso em controlos judiciais e livre de significativa condenação social, alimentaram a corrupção desenvolvimentista.

  Detentores do poder político-administrativo formaram blocos de interesses com investidores privados em municípios, regiões e a nível nacional, dissiparam fundos europeus em projectos inviáveis, sendo os custos sociais e ambientais e eventuais perdas assumidas pelo estado e contribuintes.

   A corrupção desenvolvimentista espanhola vicejou durante a crise de 1992-95 e os seus efeitos perversos, por via sobretudo do endividamento excessivo, só começaram a prejudicar seriamente estratos cada vez mais vastos da população, a partir de 2008.

   Presentemente, os níveis de corrupção político-administrativa revelam-se intoleráveis até porque, como diria uma personagem de “Todos a la cárcel”, é insuportável qualquer “maldito banqueiro” que recuse um empréstimo.



Jornal de Negócios
6 Fevereiro de 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/a_corrupcao_do_vizinho.html

Picolé de chuchu vai à luta

  
   Um choque de capitalismo. Eficiência de «ponta a ponta» eis a promessa de Geraldo Alckmin, o candidato do Partido da Social-Democracia Brasileira às eleições presidenciais de Outubro.

  O governador de São Paulo, tem 53 anos, menos sete do que Lula, é médico anestesista e anda na política desde 1972. Há seis anos que governa o coração financeiro e industrial do Brasil, depois de herdar o manto do seu inspirador Mário Covas.

   Resignou-se à alcunha de picolé de chuchu, que é como quem diz cara ameno, mas insonso, incolor e inodoro, contudo seria um erro subestimá-lo e Lula, que por alturas do Mundial de Futebol anunciará a recandidatura, está de olho nele.

  O estado de São Paulo com 22 por cento da população do Brasil gera 40 por cento da riqueza nacional e sob a liderança de Alckmin registou um crescimento anual de sete e meio por cento, bem acima da média nacional que orça nuns frouxos 2,6 por cento.

  O governador Alckmin goza de uma elevada taxa de aprovação pelo trabalho desenvolvido em São Paulo, 69 por cento nas últimas sondagens, mas tem fraca projecção fora do estado, ainda que depois do anúncio da candidatura na semana passada tenha registado um ligeiro aumento nas intenções de voto.

  Uma sondagem da Datafolha dava 23 por cento das intenções de voto ao tucano, contra 42 por cento para Lula, enquanto a eventual candidatura do populista ex-governador carioca Anthony Garotinho pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro se quedaria pelos 12 por cento. O presidente trabalhista venceria a segunda volta com 50 por cento contra 38 por cento de Alckmin.

  O índice de rejeição de Alckmin é baixo - apenas 16 por cento, comparado a 33 por cento de inquiridos que recusam votar Lula -, mas tal deve-se ao fraco reconhecimento da sua pessoa por parte do eleitorado, sobretudo no Nordeste que com os seus 40 milhões de votantes (27 por cento do total) é, presentemente, aposta ganha para o presidente. 

  Alckmin prometeu batalhar sem tréguas contra o que chama a onda de corrupção do governo Lula, argumentando que o Brasil tem pressa de crescimento do emprego, pressa de aumento do rendimento.

  A tarefa é complicada porque Lula conseguiu escapar à sujeira do mensalão e dos escândalos de corrupção que mancharam o Partido dos Trabalhadores. Mas foi-se a alegada superioridade moral do PT em terra de piranhas que devoram até ao osso o erário público.

   Lula defendeu-se dizendo sempre que não sabia de nada, emagreceu 14 quilos e anda em pré-campanha sem ter ainda cedido às tentações despesistas que propõem alguns dos membros do seu governo e o Partido dos Trabalhadores em peso contra a vontade do fragilizado ministro das finanças António Palocci.

  Certo é que Lula manteve a ponderada política económica e financeira do antecessor, o social-democrata Fernando Henrique Cardoso.

   Conta, presentemente, com uma taxa de aprovação da política governamental de 38 por cento, mas joga a reeleição com dois trunfos fortes: o programa Bolsa Família com subsídios a 8 milhões e 700 mil de pobres e aumentos salariais e de pensões.

  Por atacado um quinto dos brasileiros mais pobres beneficia das iniciativas governamentais. A miséria tem vindo a diminuir lentamente apesar de um quarto dos 186 milhões de brasileiros subsistir abaixo da linha de pobreza. Mais de três milhões de empregos foram criados nos últimos dois anos.

   No lado mau as taxas de juro estão muito altas, a 11 por cento, e o défice orçamental ressente-se com tanta despesa pública.

   Face a este panorama Alckmin propagandeia reforma fiscal e promete dar prioridade a acordos bilaterais para promoção do livre comércio, mas além da imagem de competente e eficaz terá de descobrir maneira de ganhar o voto do pobre para não se quedar pelo apoio das classes médias mais politizadas nos estados mais urbanizados e desenvolvidos.

  Vai ter mesmo de fugir à alcunha de picolé de chuchu.

  Alckmin com toda a imensa razão que tenha em matéria de moral e nas tiradas contra a corrupção do Partido dos Trabalhadores sabe que a verdade é triste e singular: moral não enche a barriga do pobre.

Jornal de Negócios
23 Março 2006

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/picole_de_chuchu_vai_a_luta.html