quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O pecaminoso banco da Torre Nicolau V




   Desde que Michele Sindona se associou, no final dos anos 60, ao Istituto Per Le Opere Di Religione (IPOR) para lavar os lucros do tráfico de heroína da família Gambino, o Vaticano nunca mais se livrou de fundadas suspeitas sobre o banco da Torre Nicolau V.

   O escândalo da falência do Banco Ambrosiano, onde o IPOR se relevou em toda a sua podridão, teve um grand finale mafioso com a descoberta a 17 de Junho de 1982 do cadáver de Roberto Calvi, bolsos atulhados de dinheiro, a baloiçar sob uma ponte de Londres.

   Décadas volvidas, o conflito em 2010 com as autoridades italianas sobre transferências ilícitas obrigou o JPMorgan Chase a cortar vínculos com a instituição financeira da Santa Sé e levou Bento XVI a criar uma entidade para “prevenir e combater a reciclagem de lucros de actividades criminosas e o financiamento do terrorismo”.

   A Autorità de Informazione Finanziaria, presidida pelo suíço René Brülhart, passou a supervisionar desde o início de 2011 o IPOR e a Administração do Património da Santa Sé, com o objectivo de compatibilizar as práticas da Igreja com as normas de transparência financeira exigidas pela OCDE.

   Em Fevereiro de 2011 o secretário de estado, Cardeal Tarcisio Bertone, solicitou a supervisão do MONEYVAL, o organismo do Conselho da Europa para combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

   Um inquérito realizado em Novembro de 2001 e aprovado em Julho de 2012 pelo Conselho da Europa constatou uma “recente melhoria” nas práticas das duas instituições do Vaticano e destacou a necessidade de implementar mais medidas substanciais para um “regime efectivo” de transparência financeira.



   O Banco Central de Roma proibiu, entretanto, no final do ano passado o Deutsche Bank Italia de efectuar pagamentos electrónicos na Santa Sé por falta de conformidade do Vaticano com as directivas da União Europeia de combate à lavagem de dinheiro.

  Os pagamentos electrónicos nos museus, correios, farmácia e outros serviços do Vaticano só foram restabelecidos este mês através da empresa suíça Aduno.

   Uma guerra surda redundou, dois meses antes da aprovação pelo Conselho da Europa do inquérito do MONEYVAL, na demissão de Ettore Tedeschi.

   O seguidor do Opus Dei e alto quadro do grupo Santander, presidente do IPOR desde Setembro de 2009, foi afastado pela comissão de supervisão presidida por Bertone por falhar no cumprimento de “funções de primeira importância” e “irregularidades na sua gestão”.

   O economista, banqueiro e professor de ética, próximo de Bento XVI, viu-se ainda acusado de desvio de documentos e no mês seguinte os carabinieri no âmbito de uma investigação sobre corrupção que não envolve o Vaticano, confiscaram 47 arquivadores na posse de Tedeschi com documentos relativos a operações financeiras da Igreja.

   No final de Maio Paolo Gabrieli, mordomo de Bento XVI, era, por sua vez, detido por envolvimento na divulgação de documentos alegadamente comprometedores para o cardeal Bertone acusado de incúria e desmandos administrativos.

   Nas Vatileaks, orquestradas por um grupo não-identificado de altos responsáveis da Igreja, figurava com destaque uma missiva pessoal datada de Março de 2011 do secretário do Governatorato dello Stato Città del Vaticano, orgão do poder executivo, arcebispo Carlo Maria Viganò, a Bento XVI denunciando “corrupção e abuso de funções”.

  Em Agosto Viganò, que viu reconhecida pelo Vaticano a veracidade da carta a Bento XVI, foi afastado do cargo por Bertone que o enviou em Outubro como núncio para os Estados Unidos.

   A luta pelo controlo dos recursos financeiros do Vaticano em que o IPOR -- que contava com activos de 6,3 mil milhões de euros e 33 404 contas no final de Novembro de 2011 – assume papel crucial conheceram outra reviravolta quatro dias após a renúncia de Bento XVI.

   A 15 de Fevereiro, numa marcação de terreno de contornos pouco claros e inopinada ao iniciar-se o processo de eleição do novo papa, os cardeais supervisores do IPOR davam por concluído o processo de selecção do novo presidente do banco e anunciavam a nomeação de Ernst von Freyberg.

   O empresário e gestor alemão veio assim para a ribalta numa luta que envolve Bertone, o seu antecessor Angelo Sodano, actual decano do Colégio de Cardeais, a cúria romana, interesses das igrejas nacionais, além de negócios licítos e ilícitos associados ao universo das instituições católicas.

   O papa alemão orquestrou os primeiros passos significativos para a regeneração do banco da Torre Nicolau V, malquisto e pecaminoso por acções e omissões desde a sua fundação em 1942 por Pio XII.

   Bento XVI, contudo, não conseguiu impor em tempo útil novas regras de funcionamento ao IPOR numa altura em que a Igreja sofre uma hemorragia financeira.

   Nos Estados Unidos -- principal fonte de receitas da Igreja a nível global -- 3,3 mil milhões de dólares foram pagos em indemnizações por abusos sexuais do clero desde os anos 90 e nos demais centros tradicionais de pujança financeira -- Alemanha, Itália e França – a diminuição de fiéis traduz-se numa significativa redução de recursos.

   O banco da Torre Nicolau V é uma das instituições que, por obrigação das suas transacções internacionais, terá de romper com os trâmites tradicionais da monarquia absoluta do Vaticano.

  O dinheiro é um dos nervos do poder e o rumo que o IPOR seguir nos próximos tempos muito irá revelar acerca dos destinos da Igreja Católica.

Jornal de Negócios

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