quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A corrupção do vizinho

 

   “É na cadeia que se fazem os melhores negócios”, assevera uma personagem de “Todos a la cárcel” de Luis García-Berlanga, e se tal máxima pode surpreender é notório que o amoralismo generalizado retratado pelo cineasta valenciano continua a levar tudo de vencida em Espanha.

   No filme de 1993 o realizador do clássico “Bienvenido, Mr. Marshall” satirizava taras danadas do pós-franquismo destinadas a medrar de tal forma que duas décadas volvidas atingiram um paroxismo capaz de pôr em causa a viabilidade do sistema político.

   No cadastro de políticos conservadores, socialistas, nacionalistas e regionalistas da monarquia dos Borbón abundam casos extremos de corrupção institucional, com correlativos proveitos privados, que frequentemente passaram impunes na justiça, escapando ainda a penalizações eleitorais.

   O presidente do Supremo Tribunal, Carlos Dívar, e o genro do rei, Iñaki Urdangarin, encontram-se entre os mais recentes condenados à danação pública, juntando-se a reputados malfeitores como o antigo director da Guardia Civil Luis Roldán, o governador do Banco de Espanha Mariano Rubio ou o banqueiro Mario Conde.

  Do financiamento ao terrorismo de estado, como sucedeu com os Grupos Antiterroristas de Liberación criados nos anos 80 pelo governo do PSOE, ao envolvimento de sindicatos em fraudes com fundos europeus para formação, passando pelos crimes de empresários de alto coturno e baixa valia, a corrupção institucional, económica e financeira é omnipresente.

   Os escândalos de financiamento ilegal que assolam o Partido Popular são conformes a um padrão costumeiro, mas, numa conjuntura de acentuada crise económica e social, geraram uma reacção de repúdio que pela primeira vez resulta em sondagens sobre intenção de voto relegando os dois principais partidos para níveis de apoio abaixo dos 25%.

   As próximas eleições legislativas só terão lugar, em princípio, em 2015, mas se se mantiver uma quebra acentuada no apoio a conservadores e socialistas a formação de coligações tornar-se-á muito mais difícil do que as negociadas por Felipe Gonzaléz em 1993, José Maria Aznar em 1996 e José Luis Zapatero em 2004 e 2008.

   Uma maior pulverização político-governativa -- independentemente de se manterem as actuais apreciações negativas, superiores a 90%, sobre conivências dos partidos com esquemas e actos de corrupção – de pouco valerá para obviar às taras sistémicas.

   Uma economia paralela rondando os 25% do PIB, a que acrescem actividades criminosas com dimensão internacional por via de tráficos com África e América Latina e a presença de redes mafiosas russas e chinesas, marcam desde logo Espanha como um estado com elevada fuga fiscal, ilicitudes administrativas e deliquência económico-financeira.

   A proliferação de poderes autonómicos e municipais -- com receitas insuficientes face às despesas e dependentes de transferências do poder central –, responsáveis pela criação de empresas maioritariamente deficitárias, contribuiu fortemente para disseminar a corrupção.

   Os partidos apropriaram-se do controlo de fontes de crédito -- caso das Cajas -- ou de potencial propaganda -- as cadeias televisivas emitindo nas 17 comunidades autónomas – e cobraram comissões na atribuição de concessões de serviços.

   O financiamento ilícito partidário -- que simultaneamente porprocionou luxos, influência e prestígio às pessoas envolvidas – aproveitou, em particular, legislação propositadamente dúbia ou omissa para obter rendas dos investimentos no sector imobiliário, cimentando uma rede de nepotismo e corrupção essencial a interesses privados e à preservação dos poderes políticos.

  A ordem constitucional estabelecida em 1978 gerou o efeito preverso de substituir as estrutruras tradicionais de patrocínio do franquismo por uma multiplicidade de centros de decisão e negociação de interesses que, sem contrapeso em controlos judiciais e livre de significativa condenação social, alimentaram a corrupção desenvolvimentista.

  Detentores do poder político-administrativo formaram blocos de interesses com investidores privados em municípios, regiões e a nível nacional, dissiparam fundos europeus em projectos inviáveis, sendo os custos sociais e ambientais e eventuais perdas assumidas pelo estado e contribuintes.

   A corrupção desenvolvimentista espanhola vicejou durante a crise de 1992-95 e os seus efeitos perversos, por via sobretudo do endividamento excessivo, só começaram a prejudicar seriamente estratos cada vez mais vastos da população, a partir de 2008.

   Presentemente, os níveis de corrupção político-administrativa revelam-se intoleráveis até porque, como diria uma personagem de “Todos a la cárcel”, é insuportável qualquer “maldito banqueiro” que recuse um empréstimo.



Jornal de Negócios
6 Fevereiro de 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/a_corrupcao_do_vizinho.html

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