sexta-feira, 28 de junho de 2013

Dilma e o crime hediondo



   À imagem de Lula da Silva, quando em 2006 viu ameaçada a reeleição pelo escândalo do "Mensalão", Dilma Rousseff vem a um ano das presidenciais propor a convocação de um "plebiscito popular" para reformar o sistema político.

   A presidente, procurando o apoio de governadores e prefeitos de capitais, adiantou, em linguagem pouco precisa, que a consulta visaria autorizar "um processo constituinte específico".

   Só o Congresso pode convocar um plebiscito e, desde logo, Dilma está cativa dos aliados do "Partido do Movimento Democrático Brasileiro", nomeadamente do seu vice-presidente Michel Temer e dos líderes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Henrique Alves.

  A oposição, em especial o "Partido da Social Democracia Brasileira", os "Democratas" e a "Mobilização Democrática", criticam Dilma por pretender usurpar competências do Congresso e acusam a presidente de demagogia ao avançar com pactos de regime em áreas económicas, sociais e de justiça sem prévia discussão.

   A reforma reentrou no debate oficialista e oposicionista a partir do momento em que manifestações em São Paulo a 13 de Junho contra aumentos de tarifas de transporte (área de tutela estadual) foram reprimidas de forma torpe e brutal pela polícia e se agigantaram num amorfo e incoerente movimento de constestação à política e aos partidos.

                          Antes que o verme roa as frias carnes

   Expectativas defraudadas da emergente classe média e temores que restrições orçamentais motivadas pela contracção do crescimento económico e alta inflacionária – em particular o défice orçamental equivalente a 2,9% do PIB e uma inflação acima dos 6,5% definidos como tecto para 2013 pelo Banco Central – contam-se entre os motivos difusos que alimentam os protestos.

  A injustiça social que deficientes, medíocres ou péssimos serviços públicos, em particular transportes e saúde, e a elevada carga fiscal (36% do PIB) representam numa altura em que o Brasil aposta em desmesurados investimentos de prestígio pelo Mundial de Futebol e os Jogos Olímpicos ficaram a claro num momento preciso e muito tradicional do calendário político usado para aumentos de tarifas: um ano após as eleições municipais e locais e um ano antes das presidenciais.

  A velha tradição despudorada do paulista Ademar de Barros, que vicejou corrupto dos anos 30 até ao advento da ditadura militar na década de 60, do "rouba, mas faz", já quadra mal.

  A corrupção implica que o que se faz, faz-se mal e muito mais caro à conta do erário público.

  A evidência surge no descontrolo orçamental das obras para o Mundial de Futebol em que materiais de segunda ordem, mão-de-obra desqualificada, estudos mal concebidos, e favorecimentos pessoais e empresariais, carregam uma factura já de si excessiva e injustificada ante as assimetrias sociais do Brasil.

                                      A magna corrupção

  Face a uma questão, ignorada por muitos, apesar de alertas diversos (vide nesta coluna; por exemplo: "Dilma e o rodízio de ministros, 2 de Novembro de 2011) surgem facções do "Partido dos Trabalhadores", incluindo sectores apostados na governamentalização do Ministério Público, a aplaudir a proposta da presidente em tipicar a corrupção com dolo, sob forma consumada ou tentada, em "crime hediondo", tal como sucede com o homicídio, o genocídio ou o estrupo.

   A corrupção é mais do que crime de peculiar gravidade; é estruturante do sistema político do Brasil e essencial para sustento de clientelas.

   Dilma apresenta, neste particular, um cadastro pesadíssimo, por conivência e associação política com malfeitores diversos desde que entrou para o governo em 2002, por mais que pretenda ignorar o óbvio e será incapaz de promover qualquer reforma significativa.

   Erenice Guerra, secretária-executiva da Casa Civil, ou seja, a assessora principal para coordenação do governo, parceira política de Dilma desde 2003, viu-se obrigada a apresentar a demissão em Setembro de 2010 por suspeitas de corrupção e acabou com processo arquivado dois anos depois.

   A chegada de Lula ao Palácio da Alvorada trouxe para a área do poder grupos tradicionalmente excluídos dos centros de decisão.

  A integração do "Partido dos Trabalhadores" num quadro político clientelar e pulverizado pela presença de mais de duas dezenas de partidos no Congresso e um sistema federal em que os desequilíbrios de peso relativo entre os 26 estados são característica marcante acabou por alargar a viciação nepotista e corrupta.

   O esquema ilícito de canalização de fundos para compra de votos no Congresso, o "Mensalão", denunciado em Setembro de 2004 e que um ano depois custaria a chefia da Casa Civil a José Dirceu, substituído por Dilma, foi um momento paradigmático de despudor e sinal de adesão plena de velhos contestatários à desmesura da política como expressão dos interesses mais díspares e inconfessáveis.

                                            A contestação

   A incorporação de novos sectores e suas reivindicações está a dar-se a ritmo irregular e, por vezes, extravasa das normas de integração tacitamente assumidas.

   Surpresas foram propiciadas, por exemplo, em 2010 pelo movimento "Ficha Limpa" visando a interdição de políticos condenados por crimes graves e pelo forte apoio de crentes evangélicos a Marina Silva que obteve 19% dos votos na primeira volta das presidenciais em Outubro do mesmo ano.

   Prestes a fechar-se um ciclo expansionista da economia, promovido pelo "Plano Real" que Fernando Henrique Cardoso lançou em meados de 1993, a repartição de recursos e investimentos para obviar a desigualdades sociais e garantir competitividade implica novas opções políticas.

   Os tumultos e a desordem, a baderna nas ruas e na política, são sinal de repúdio pelo crime hediondo em que viceja a política brasileira.

Jornal de Negócios
26 de Junho 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/dilma_e_o_crime_hediondo.html

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