domingo, 16 de setembro de 2012

Uma nova era nuclear no Médio Oriente

Mohamed El Baradei, Director-Geral AIEA


   No próximo dia 24 de Novembro, a Agência Internacional de Energia Atómica vai, com toda a probabilidade, remeter para o Conselho de Segurança das Nações Unidas a decisão sobre eventuais sanções contra o Irão por violação dos protocolos do Tratado de Não-Proliferação (TNP).

   O Irão terá ao longo de 18 anos desenvolvido actividades no sentido de produzir plutónio e enriquecer urânio, passíveis de eventual utilização militar, à revelia das inspecções da Agência.

   Três anos de tentativas de mediação diplomática da Alemanha, Grã-Bretanha e França redundaram num fracasso e Teerão não dá mostras de pretender suspender o seu programa nuclear e aceder a inspecções da AIEA.

   Os Estados Unidos pressionam o Conselho de Segurança para impor sanções diplomáticas, económicas, tecnológicas e militares ao Irão, mas confrontam-se com reticências de Moscovo, Pequim e, também, de Nova Delhi.

  A Rússia é o principal parceiro nos projectos nucleares civis iranianos, a China já conta com Teerão para mais de 14 por cento das importações de petróleo e a Índia acordou em Janeiro a compra anual até 2035 de 7,5 milhões de toneladas de gás natural ao Irão, além de estudar a construção de um gasoduto através do Paquistão para assegurar os fornecimentos.

   O programa nuclear de construção de 15 reactores para produção de electricidade e dois de pesquisa é justificado por Teerão pela necessidade de atender às necessidades energéticas do país, presentemente asseguradas a 91 por cento por recursos fósseis, e goza de amplo consenso nacional.

   O eventual isolamento internacional do segundo maior exportador da OPEP, detentor de 10 por cento das reservas mundiais de petróleo e 16 por cento das reservas de gás natural, é de difícil persecução e sobra o exemplo da África do Sul do «apartheid» que, com a cumplicidade de Israel e num contexto de guerra fria, conseguiu, ainda assim, desenvolver com sucesso um programa militar nuclear.

   As estimativas das capacidades autónomas humanas e tecnológicas iranianas para levar a bom termo a produção de armas nucleares apontam para prazos de dois a quatro anos.

  Teerão dispõe de mísseis Shihab 3 com alcance de 1 300 Km, estando a desenvolver uma nova classe com alcance de 3 000 Km, capaz de atingir a Europa Central e Oriental, que podem ser adaptados ao transporte de ogivas nucleares.

   A posse de armas nucleares é tida em Teerão como a única forma de salvaguardar a independência do Irão face aos Estados Unidos e a uma eventual ameaça de ataque israelita ou iraquiano.

   Esta posição de recurso às armas nucleares como factor de dissuasão reforçou-se nos anos oitenta devido ao apoio internacional ao esforço de guerra iraquiano contra o regime de Khomeini.

  A presença norte-americana no Iraque e no Afeganistão, as pressões sobre Damasco, o único aliado regional de Teerão, as concessões feitas por Washington ao reconhecer Nova Delhi como «potência nuclear responsável» apesar de a Índia nem sequer aderir ao TNP, e a posição de força adoptada pela Coreia do Norte graças à chantagem nuclear, incentivam o Irão à rápida aquisição de meios de dissuasão.

   As divergências em Teerão quanto ao ritmo de desenvolvimento do programa nuclear militar incidem apenas sobre o impacte interno destabilizador de eventuais sanções, tendo em conta que os principais parceiros comerciais do Irão são a União Europeia (35 %), o Japão (12%) e a China (9%).

   As vendas de petróleo representam entre 80 a 90 por cento das exportações e cobrem sensivelmente metade do orçamento.

    O PIB tem crescido ao ritmo de cerca de 6 por cento nos últimos cinco anos, mas apesar de uma baixa do desemprego para 11,5 por cento, metade das raparigas e um quarto dos jovens com menos de 25 anos não encontram colocação no mercado de trabalho.
  
   O regime irá gastar este ano 7,7 mil milhões de dólares em subsídios a combustíveis e produtos agrícolas, tem conseguido dinamizar a agricultura que emprega 20 por cento da população, mas fracassado nas áreas de serviços e das indústrias não energéticas.

   A curto prazo, Teerão não enfrenta movimentos destabilizadores de contestação social e a província de maioria árabe do Kuzistão (produtora de 80 por cento do petróleo iraniano), apesar de actos terroristas esporádicos, está sob controlo do governo central.

   As autoridades não dão, no entanto, provas de capacidade de mobilização e o sistema de poderes paralelos promove iniciativas políticas desconexas.

   O triunfo eleitoral dos radicais liderados pelo presidente Ahmadinejad foi contrabalançado pela decisão do líder supremo Ali Khamenei de alargar os poderes do Conselho de Discernimento, chefiado pelo ex-presidente Ali Rafsanjani, para controlo das opções governamentais macroeconómicas e de política nuclear.

   O perigo de bombardeamentos israelitas contra as instalações nucleares iranianas é limitado.

   Um ataque israelita teria de contar com apoio norte-americano e a dispersão e inacessibilidade de muitos dos alvos produziria no melhor dos cenários possíveis danos em apenas três quartos das instalações nucleares.

   Os custos políticos seriam insustentáveis para os aliados de Israel e a radicalização antiocidental no mundo árabe e islâmico inevitável.

   A possibilidade de retaliação iraniana sobre os estados dos Golfo e o encerramento do estreito de Ormuz por onde passam 2/5 das exportações mundiais de petróleo são outras razões mais do que suficientes para obviar à opção militar contra o Irão.

   A maioria dos dirigentes iranianos pode, pois, mostrar-se confiante em persistir na opção pelas armas nucleares como factor de dissuasão, mesmo que os Estados Unidos declarem que qualquer ataque não-convencional iraniano contra estados da região será considerado motivo suficiente para uma retaliação em larga escala. 

   A nuclearização do Irão provocará iniciativas idênticas por parte de outros estados – caso da Arábia Saudita ou do Egipto – e Israel, a actual potência nuclear regional, terá de passar a integrar estes condicionalismos na sua estratégia.

   A dissuasão nuclear no Médio Oriente é, no entanto, muito pouco fiável devido à instabilidade e radicalização política da maior parte dos estados da região e a lógicas por demais antagónicas sobre cálculos de perdas e ganhos previsíveis por parte dos diversos actores.

   Consoante a evolução interna do Irão nos próximos dois anos e a conjuntura regional não é assim de descartar a possibilidade de o próximo presidente dos Estados Unidos chegar à Casa Branca e ter de decidir sobre um eventual ataque ao Irão.



Jornal de Negócios
02 Novembro 2005

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