sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O vigarista bem aprumado




   A 24 de Janeiro, a Société Générale denunciou uma alegada fraude por parte de um dos seus corretores.

   O funcionário teria assumido posições não autorizadas no mercado de futuros num valor próximo dos 50 mil milhões de euros. A regularização das transacções cifrou-se num prejuízo de 4,82 mil milhões de euros e o caso do corretor Jérôme Kerviel aguarda julgamento.

    As presumíveis fraudes nas operações de arbitragem a que se dedicava Kerviel abriram o ano financeiro e puseram em causa os procedimentos administrativos da Société Générale e a supervisão do Banco da França.

   Para fechar com chave de ouro o ano da desgraça, em que o semeador de ventos Alan Greenspan admitiu ter subestimado o risco da desregulação dos mercados financeiros, ainda faltava o escândalo de Bernard Madoff.

                                           O toque de Madoff
   Todo o esquema de pirâmide se desmorona fatalmente numa conjuntura de quebra nos mercados financeiros, e o sistema Madoff não fugiu à regra.

   Apesar de Madoff ter prosperado durante duas décadas, foi-lhe impossível resistir à crise provocada pelo crédito especulativo imobiliário, à falência do Lehman Brothers e à reconversão da banca de investimentos, e ao desempenho negativo dos mais de 10 mil fundos de investimento de alto risco registados que tiveram uma quebra média de 18% desde Novembro de 2007.

   O antigo presidente do Nasdaq descartou acusações sobre práticas fraudulentas, que remontam a 1999, iludiu os controladores financeiros e foi, com auditores de vão de escada, oferecendo retornos anuais na ordem dos 8% a 12% a investidores tão diversos quanto fundos de alto risco, seguradoras, instituições de beneficência, sobretudo judias, ou a fina sociedade de Boston, Palm Beach ou Long Island.

   Desde 1996 Madoff registou oficialmente apenas uns inverosímeis cinco meses de resultados negativos e não foi ainda possível determinar o momento em que o esquema de pirâmide se tornou na vertente essencial das suas operações, possivelmente para esconder perdas, que incluíam, pelo menos, uma unidade paralela de gestão de fundos.

   Incapaz de ressarcir investidores carentes de fundos, Madoff, nos seus vários chapéus de conselheiro de investimentos, gestor de fundo de investimentos e corretor, admitiu a fraude que, além de eventual abuso de informação privilegiada, assentava, segundo as primeiras informações, no clássico esquema de pirâmide no que toca pelo menos aos 17 mil milhões de dólares que geria oficialmente no início do ano através da Bernard Madoff Investment Securities.

   O montante de prejuízos denunciado pelos próprios filhos de Madoff e considerado pelo FBI aparenta ser demasiado elevado, mas, até ser deslindada a rede de investimentos, é bem possível que os artifícios do ex-presidente do Nasdaq sejam de alguma forma comparáveis aos do empresário de Minneapolis Tom Petters, que este mês foi acusado de gerir durante treze anos um esquema de pirâmide que movimentava 3,5 mil milhões de dólares.

   O toque de Midas de Madoff, potenciado pelo "bluff" de detentor de informação e virtuosidade financeira além do entendimento do comum dos mortais e a respeitabilidade que a sua carreira em Wall Street e rede de contactos sociais lhe proporcionava, esvaneceu-se assim numa estranha confissão de falência ao FBI de perdas envolvendo 50 mil milhões de dólares (37,5 mil milhões de euros).


                                        O atentado ao património
   Dos derivados, que Warren Buffet classificou em 2003 como "armas de destruição maciça financeira", aos fundos de alto risco, passando pela arbitragem fraudulenta num banco de referência, e descambando nos sistemas piramidais da alta-roda em que só a entrada de dinheiro fresco permite ressarcir os clientes ou pagar dividendos, o panorama do sector financeiro é confrangedor.

   A Securities and Exchange Commission, que foi impotente para conter o desvario dos bancos de investimentos, depois de mais este escândalo, está condenada a uma reestruturação de fundo que possa oferecer garantias aos investidores norte-americanos e estrangeiros.

   A falta de confiança na banca, nos produtos e serviços do sistema financeiro, nos reguladores, tem o efeito pernicioso de alastrar a toda a sociedade.

   As agruras que Madoff traz à fina-flor de gestores e investidores, que fecharam os olhos ao excêntrico desempenho do nova-iorquino desde que fluíssem pingues retornos de capital, podem alimentar alguma alegria perversa ao comum dos aflitos, mas o custo social é pesado.

   A volúvel e universal ganância, particularmente aguda no sistema financeiro, a julgar pelos exemplos que este 2008 nos ofereceu, faz muita mossa e gera ressentimento perigoso, até porque ameaça o património alheio, e ninguém como as classes altas é mais hábil a socializar os prejuízos.

   Já Maquiavel advertia que se há coisa que ninguém perdoa, nem esquece, é, precisamente, o atentado ao património.

Jornal de Negócios
17 Dezembro 2008

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