domingo, 16 de setembro de 2012

O pacote chinês

 
 
   O pacote de relançamento económico de 4 biliões de yuans (456 mil milhões de euros) anunciado domingo em Pequim visa evitar que o crescimento económico chinês caia abaixo de 8%, mas dificilmente conseguirá criar os 24 milhões de postos de trabalho necessários para absorver a mão-de-obra que todos os anos entra para o mercado laboral.
 
   O plano de alocação de verbas para os próximos dois anos, equivalente a cerca de 15% do PIB, privilegia a construção social, infra-estruturas em áreas rurais e o sector de transportes, além de contemplar um aumento das compras de cereais pelo estado para obviar à depreciação de preços e cortes fiscais para aquisições de bens de investimento.

   Apenas cerca de 1,5 biliões de yuans representam de facto verbas adicionais dado que os restantes investimentos estavam já previstos, como era o caso de um bilião de yuans para reconstrução das áreas devastadas no sudoeste da China pelo terramoto de Maio, enquanto as medidas de apoio aos sectores agrícolas e às indústrias exportadores já tinham sido já anunciadas.

   Os investimentos no sector da habitação, infra-estruturas e transportes só farão sentir os seus efeitos no final do próximo ano, mas opções de política fiscal e monetária em aberto para Pequim poderão contribuir para conter o abrandamento económico.

                                  O difícil aumento do consumo

   O Banco Central reduziu três vezes desde Setembro a taxa de juro de referência para empréstimos a 12 meses que se cifra presentemente em 6,66%.

   A queda da taxa de inflação para 4,6% em Setembro e 4% em Outubro (o nível mais baixo em 17 meses) possibilita novos cortes de juros e o levantamento de limites ao crédito bancário, cujo aumento não tem excedido os 12% ao ano, contribuirá para financiar novos investimentos.

   Uma alteração do regime de IVA para estimular o consumo de particulares e o investimento de empresas em bens de capital será ainda anunciada até ao final do ano.

   O consumo doméstico, inferior a 55% do PIB chinês, dificilmente aumentará sem que o estado garanta uma rede de assistência social e protecção ao desemprego, extremamente difícil de concretizar num país onde 300 milhões de pessoas subsistem com menos de 1 dólar/dia em termos de Paridade de Poder de Compra, de acordo com estimativas do Banco Mundial de 2007.

   O crescimento económico desacelerou pelo quinto trimestre consecutivo e caiu para 9% no terceiro trimestre de 2008, o nível mais baixo dos últimos cinco anos.

  O FMI, que previra uma taxa de crescimento de 9,7 % para 2008, depois de 11,9% em 2007, reduziu a sua estimativa para 8,5 %.

   A quebra nas exportações tenderá, no entanto, a reduzir as previsões, pois, segundo o Banco Central, as vendas ao estrangeiro que contribuíram para 21,5 % do crescimento em 2007, representaram apenas 4,9% no primeiro semestre deste ano.

   A decisão de suster a valorização do yuan desde Julho não conseguiu evitar uma forte contracção nas exportações de têxteis e brinquedos devido à diminuição da procura internacional, sobretudo nos Estados Unidos.

O crescimento de apenas 19,2% das exportações em Outubro, o mais baixo dos últimos quatro meses, foi alcançado graças a indústrias com menor componente de trabalho intensivo o que agrava a situação do mercado de trabalho.

                                            O risco do desemprego

   A taxa oficial de desemprego atingia 9,5% no ano passado e os investimentos em infra-estruturas que, de acordo com as estatísticas oficiais, registaram uma média anual de crescimento de 20% desde a década de 1980, quando se iniciaram as reformas económicas de Deng Xiaoping, não conseguiram até agora absorver os excedentes de mão-de-obra rural.

   O investimento doméstico terá contribuído para 4% ou 6% do crescimento económico médio de 10% das últimas três décadas, mas não integrou no mercado formal de trabalho cerca de 150 milhões de trabalhadores migrantes excedentários na economia rural.

   O pacote de relançamento económico é, consequentemente, um reformular das medidas previstas no plano quinquenal 2006-2010 para obviar à crescente desigualdade e conflitualidade sociais, sendo axiomático em Pequim que um crescimento abaixo dos 8% fará disparar o desemprego para níveis socialmente incomportáveis.

   Reduzir a dependência do comércio externo, superar a subalternidade tecnológica (menos de 1/5 das exportações são classificadas como produtos de alta tecnologia) e diminuir assimetrias regionais e sociais eram os objectivos expressos no plano quinquenal que admitia ser insustentável o modelo de desenvolvimento seguido desde os anos 80.

    O reforço de medidas de assistência social obrigará o governo de Pequim a abandonar o seu objectivo de manter o défice orçamental em 1,1% do PIB e elevará a dívida pública, estimada oficialmente em apenas 20% do PIB, para níveis muito mais altos.

   É o custo da estabilidade social e um imperativo para o regime de Pequim.



Jornal de Negócios
12 Novembro 2008

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