quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A ONU antes da Grande Guerra do Golfo





   O incontornável rosário de crises do Levante ao Hindu Kush assombra a Assembleia Geral da ONU que bem poderá revelar-se o último grande conclave internacional em Nova Iorque antes da Grande Guerra rebentar no Cáspio e no Golfo Pérsico.

   O desenvolvimento sustentado -- em vertentes como gestão ambiental ante mudanças climáticas e combate à pobreza, discutidas este Verão na Conferência Rio+20 – ou a reforma do Conselho de Segurança serão alguns dos temas sacrificados pela premente ameaça de guerra.

   A impossibilidade de instituições estatais multilaterais como a Liga Árabe, a Organização da Conferência Islâmica e a ONU mediarem pela via diplomática tréguas na guerra civil da Síria põe em relevo o confronto de políticas externas antagónicas que exacerbam um conflito com contornos étnicos e religiosos que extravassam além-fronteiras.

   A redes de alianças e interesses envolvendo e opondo estados como a Turquia, Arábia Saudita, Iraque e Irão, condenam a Síria a uma sangria sem fim à vista, mas que, inelutavelmente, levará à perdição a minoria alauíta no poder.

                                 Os meios necessários

    O impasse no Conselho de Segurança era previsível por Pequim e Moscovo considerarem que a NATO e seus aliados ultrapassaram os termos da resolução 1973 de Março de 2011 que autorizou o uso na Líbia de «todos os meios necessários», excepto «uma força de ocupação estrangeira», para proteger civis e áreas de povoamento civil.

   A intervenção militar da NATO, subsidiariamente apoiada pelo Qatar e Jordânia, foi vista na Rússia e na China como um acto abusivo e, consequentemente, inviabiliza a adopção de qualquer resolução do Conselho de Segurança que admita o recurso à força ao abrigo do Capítulo VII da Carta da ONU.

   Excepto na eventualidade de uso de armas químicas ou biológicas ou sua transferência para organizações terroristas é dificilmente concebível uma intervenção militar directa estrangeira na guerra civil síria, com ou sem sanção da ONU, que, em qualquer caso, tenderá a evitar na medida do possível a eventualidade de ocupação territorial.

   As últimas manifestações violentas de repúdio por ofensas perpretadas no Ocidente contra o Islão serviram, por seu turno, para relembrar o óbvio: é fruste a base social e limitadíssima a legitimação ideológica para uma ordem política incorporando princípios liberais e secularistas em países tão distintos quanto o Egipto ou o Paquistão.

   Na ressaca do fracasso estratégico e ideológico das intervenções no Iraque e no Afeganistão os protestos de militantes islamitas em manifestações do Sudão à Nigéria terão afastado para os tempos mais próximos quaisquer ilusões sobre o apoio com que possam contar acções militares dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais em países de maioria islâmica ou com significativas minorias de crentes na mensagem do Profeta.

   Para o resto do mundo a falta de discernimento e capacidade de intervenção estratégicas do bloco ocidental ficam ainda patentes no fracasso da tentativa de mediação da administração Obama no conflito israelo-palestiniano, independentemente do que vier a ocorrer se a Autoridade Palestiniana conseguir um voto por maioria na Assembleia Geral para obter o estatuto de “estado observador” na ONU.

                              O mau tempo e a política

     A meteorologia, entretanto, condiciona no curto prazo a próxima guerra.

   A chegada do Outono torna muito mais difícil para Israel missões ofensivas e de reconhecimento áereo, sobretudo nas regiões montanhosas e no noroeste do Irão e, independentemente das cumplicidades com que possa contar no Arzebeijão e Curdistão iraquiano, limita a capacidade operacional unilateral de Telavive.

   Adiar para a Primavera um ataque que obrigue, por via de retaliação iraniana, a envolvimento directo dos Estados Unidos, deixa o governo de Benjamin Netanyahu à mercê da Casa Branca e descredibiliza as ameaças de Israel, jogo por demais perigoso no Médio Oriente onde prevalece a lei da força.

   No caso de Obama ser reeleito a Casa Branca não admitirá ser constrangida por Telavive, apesar do evidente fracasso das tentativas de levar o Irão a suspender ou renunciar a um programa nuclear militar.

   Na menos provável hipótese de vitória republicana Mitt Romney ainda mal terá rodado a sua equipa e o fervor ideológico já terá sido submetido ao confronto com realidades comezinhas como, por exemplo, a vulnerabilidade do Japão e da Coreia do Sul a cortes nos fornecimentos de petróleo.

   As probabilidades de erro de cálculo por parte de tão grande número de intervenientes são tamanhas que a eclosão da guerra é o mais provável.

   A ONU não voltará a ser a mesma entidade multilateral caso se mostre incapaz de impedir mais uma guerra com risco de escalada dificilmente controlável.

Jornal de Negócios
26 Setembro 2012

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