sábado, 8 de setembro de 2012

Nem só Ahmadinejad conta em Teerão

 Ali Khamenei


   As eleições no Irão saldaram-se por uma derrota dos candidatos fundamentalistas e dos apoiantes do presidente Ahmadinejad e tornaram ainda mais difusos os equilíbrios entre as diversas tendências representadas nas instâncias de poder.

   Uma elevada participação, mobilizando 60 por cento dos 46,5 milhões de eleitores, na votação simultânea para os Conselhos Municipais e a Assembleia de Especialistas revelou-se fatal às ambições de Ahmadinejad.

   Em Teerão e na votação para os Conselhos das principais cidades, como Mashad, Isfahan, Shiraz e Tabriz, foi contrariada a vaga fundamentalista que em 2003 dera a Ahmadinejad o controlo da capital e que se revelou fundamental para a sua eleição presidencial dois anos depois.

   Para as correntes reformistas era essencial obter bons resultados nas municipais para ultrapassar o ciclo de derrotas nas eleições locais de 2003, nas legislativas de 2004 e nas presidenciais de 2005.

   Com a participação de mais dez por cento de eleitores do que nas eleições locais de há três anos – sensivelmente o mesmo número de votantes das presidenciais de 2005 – a escolha dos representantes para a Assembleia de Especialistas acabou por ganhar também uma importância acrescida.

   Com um mandato de oito anos, os 86 clérigos reúnem-se semestralmente e cumpre-lhes supervisionar a actividade do Líder Supremo, Ali Khamenei – o sucessor de Khomeini em 1989 –, e, eventualmente, demiti-lo ou eleger o seu sucessor em caso de morte.

   O carácter conservador desta instância de poder é assegurado pelo processo de escrutínio dos candidatos à Assembleia por parte do Conselho dos Guardiães.

   Estes doze clérigos – metade nomeados directamente pelo próprio Líder Supremo para efeitos de controlo da actividade do Parlamento e interpretação da Constituição – deram sinais de pretenderem controlar as ambições dos patronos de Ahmadinejad quando vetaram as candidaturas de diversos apoiantes do ayatollah fundamentalista Mohammad Taqi Mesbah Yazdi, mentor espiritual do presidente.

   Em resultado, entre os 163 candidatos aprovados pelo Conselho dos Guardiães mais de dois terços dos eleitos acabaram por ser membros da Associação Militante dos Clérigos em que pontificam Akbar Rafsanjani (presidente entre 1989 e 1997 e candidato presidencial derrotado por Ahmadinejad no ano passado) e Hassan Rohani, ex-líder do Conselho Supremo Nacional de Segurança.

   A vitória por larga maioria de Rafsanjani na província de Teerão, humilhando Mohammad Yazdi, aumentou a sua influência política tanto mais que é simultaneamente líder do Conselho de Discernimento, a instância nomeada pelo Líder Supremo para mediar divergências entre o Parlamento e o Conselho de Guardiães, além de assessorar Khamenei em questões de política interna e segurança.

                          AS OPÇÕES DO LÍDER SUPREMO

   No labiríntico sistema de poder iraniano, a última palavra cabe a Ali Khamenei – actualmente com 67 anos – como suprema instância religiosa e política, com controlo directo sobre os guardas revolucionários e o exército, além da televisão e rádio nacionais, mas muita da sua influência deriva da forma como consegue impor-se entre as diferentes facções representadas nas estruturas de poder.

   Khamenei, que tem vindo a jogar com apoios pontuais aos líderes das diversas facções político-religiosas, viu, assim, o seu poder decisório e de arbitragem reforçado com a derrota dos fundamentalistas messiânicos e o avanço de opositores à política económica populista e de descontrolo orçamental de Ahmadinejad e abertamente críticos da sua estratégia de confronto internacional.

   A principal preocupação dos críticos conservadores e reformistas é que a estratégia de confronto do presidente faça perigar a estabilidade social num país em que apesar do PIB ter crescido ao ritmo de cerca de seis por cento nos últimos seis anos, a taxa de desemprego continua a rondar os 11 por cento, sendo que metade das raparigas e um quarto dos jovens com menos de 25 anos não encontram colocação no mercado de trabalho.

   O regime gastou este ano quase oito mil milhões de dólares em subsídios a combustíveis e produtos agrícolas e apesar de ter conseguido dinamizar a agricultura que emprega 20 por cento da população o balanço é mitigado nas áreas de serviços e das indústrias não energéticas.

   Os investimentos estrangeiros são tidos como fundamentais para modernizar o sector energético, que gera metade das receitas orçamentais, e, em particular, para o aumento da capacidade de refinação de forma a obviar às carências iranianas que obrigam à importação anual de 40 por cento da gasolina consumida no país.

   A cooperação russa no nuclear civil (central de Busher), os contratos com a China nos sectores do petróleo e gás natural, além de investimentos franceses, italianos e britânicos, e os contratos para venda de gás natural liquefeito à Índia, podem perigar no caso de serem impostas sanções comerciais e financeiras mesmo que limitadas no entender de muitos oponentes de Ahmadinejad.

                         AS RETICÊNCIAS A AHMADINEJAD

   O amplo consenso nacional quanto ao programa nuclear de construção de 15 reactores para produção de electricidade e dois de pesquisa justificado por Teerão pela necessidade de atender às necessidades energéticas do país, presentemente asseguradas a 91 por cento por recursos fósseis não esconde, no entanto, certas reticências quanto o provimento da estratégia de afrontamento levada a cabo por Ahmadinejad.

   As autoridades iranianas prosseguem há 19 anos um programa clandestino nuclear militar e consideram consensualmente que a posse de armas nucleares é a única forma de salvaguardar a independência do Irão face aos Estados Unidos e fazer frente a uma eventual ameaça de ataque israelita ou de potências árabes sunitas, posição que se reforçou nos anos oitenta devido ao apoio ocidental e soviético ao esforço de guerra iraquiano contra o regime de Khomeini.

   O fracasso norte-americano no Iraque afastou no imediato a eventualidade de um ataque militar e o perigo de bombardeamentos israelitas contra as instalações nucleares iranianas é limitado.

   Um ataque israelita teria de contar com apoio norte-americano e a dispersão e inacessibilidade de muitos dos alvos produziria no melhor dos cenários possíveis danos em apenas três quartos das instalações nucleares.

   Os custos políticos seriam insustentáveis para os aliados de Israel e a radicalização antiocidental no mundo árabe e islâmico inevitável.

  A possibilidade de retaliação iraniana sobre os estados árabes do Golfo e o encerramento do estreito de Ormuz por onde passam 2/5 das exportações mundiais de petróleo são outras razões mais do que suficientes para muitos dirigentes de Teerão considerarem fora de questão o perigo de um ataque militar directo.

   Neste cenário, tendo sido eliminado por muitos anos o risco que representou no passado o Iraque sob controlo sunita e sendo problemática a imposição de sanções capazes de afectarem significativamente o Irão, é compreensível que muitos dirigentes considerem a retórica e as acções provocatórias de Ahmadinejad um risco desnecessário para projectos comerciais e de investimento já acordados.

   As tácticas a adoptar em apoio dos xiitas no Líbano e contra o estado judaico são, igualmente, motivo de discórdia por conservadores e reformistas avaliarem de forma diferente dos fundamentalistas messiânicos o risco de conflito aberto com Washington, Israel e os estados árabes do Golfo.

   Ao confronto aberto alimentado por Ahmadinejad e às suas justificações teológicas da guerra como uma etapa para o advento do Mahdi (o décimo segundo imã oculto) contrapõem-se nas estruturas de poder outras ponderações de riscos aceitáveis para prévio reforço da potência económica e militar do Irão antes que a providência divina se manifeste ou meras considerações de realismo político.

  A curto prazo a vertente fundamentalista e messiânica não irá desaparecer, mas a margem de manobra de Ahmadinejad, apesar dos apoios com que conta em zonas rurais de maioria persa e entre os deserdados das grandes cidades, ficou notoriamente mais estreita ainda que a instabilidade e radicalização política no Médio Oriente possa dar-lhe novo fôlego.

  Há, assim, sinais de uma oportunidade de conjuntura em que, com ponderação e sorte, se podem arriscar algumas iniciativas diplomáticas pois há mais poderes no Irão muito para além das alucinações do extremista Ahmadinejad.


Jornal de Negócios
20 Dezembro 2006

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