sábado, 8 de setembro de 2012

O NHENHENÉM DA POLÍTICA BRASILEIRA



                
   "Nhenhenhém", "imexível" "neobobismo", "fracassomania" são alguns dos contributos do linguajar dos políticos do Brasil à língua portuguesa reunidos e explicados num dicionário elaborado pelo professor da Universidade de Brasília Cristovam Buarque.

    Admitindo que "ler o mundo hoje é como caminhar depois de um bombardeio", Cristovam Buarque recenseou cerca de 600 verbetes no "Admirável Mundo Atual - Dicionário Pessoal dos Horrores e Esperanças do Mundo Globalizado" (Geração Editorial, S. Paulo, 2001).

   Na apresentação da obra do ex-reitor da Universidade de Brasília e governador do Distrito Federal pelo Partido Trabalhista entre 1995 e 1998 feita na edição de domingo, 15 de Julho, de "O Estado de São Paulo", o maior destaque vai para as inovações do presidente Fernando Henrique Cardoso.

   O termo "inempregável" é uma das contribuições do presidente, sociólogo de formação, recenseada durante uma intervenção num seminário sobre desemprego em São Paulo a 07 de Abril de 1997.

    Fernando Cardoso declarou, então, que "a globalização cria pessoas dispensáveis no processo produtivo, que são crescentemente inempregáveis".

    O "nhenhenhém" é outro termo - "usado a torto e a direito por Fernando Henrique para atacar os seus críticos", segundo "O Estado de São Paulo" - a merecer consagração.

   Trata-se de uma palavra tupi, "nheeng nheeng", que significa "falar sem parar".

   A oposição tem respondido a Fernando Henrique Cardoso, arremessando com outra palavra indígena ao afirmar que "o Brasil está na pindaíba".

   Neste caso, pindaíba é uma mera cana de pesca e traduz, por associação de ideias, a situação do indigente que à míngua de dinheiro fica à beira rio à espera que um peixinho morda o isco.

   O presidente - que termina no próximo ano o seu segundo e último mandato - tem vindo, também, a denunciar regularmente os seus opositores como "carpideiras, cassandras, opiniáticos e catastrofistas", expressões devidamente consignadas pelos dicionários correntes.

   Menos compreensíveis revelam-se expressões ilustres do chefe de estado brasileiro como "neobobismo".

   "Claro que não existe o neobobismo. Mas assim se distraem porque, realmente, as pessoas perdem tempo com análises vazias", apesar de outras referências se revelarem mais próximas do bom-senso, como, por exemplo, "os adeptos da fracassomania devem botar as barbas de molho".

   Fernando Henrique Cardoso adoptou, igualmente, o termo "imexível", criado em 1990 pelo então Ministro do Trabalho e Previdência, Antônio Magri, ao definir o Plano Collor de estabilização económica.

   "Imexível" foi incorporado no "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", da Academia Brasileira de Letras.

   O autor do "Manual de Redação e Estilo" de "O Estado de São Paulo", Eduardo Martins, considera que o chefe de estado "mantém uma relação muito peculiar com a língua portuguesa desde que assumiu o governo, em 1995".

   O jornalista conclui que "palavras e expressões que não costumavam frequentar falas de presidentes no País começaram a ter curso livre, especialmente quando Fernando Henrique procura rebater críticas".

   Mais excêntrica parece ser, contudo, a terminologia empregue pelo Ministro da Fazenda, Pedro Malan, que a 12 de Julho, apelou para que os debates sobre o futuro do Brasil não sejam "fulanizados, sicranizados e beltranizados".

   A introdução do uso e abuso do "fulanizar", cabe, no entanto, ao vice-presidente Marco Maciel, do Partido da Frente Liberal.

   Malan merece, no entanto, grande destaque já que tem classificado frequentemente de "inflacionistas de bom coração" e "messianistas salvacionistas" os alegados proponentes de altas taxas de crescimento económico que ignoram o risco de disparo da inflação.

    Uma das expressões mais estranhas deste Dicionário do "caos semântico", conforme o define o compilador, é da lavra do ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, que falava do estabelecimento de uma "banda diagonal endógena".

    O líder do Partido Trabalhista, Luiz Inácio Lula da Silva, dá, também, entrada no Dicionário por via de uma das suas alcunhas mais populares: "Não seria fascinante fazer agora a elite engolir o Lula, o sapo barbudo?".

   Disse-o na campanha presidencial de 1989 e assim ficou desde então.

Netparque
15 Julho 2001

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