domingo, 16 de setembro de 2012

O crepúsculo dos cristãos do Levante

Le pape à Bkerké, le 15 septembre 2012, devant des dizaines de milliers de jeunes. REUTERS/Sharif Karim
Bkerké, 15 Setembro

Entre a potência
  E a existência
  Entre a essência
  E a descendência
  Tomba a Sombra

                Porque Teu é o Reino”


Os Homens Ocos”, T. S. Elliot



   Crentes apreensivos, angustiados e divididos aguardam pela visita que Bento XVI inicia sexta-feira ao Líbano numa altura em que tudo conspira contra as comunidades cristãs do Levante.

   João Paulo II na sua peregrinação em Maio de 1997 teve a ousadia de apelar à reconciliação nacional e ao respeito pela soberania libanesa.

   Os cristãos ainda eram, então, uma força decisiva no confronto com a Síria que recusava retirar as tropas que em 1976 tinham intervido na guerra civil e com Israel que ocupava o sul do Líbano desde 1982.

   Bento XVI, pelo contrário, além da mensagem doutrinária católica e ecuménica e apelos de cunho humanitário, pouca margem de manobra terá para declarações abertamente políticas dadas as divisões entre igrejas e blocos políticos e a ameaça de retorno à guerra civil.

                                   Comunidades divididas

   Bechara Boutros Al Rahi -- patriarca dos maronitas, a maior confissão oriental em comunhão com a igreja católica -- tem evitado criticar abertamente o regime de Damasco e os seus apoiantes no Líbano, caso do general cristão Michael Aoun do Movimento Patriótico Livre aliado presentemente aos xiitas do Hizballah.

   Samir Geagea, outro líder histórico de milícias maronitas, mantem uma atitude de oposição radical ao regime de Bashar Al Assad, mas sem grande eco junto dos políticos cristãos, druzos, ou sunitas que aceitaram integrar a actual coligação governamental dominada pelo Hizballah.

   Os cristãos libaneses – maronitas, ortodoxos gregos, arménios, assírios, melquitas, ortodoxos siríacos e protestantes, entre as principais confissões – representam 30% a 40% da população, mas a comunidade xiita está em vias de assumir idêntico peso demográfico, deixando para trás os sunitas, cerca de 30%, e druzos, 5%.

   O último censo teve lugar em 1932 e os equilíbrios étnico-religiosos alteraram-se radicalmente.

   A predominância política cristã no Líbano, propiciada pela França após a partilha dos despojos do Império Otomano, perdeu-se no rescaldo da guerra civil de 1975-1990 que marcou a ascensão dos xiitas.

   A perda de poder político no Líbano foi a par de uma diminuição genérica da presença cultural cristã no Levante depois do papel de relevo que clérigos, intelectuais e artistas cristãos desempenharam na Renascença Árabe (Al Nahda) desde meados do século XIX.

   No século passado George Antonius, oriundo de uma família egípcio-libanesa cristão-ortodoxa, ainda viria a ser nos anos 30 um dos expoentes do nacionalismo árabe.

   O grego-ortodoxo Michel Aflaq, nascido em Damasco, surgiria como teórico maior do nacionalismo e panarabismo de veia socialista na década de 40 e fundaria o partido Ba`ath (Resurgimento) que viria a tomar o poder na Síria e no Iraque.

                          Perda de influência e enquistamento

   À medida que surtos nacionalistas ou comunitários assumiram maior cunho religioso os cristãos do Levante e Médio Oriente acabaram por perder a protecção de regimes autocráticos que os usavam como contrapeso político conforme as conveniências.

   No Iraque boa parte dos fiéis assírios e caldeus (cerca de 3% da população) fugiu às violências que eclodiram após o derrube do regime minoritário sunita de Saddam Hussein.

   Idêntico cenário está em vias de se repetir na Síria onde a minoria cristã (10% da população) apostou desde os anos 60 numa convergência de interesses com o regime alauíta a braços com a revolta da maioria sunita.

   Igualmente debilitadas pela emigração e contracção demográfica que levaram os cristãos a as minorias cristãs na Palestina, Israel e Jordânia só representam cerca de 3% da população e veêm-se subordinadas aos interesses conflituosos das maiorias sunitas e judaicas.

   No grande baluarte cristão do Levante os coptas, sensivelmente 10% dos 84 milhões de egípcios, viram desaparecer a salvaguarda do regime de Hosni Mubarak e enfrentam agora o revivalismo islamita.

   O enquistamento dos coptas, acentuando o conservadorismo religioso e social numa tentativa de preservar valores identitários num ambiente hostil, é uma reacção que se poderá repetir noutras comunidades cristãs do Levante sem condições para acalentarem revisionismos radicais.

   As comunidades cristãs representavam cerca de 20% da população do Médio Oriente no início do século XX e presentemente não ultrapassam os 5%, sensivelmente 12 milhões de almas.

   A emigração, a subordinação ou impotência políticas, a perda de dinamismo cultural marcam as novas gerações de cristãos levantinos tementes a perseguições e discriminações.

   A viagem de Bento XVI ao Líbano numa altura em que a guerra civil síria ameaça toda a região irá ilustrar pela sua incapacidade de assumir atitudes de ruptura ou protesto esta impotência genérica que assombra os fiéis, essa perda de viço que há décadas atormenta as comunidades cristãs do Levante.



Jornal de Negócios
12 Setembro 2012

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