sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O velório de Lisboa

   Obrigar os irlandeses a novo referendo depois de Bruxelas apresentar, eventualmente, declarações de salvaguarda sobre fiscalidade, defesa ou aborto é inviável.
   O Tratado foi rejeitado graças a uma conjuntura económica negativa, temores de erosão da capacidade negocial irlandesa na União Europeia e a uma generalizada desconfiança sobre os processos decisórios dos 27.

    Um Tratado propositadamente ilegível que recuperava o essencial de uma Constituição rejeitada na França e na Holanda foi visto por mais de 800 mil irlandeses como cabala política para ultrapassar referendos problemáticos.

    Os principais partidos – Fianna Fáil, Finne Gael e trabalhistas – arriscam, em caso de segundo referendo, o agravamento da crise de legitimidade política e constatam desde já a impossibilidade de oferecer novas garantias de soberania à Irlanda.

    Em Janeiro de 2001 apenas 34% do eleitorado foi às urnas para rejeitar o Tratado de Nice e o aumento da participação para 50% permitiu, em Outubro de 2002, fazer passar o acordo que ainda hoje vigora.

    Desta feita, uma participação de 53 % e cerca de 100 mil votos de diferença pelo Não representam uma rejeição de fundo.

    É impossível fazer vingar o Tratado que pretendia refazer os Tratados de fundação da Comunidade Europeia (Roma, 1957) e de instituição da União Europeia (Maastricht, 1992).

   Os 27 terão de viver de acordo com as regras de Nice e os Estados interessados, considerando a dificuldade de formação de maiorias, poderão enveredar pela criação de núcleos restritos, presumivelmente por iniciativa franco-alemã.

   Estas “cooperações reforçadas” consubstanciarão dinâmicas de integração diferentes entre os 27 e apresentam, designadamente nas áreas de segurança e defesa, um risco de desagregação institucional por terem de ser prosseguidas fora do quadro da União.

    A alternativa de uma maioria de países confrontar a Irlanda com a opção de saída da União, assumindo o estatuto de estado associado presente na zona euro, é politicamente impossível.

    Gordon Brown, a braços com uma eleição quase perdida, vetará qualquer proposta de exclusão da Irlanda e a provável chegada dos conservadores ao poder em Londres bloqueará a adopção parcial de alterações significativas no sentido de maior integração política.

   Durão Barroso será muito provavelmente sacrificado na tentativa de criar uma nova dinâmica negocial na sequência das eleições de Junho de 2009 para o Parlamento Europeu em que o bloqueio institucional se fará sentir com toda a força.

   Estamos perante o velório de Lisboa.
Jornal de Negócios
16 Junho 2008

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