sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Os penitentes do euro a caminho de Fátima



Angela Merkel, Guido Westerwelle e Wolfgang Schaeuble
Bundestag, 7 Maio 2010.


   Bem podem os proponentes do novíssimo pacote de estabilização da Zona Euro acender velas na Cova da Iria pois só um milagre salvará as suas reputações.

   O primeiro dos pecados é que declaração, promessa ou palavra de político ou presidente de banco central não merecem qualquer crédito junto do contribuinte-eleitor.

   A crise grega alegamente não teria efeitos de contágio, mas degenerou em pandemia e o pacote de emergência financeira a Atenas começou em 20 mil milhões de euros, subiu para 40 mil milhões, e acabou em 110 mil milhões, com comparticipação do FMI.

    Pelo meio Angela Merkel, encurralada pela incompreensão dos eleitores alemães sobre os custos da ajuda à Grécia, adiou, tergiversou, deitou a perder tempo precioso para evitar o alastrar da crise, e acabou punida nas eleições na Renânia do Norte-Vestefália vendo esfumar-se a maioria governamental na câmara alta do parlamento de Berlim.

   Ainda quinta-feira Jean-Claude Trichet descartava em Lisboa a compra de títulos do tesouro no mercado secundário para, na madrugada de segunda-feira, a Comissão Europeia anunciar que o Banco Central Europeu passaria a intervir nos mercados de dívida pública e privada.

   Por cá, os inadiáveis investimentos em grandes obras públicas de José Sócrates definharam como um roseiral à míngua de água no deserto da Margem Sul e o aumento da carga fiscal entrou na ordem do dia.

   O argumento do momento é que, desta feita, o pacote de estabilização é suficientemente avantajado para sustentar o euro e salvaguardar a dívida soberana dos endividados e relapsos da Zona Euro.

   Todos os percalços serão esquecidos quando os resultados provarem o acerto do novíssimo pacote.

   Tem um senão.

                                O FMI como sustentáculo do euro
   Os 500 mil milhões da UE (60 mil milhões a disponibilizar pela Comissão através de empréstimos nos mercados dando como garantia o excedente orçamental comunitário e 440 mil milhões em empréstimos e garantias dos 16 mais Polónia e Suécia num Special Purpose Vehicle, instrumento de direito privado que durante três anos poderá apoiar estados em dificuldades) só fazem sentido com os 250 mil milhões do FMI e a intervenção dos bancos centrais dos Estados Unidos, do Japão, da Inglaterra, da Suíça, do Canadá para facilitar a liquidez de dólares para os bancos europeus.

   A participação do FMI (em que os actuais os estados do euro detêm uma quota de 22,87 % em direitos de voto) prova que a Zona Euro se revelou incapaz de impor as regras de disciplina orçamental acordadas entre os 16 e que a sua capacidade de endividamento se esgotou quando os défices orçamentais atingiram em 2009 os 6,3 % do PIB da eurolândia.

   A independência do BCE sai comprometida ao passar a aceitar intervier no mercado secundário, mesmo sem aumentar a oferta monetária, contra a posição do presidente do Bundesbank Axel Weber, e logo depois de ter aceite títulos de dívida grega como garantia para empréstimos.

   Se os estados da Zona Euro falharem na redução dos défices a pressão inflacionária far-se-á sentir e qualquer investidor passa a assumir como dado adquirido que, de facto, os défices orçamentais de estados relapsos serão em última análise cobertos pelos europarceiros solventes.

   A supervisão dos orçamentos nacionais por Bruxelas arrisca-se mesmo a ser contestada quando algum governo relapso sustentar não ter condições para impor sacrifícios sociais por risco de grave perturbação da ordem pública.

   Tal argumentação para solicitar ajuda financeira será apenas outro desenvolvimento sofístico da referência no artigo 122º do Tratado da União Europeia quanto às «dificuldades» ou «ameaça grave de dificuldades» em que possa vir a encontrar-se um Estado-membro por via de «ocorrências excepcionais que não possa controlar».

   Aguarda-se, entretanto, pela purga no Eurostat por comprovada complacência ante a falsificação sistemática da contabilidade pública grega, com conivência na última fase da Goldman Sachs e da JPMorgan o que sempre oferece desculpa para minimizar a cumplicidade política dos estados da Zona Euro.

                                        Alguém há-de pagar
   À distância de Pequim, Washington ou Brasília quem tiver capacidade de decisão política ou financeira depressa conclui que a Zona Euro só poderá subsistir por via de maior coordenação de políticas económicas e financeiras, com a correlativa disciplina orçamental que nunca foi imposta e que as infracções alemã e francesa de 2002 degradaram ainda mais.

   Existe, ainda, um risco acrescido de desacerto estratégico entre os 16 do euro e os demais 11 estados da União, e em primeiro lugar a Grã-Bretanha.

   Compromissos económico-financeiros tendentes à convergência e coordenação política na Zona Euro podem revelar-se eventualmente prejudiciais para os demais membros da União.

   Os diferenciais de produtividade e competitividade entre os estados da Zona Euro persistem, irão mesmo agravar-se nesta crise, e a capacidade de endividamento para cobrir os défices que daí advêm está agora estancada.

   A reestruturação da dívida de Atenas daqui por três anos, quando atingir os 150 do PIB, é a hipótese mais credível, e a ajuda de emergência não conseguirá obviar aos efeitos negativos da contracção da economia grega.

   A Zona Euro mostra-se demasiado heterogénea para ser consistente nas suas políticas financeiras.

   Há estados que só podem cair borda fora se for aplicada uma rigorosa disciplina financeira que lhe coarctará qualquer hipótese de crescimento nos anos mais próximos.

   Outros terão de sacrificar o crescimento económico à estabilidade orçamental e à contenção da dívida pública e privada com custos políticos e sociais eventualmente insuportáveis.

   Há ainda outro senão.

   De quem tem capacidade de decisão política esperam-se resultados. Só isso permite pensar em que promessas frustradas não sejam penalizadas politicamente. Os sucessivos volte-face descredibilizam governos e instituições e quando a credibilidade se vai tudo é possível.

   Face aos desenvolvimentos mais recentes porque irá alguém acreditar que os mais rigorosos planos de austeridade são mesmo para cumprir?

   Porque não contestar qualquer medida tida por prejudicial quando se pode sempre esperar que um governo acabe por ceder?

   E porque não ceder se continua a haver vida para além do défice desde que algum parceiro europeu acabe por entrar com o dinheiro em falta?

   E se já andamos nisto há dois ou três anos não conseguiremos mais uns tempos de tolerância?

   Umas quantas velas em Fátima bem podem arder em penitência pelo euro à espera de milagres.

Jornal de Negócios
12 Maio 2010

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