quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O espectro terrorista paira sobre a Rússia

Moscovo, 29 Março 2010

    Pouco depois do presidente Dmitri Medvedev ter anunciado, em Abril de 2009, o fim de uma década de "operações anti-terroristas" na Tchetchénia uma vaga de atentados no norte do Cáucaso obrigou o Kremlin a tomar medidas drásticas para conter a espiral de violência.

    O último Verão ficou marcado por um incremento de acções terroristas na Tchetchénia e, sobretudo, nas repúblicas vizinhas da Ingushétia e do Daguestão, não poupando também a Kabardino Balkaria.

    O recrudescimento da violência político-religiosa, saldando-se por 916 mortes confirmadas em 2009 contra 586 no ano anterior, foi ficando restrito ao norte do Cáucaso até, em Novembro, um atentado contra o comboio-expresso Moscovo-Sankt Petersburgo ter vitimado 27 pessoas.

    Finavam-se assim quase cinco anos de relativa calma para maioria da população russa em que separatistas do norte do Caúcaso não concretizaram atentados noutras regiões do país e confirmava-se o fracasso de Moscovo em estabilizar o flanco sul onde, segundo Medvedev, imperam "baixo nível de vida, elevado desemprego e a corrupção generalizada".

                            A ameaça de uma campanha terrorista
   Ao diagnóstico do presidente, tornado público durante uma visita à região em Junho, pode acrescentar-se a radicalização religiosa, confrontos entre seitas sufis e islamitas wahabitas, sentimentos separatistas anti-russos e lutas entre clãs e etnias pelo controlo político e esferas de influência nos circuitos das economias oficial e paralela.

    No imediato os atentados desta semana em Moscovo por duas bombistas suicidas originárias do norte do Caúcaso levantam dúvidas quanto à capacidade do Kremlin de evitar novos ataques capazes de tirarem lustro às comemorações em Maio dos 65 anos da vitória na II Guerra Mundial.

   O maior risco é, sobretudo, a previsível escalada de violência separatista para aproveitar a atenção internacional na contagem decrescente para as Olimpíadas de Inverno de 2014 em Sotchi, na província adjacente de Krasnodar.

    Um novo crescendo da xenofobia russa tendo como alvo os compatriotas do norte do Caúcaso - cinco milhões e meio de pessoas num dos mais complexos caldeirões étnicos do planeta -, abrangendo igualmente cristãos georgianos e ossetas, além de imigrantes da Ásia Central de religião muçulmana, é uma deriva inevitável que irá a par de um aumento da repressão e presença das forças militares e de segurança na região.

    Sinal do que está para vir foi a sugestão do chefe da Comissão de Investigação da Procuradoria da Rússia, Aleksandr Bastrikin, a 4 de Março, de criar uma base de dados com as impressões digitais de toda a população do norte do Caúcaso e a emissão de novas matrículas para veículos automóveis para monitorizar potenciais ameaças terroristas.

                                  Uma proliferação de conflitos
   A eclosão dos confrontos na Tchetchénia no dealbar dos anos 90, a guerra de 1994-1996, o subsequente conflito de 1999-2000, a instauração com beneplácito de Moscovo do regime do presidente Ramzan Kadirov apostado na islamização da república (presentemente com 1 milhão de habitantes), apoiando-se nas duas principais confrarias sufis (Kadiria e Nakshbandia) contra os fundamentalistas wahabitas, redundaram numa maior dispersão dos movimentos separatistas em toda a região.

   Na Ingushétia (cerca de 460 mil habitantes), em risco de renovado conflito com os vizinhos cristãos ossetas, a proliferação de um islão wahabita seguiu um curso semelhante ao do Daguestão (2,5 milhões de habitantes), assinalando-se idêntica tendência na Kabardino Balkaria (900 mil habitantes), enquanto na república de Karachaievo-Tcherkessia (aproximadamente 400 mil habitantes) Karachais e Balkars confrontam reivindicações de Circassianos e Abazas.

   A diversidade de conflitos no norte do Caúcaso dificulta uma estratégia concertada de estabilização por parte de Moscovo.

   A proliferação e conflitualidade dos diversos movimentos separatistas de tendência wahabita é ofuscada, contudo, pela predominância de tchetchenos e inguches na maior parte dos atentados terroristas anti-russos.

                                     As viúvas negras
   O aparecimento de mulheres bombistas-suicidas (na maioria tchetchenas, mas tendo sido identificadas também inguches) a partir de 2000 entrou, por sua vez, decisivamente no tradicional imaginário russo marcado pelo temor e fascinação pelas fúrias caucasianas desde as campanhas de conquista tzarista no início do século.

   Num contexto ainda mais complexo do que o que propiciou o bombismo suicida feminino entre curdos, tamiles ou palestinianos, as mártires (shadiki) do norte do Caúcaso transformaram-se em agentes essenciais nos mais recentes ataques separatistas.

   Conhecidas como viúvas negras entre a população russa, estas suicidas são conduzidas por convicção ideológico-religiosa e desejo de vingança por violência contra familiares e humilhações pessoais ou manipuladas por pressões sociais num contexto tradicional em que família e clã estão acima de tudo.

   Viúvas negras participaram nos principais ataques terroristas separatistas, caso dos sequestros no teatro Dubrovka, em Moscovo, em 2002, e na escola de Beslan, na Ossétia do Norte, em 2004, além dos atentados desse ano contra dois aviões comerciais russos que provocaram 89 mortos.

   O espectro das viúvas negras que paira sobre a Rússia é outro sinal da proliferação e dispersão de grupos terroristas islamitas no norte do Caúcaso apostados numa guerra santa que não deixa margem de manobra negocial para um Kremlin incapaz de definir uma estratégia de estabilização na mais conflituosa região do país



Jornal de Negócios
31 Março 2010

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