sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Se não o matarem...

   A manobra já foi realizada uma vez com êxito quando o Presidente Ayub Khan, o primeiro de uma longa série de golpistas, se afastou após 11 anos no poder para ceder o lugar ao seu chefe do Estado-Maior do Exército Yahya Khan, mas, desta feita, parece faltar uma alternativa militar ao general Pervez Musharraf.

  Em Março de 1969, com a passagem de testemunho a Yahya Khan, as chefias militares acordaram uma estratégia para perpetuar a ditadura e só a derrota dois anos depois na guerra com a Índia pela independência do Paquistão Oriental as levou a ceder o poder ao líder do Partido do Povo Zulfikar Ali Bhutto.

   Musharraf tem este exemplo bem presente.

   O general teme que a rebelião no Baluchistão e nas zonas tribais do Noroeste redunde em nova desagregação do estado paquistanês.

   O general vigia os seus altos comandos e colocou nos postos-chave homens de confiança.

   O número dois na chefia das forças armadas, Ashfaq Pervez Kiani, o director dos serviços de inteligência (ISI), Nadim Taj, e o responsável pelos serviços secretos militares, Nadim Ejaz, são generais que devem a carreira a Musharraf. Os arsenais nucleares continuam a cargo do general Khalid Kidwai, apesar de ter oficialmente passado à reserva em 2005. 

                                           Reprimir e dividir

   O general reprime as oposições, manipula os tribunais, impõe a censura, mas evitou até agora hostilizar directamente o Partido do Povo de Benazir Bhutto e os islamitas do Jamiat Ulema-i-Islam liderados por Faz ul Rahman.

   O islamita, figura importante na Província da Fronteira do Noroeste, e Benazir, com o seu bastião no Sind, são os potenciais aliados para uma partilha de poder.

   A manobra do general é clara, mas joga com muitos inimigos jurados.

   O apoio conjuntural do Muttahida Qaumi Mouvement (MQM) - o principal partido dos mohajir (muçulmanos de língua urdu oriundos da Índia após a Partilha de 1947, como é o caso de Musharraf) - pode ajudar o general a controlar a grande metrópole de Karachi, mas arrisca alienar Benazir Bhutto.

   Por mais esforços que os Estados Unidos tenham feito para encontrar um general que possa substituir Musharraf, o facto é que até agora o presidente continua a gozar da lealdade dos altos comandos.

   O maior risco para Musharraf passa por um alastrar da contestação no Punjab, onde é forte o apoio à Liga Muçulmana de Nawaz Shariff, que obrigue à intervenção das forças militares, alienando os oficiais de origem punjabi que predominam nas chefias do exército.

   Outro factor que escapa ao controlo do general é o acumular dos sinais de desmoralização e desorientação entre os 550 mil homens do exército, sobretudo entre os militares pashtun que representam um quarto dos efectivos, pelo fracasso em controlar as zonas tribais na fronteira com o Afeganistão.

   Sucedem-se deserções e rendições em massa de soldados a milícias islamitas como as ocorridas recentemente no vale de Swat e no sul do Waziristão.

  Apesar de ter destacado mais de 90 mil homens para o noroeste do país, o exército e o depauperado Corpo de Fronteira, 80 mil polícias militarizados recrutados localmente, revelam-se incapazes de controlar as tribos pashtun que contestam o governo de Islamabade e apoiam a insurreição taliban no Afegansitão.

   Se o general, forçado pelo agravamento da conjuntura económica e a contestação violenta, tentar cerrar fileiras jogando a cartada de destabilização na Caxemira indiana e manipulando acções terroristas na Índia corre o risco de gerar uma escalada militar potencialmente desastrosa como aconteceu em 1999 e 2002.    

   Caxemira e o confronto com a Índia continuarão, ainda assim, a servir de pretexto para canalizar a maioria dos mais de dez mil milhões de dólares de ajuda militar norte-americana para aquisição de armamento convencional em detrimento da formação de corpos especializados em operações anti-insurreição e antiterroristas, como tem vindo a acontecer desde 2001.

                                  Um assassínio muito provável

   O general pensa ter calculado bem a manobra e espera que conversações com Benazir Bhutto debilitem ainda mais o Partido do Povo para forçar uma ex-governante de má reputação a aceitar a sua permanência na presidência depois de um impasse eleitoral na votação que talvez possa ocorrer em Janeiro.

   O general sabe que a antiga primeira-ministra não goza de grandes simpatias nas hierarquias militares e carece de apoios nas regiões do sudoeste e do noroeste, fronteiriças do Irão e do Afeganistão e, consequentemente, vitais para os Estados Unidos.

   O general, se continuar a escapar às tentativas de assassinato dos islamitas, calcula ter boas hipóteses de neste segundo golpe, após oito anos no poder, conseguir neutralizar o aparelho judicial e dividir as oposições.

   O general manipulou o seu patrono norte-americano e está seguro que enquanto puder contar com as forças armadas, que sugam um quarto do orçamento, controlam empresas com um valor superior a 4 mil milhões de dólares e propriedades avaliadas em 20 mil milhões de dólares, não haverá quem o afaste do poder.

   É bem possível que Musharraf tenha razão e, por isso mesmo, será provavelmente assassinado, que é o que costuma acontecer nestes casos.

Jornal de Negócios
07 Novembro 2007

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