quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Nenhuma nação é uma ilha




    Na iminência de uma eleição que poderá custar cara ao “Partido Democrático do Japão” (PDJ) o governo de Yoshihiko Noda optou por nacionalizar três ilhas do arquipélago de Senkaku na posse de um empresário nipónico, abrindo o mais virulento confronto com a China desde a normalização das relações diplomáticas em 1972.

   A soberania nipónica sobre estas cinco ilhas e três rochedos é contestada pela China, que denomina o arquipélago Diaoyu, além de Taiwan, tendo o diferendo propiciado diversos incidentes desde os anos 90.

   Uma proposta de subscrição pública para a municipalidade de Tóquio adquirir as ilhas, administradas pela prefeitura de Okinawa, foi lançada este ano pelo governador da capital, Shintaro Ishihara, um nacionalista de direita proponente do reforço das capacidades militares do Japão.

                              Duas guerras e o mar imenso


   O arquipélago desabitado está na posse de Tóquio desde a vitória japonesa sobre a China na guerra de 1894-95 que viu Pequim perder Taiwan e o controlo da Coreia.

   A partir de 1945 as ilhas ficaram sob administração dos Estados Unidos que as reverteram para o Japão em 1971, tendo os sucessivos governos de Tóquio impedido até agora a presença no arquipélago de cidadãos nipónicos sem autorização oficial.


 

   O PDJ, no poder desde 2009, tem, no entanto, sido alvo de críticas pela oposição de centro-direita do “Partido Liberal-Democrático” por complacência e fraqueza ante as pretensões chinesas.

   Em Setembro de 2010 a detenção da tripulação de um arrastão chinês ao colidir em águas do arquipélago com dois navios-patrulha nipónicos provocou uma grave crise diplomática -- coincidente com uma disputa sobre exportações de minérios raros da China para o Japão – cuja resolução deixou na maioria da opinião pública nipónica a ideia de que PDJ não soubera assumir uma posição de força.

    O recente reavivar de disputas com a Coreia do Sul quanto a indemnizações de guerra e a soberania sobre as ilhotas e rochedos de Dokdo/Takeshima, controladas por Seul desde 1952, contribuiu, juntamente com a campanha de Ishihara e o temor de perdas eleitorais, para a decisão de Noda de comprar as três ilhas de Senkaku por 2,05 mil milhões de ienes (19,87 milhões de euros).

   A nacionalização de 11 de Setembro, uma semana antes do aniversário do início da invasão da China pelo Japão em 1931, foi pretexto para mais uma vaga de manifestações anti-nipónicas que, até ao momento, as autoridades de Pequim têm controlado em função dos seus interesses tal como aconteceu com os protestos depois do bombardeamento pela NATO da embaixada chinesa em Belgrado em 1999.


   O confronto sino-japonês surge, por sinal, num momento pouco auspicioso para Pequim em que a consagração de novos dirigentes no Congresso do Partido Comunista se vê abalada por graves escândalos de corrupção, abuso de poder e diferendos sobre estratégia económica.

                        Dinâmicas de confronto


   A imbricação entre a segunda maior economia do mundo (a China desde 2010) e a terceira maior economia conterá o conflito, malgrado o risco de uma escalada a curto prazo por via de provocações e desafios de parte a parte, mas não resolverá a questão de fundo.

   A China é o principal parceiro comercial do Japão, representando 21% das suas trocas comerciais e investimentos superiores a 83 mil milhões de dólares desde 1996.

   O Japão é, por sua vez, o quarto destino das exportações da China, e as trocas entre os dois estados equivalem a 9% do total da balança comercial de Pequim.

   As dinâmicas de poder são, contudo, pouco propícias a entendimentos a médio prazo.

   Antes do dobrar da metade do século o Japão encontrar-se-á em retracção demográfica aparentemente irreversível e a China terá uma população activa em redução acelerada ainda antes de o rendimento médio per capita ultrapassar os níveis próprios de um país em vias de desenvolvimento.

   As disputas pelo controlo de rotas marítimas e a projecção de poder militar, confundem-se com conflitos por recursos piscícolas, jazidas de petróleo e gás natural e estendem-se por uma vasta área em que a China reivindica direitos soberanos.

   O Mar do Sul da China é palco de acrimónia insolúvel entre a China, Vietname, Taiwan, Filipinas, Brunei e Malásia e -- tal como outros confrontos envolvendo Tóquio, Pequim e Seul – envolve, além de mitos nacionais, amargas memórias de guerras desencadeadas pelo Japão a partir do final do século XIX.

   O conflito entre a Rússia e o Japão sobre as Curilas cabe numa categoria diferente de diferendos sobre apropriações territorias no rescaldo da derrota do Império japonês em 1945, mas condiciona qualquer governo em Tóquio obrigando a não ceder nas disputas com a China ou a Coreia do Sul por questão de princípio.

   O sistema de alianças centrado em Washington acaba, finalmente, por envolver os Estados Unidos em todos os conflitos regionais.

   As disputas sobre ilhas, ilhotas e rochedos nos mares asiáticos do Pacífico são sinais de problemas que se avolumam.

Jornal de Negócios
18 Setembro 2012

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