domingo, 9 de setembro de 2012

Atolados de Gaza ao Jordão

 Faixa de Gaza


   É a última quimera nas chancelarias europeias e de Washington: apoiar um governo da Fatah na Cisjordânia, liderado por Mahmoud Abbas, e isolar Gaza com a ajuda do Egipto e a cumplicidade das monarquias sunitas do Médio Oriente.

   A melhoria das condições de vida dos dois milhões e meio de palestinianos da Cisjordânia, graças à eficiência e lisura administrativas da Fatah e à boa vontade de Israel, será, neste cálculo, o factor decisivo para provar a existência de uma alternativa credível aos habitantes de Gaza que acabarão por repudiar o Hamas.

   Os progressos nas negociações entre a Autoridade Palestiniana e Israel acabarão neste cenário por selar o isolamento e impotência dos islamitas a quem serão negadas quaisquer concessões políticas. Ao Hamas apenas será concedido o acesso a ajuda humanitária de emergência, fluxos mínimos de abastecimentos – electricidade, água, combustíveis – e trocas comerciais para obviar ao colapso de Gaza.

   Num primeiro momento Israel aceitou desbloquear cerca de 400 milhões de dólares de impostos e taxas devidos à Autoridade Palestiniana.

  Abbas reiterou, por sua vez, o compromisso de reconhecimento dos acordos estabelecidos entre a Autoridade Palestiniana e Israel. A União Europeia comprometeu-se a retomar a ajuda financeira embargada desde a formação do governo do Hamas em Março de 2006 e Washington pronunciou-se no mesmo sentido.

                                    A Fatah das quimeras

   Em Ramallah a nomeação para chefe de governo de Salam Fayyad, ministro das finanças entre 2002 e 2005, foi a solução encontrada dar uma nota de seriedade a um executivo sem figuras de peso político.

   Fayyad, que terá também a seu cargo as pastas dos negócios estrangeiros e das finanças, é, no entanto, apenas a face aceitável para uma reaproximação às capitais ocidentais. Os seus apoios políticos derivam do exterior, a sua margem de manobra está condicionada pelos interesses das facções da Fatah.

   O afastamento do antigo homem forte da Fatah em Gaza, Mohammed Dalan, foi entretanto consumado com a dissolução do Conselho Nacional de Segurança e a reorganização das forças de segurança ficou confiada a Abd Al Yahia, velho adversário de Arafat e falhado ministro do Interior nos idos de 2002.

   Al Yahia, que aos 78 anos é outra vez cara nova num sector fulcral da governação, reconheceu imediatamente não ter qualquer ideia de como impor em Gaza a ilegalização das milícias do Hamas, enquanto a Fatah prosseguia o desmantelamento das instituições ligadas aos islamitas na Cisjordânia.

   Independentemente do executivo nomeado por Abbas não ser reconhecido por um parlamento dominado pelo Hamas, cujos deputados são invariavelmente detidos por Israel, do presidente usurpar poderes e de ser impossível convocar eleições, a questão essencial tem a ver com a existência de uma efectiva dualidade de poderes: Gaza está nas mãos dos islamitas e a Cisjordânia sob controlo da Fatah.

   As duas forças não renegam o princípio de uma única entidade palestiniana, mas, na prática, agrava-se o fosso entre os habitantes de Gaza e da Cisjordânia.

   O primeiro problema para a Fatah será criar uma estrutura administrativa e de segurança na Cisjordânia expurgada de elementos do Hamas e gerir a ajuda internacional sem dar a impressão de que abandona à sua sorte os palestinianos de Gaza.

   A derrocada militar em Gaza não propicia grande confiança para o eventual esforço de apoio bélico à Fatah por parte de Israel, dos Estados Unidos e dos regimes árabes sunitas seus aliados.

   Práticas de boa governança são, por outro lado, impossíveis de criar num território sob controlo militar externo e dependente economicamente de Israel. Certas áreas da Cisjordânia – Nablus, por exemplo, onde o Hamas é maioritário – são tão ingovernáveis quanto Gaza.

   A segunda questão premente passa por Abbas conseguir que Israel liberte presos palestinianos, em particular o influente Marwan Barghouti, condenado a cinco penas de prisão perpétua, como sinal de boa vontade negocial.

   Dificilmente Israel cederá neste ponto e caso Barghouti voltasse a Ramallah constituir-se-ia à sua volta uma nova frente política capaz de agregar os descontentes da Fatah e islamitas próximos do Hamas e da Jihad Islâmica.

   Em terceiro lugar, os termos de eventuais negociações com Israel são absolutamente desfavoráveis à Fatah e condenam Abbas ao fracasso.

                            Israel sem interesse em concessões

   A esmagadora maioria dos israelitas recusa concessões territoriais que levem ao desmantelamento dos colonatos na Cisjordânia, que albergam 450 mil judeus, e apoia a manutenção da barreira de segurança e a fixação unilateral de fronteiras.

   Todas as sondagens indicam, ainda, que em Israel, após o fracasso da retirada unilateral de Gaza, o descalabro militar no Líbano e ante a persistência de ataques terroristas intermitentes oriundos dos territórios palestinianos, não existem condições políticas para negociações.

   Nem a partilha de Jerusalém é aceite, nem compensações aos quatro milhões de refugiados palestinianos estão em agenda.

   Transformar a Fatah numa entidade clientelar e subordinada numa Cisjordânia enxameada de colonatos e controlos militares israelitas é uma tentação impossível dado o irredentismo palestiniano.

   Após as primeiras tentativas de conversações Israel tentará convencer os seus aliados de que Abbas não reúne quaisquer condições para fazer valer compromissos de segurança e controlo administrativo na Cisjordânia.

   Israel terá ainda de negociar com o Hamas os controlos fronteiriços de Gaza e a passagem de boa parte da ajuda internacional que sustenta 85 por cento dos 1,4 milhões de palestinianos do enclave.

   Da parte do Cairo não se poderá esperar muito para evitar o contrabando e entrada de armamento em Gaza em contrapeso à ajuda internacional pois uma cooperação declarada com Israel não seria de bom-tom para o regime de Mubarak apostado no combate aos islamitas egípcios, parceiros do Hamas, mas necessitado da legitimidade que só a alegada solidariedade árabe confere.

   O Egipto, tal como a Jordânia ou a Arábia Saudita não podem, além disso, cortar as pontes com os islamitas palestinianos pois caber-lhes-á a curto prazo a tentativa de relançar negociações entre a Fatah e o Hamas.

                                         O crescente verde

   Os islamitas de Ismail Haniya em Gaza tenderão no imediato, por força da necessidade de negociar directamente com Israel, a evitar confrontos com o exército de Telavive e deixarão provavelmente a retórica de rejeição da existência do estado judaico para os seus correligionários exilados em Damasco sob a chefia de Khaleed Meshall a quem coube já, também, os primeiros sinais de abertura para negociações com Abbas.

   O sucesso da islamização de Gaza é uma incógnita e a possibilidade de actos de provocação e de acções terroristas a partir do enclave deixa em aberto a eventualidade de ataques israelitas que tenderão a ficar aquém da reocupação, apesar de Israel poder optar por estabelecer zonas tampão no norte e no sul do enclave.

   Os equilíbrios que vierem a ser conseguidos nas próximas semanas estarão dependentes de saber quem quebrará primeiro e da instável situação no Líbano.

   De um lado, o Hamas que caso se veja incapaz de administrar Gaza poderá optar por lançar novas ofensivas contra Israel.

   Do outro, Abbas que impotente para se afirmar como líder nacionalista capaz de arrancar concessões a Israel arrisca ver ruir o domínio da Fatah na Cisjordânia.

   Seja como for um nacionalismo palestiniano com uma vertente acentuadamente islamita tenderá a afirmar-se cada vez mais.

  Até porque por parte de Israel não se justifica presentemente fazer concessões aos palestinianos e nenhuma pressão norte-americana nesse sentido se fará sentir nos tempos mais próximos.



Jornal de Negócios
20 Junho 2007

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