sábado, 29 de dezembro de 2012

Grandes Herdeiros






   A divulgação das fotografias na internet das gémeas em lingerie foi fatal para Qi Fang que acabou demitido no princípio de Dezembro por abuso de poder e corrupção.

   O chefe da polícia de Wusu, na província de Xinjiang, noroeste da China, mantinha à custa do erário público num apartamento de luxo as duas irmãs que faziam a inveja de camaradas e meros mortais.

   A malfeitoria levou os media oficiais a condenaram lapidarmente o camarada Qi e a uma rectificação: as jovens eram de facto irmãs, mas não se tratava de gémeas.

  A inesperada precisão não se perdeu entre as dezenas de escândalos sexuais e financeiros denunciados por blogues, redes sociais e na media sob controlo do estado após o Congresso do Partido Comunista (PCC) ter consagrado em Novembro a nova liderança de Xi Jinping.

  A luta contra a corrupção foi apontada, à semelhança do que já ocorrera com o antecessor Hu Jintao, como uma prioridade por Xi na sequência de processos envolvendo altos dirigentes como o ministro dos transportes ferroviários, Liu Zhinjun, ou Bo Xilai, chefe do partido em Chongqing, membro da Comissão Política, filho de Bo Yibo, um dos grandes do pós-maoísmo.

  O ano passado terá visto agravar-se a corrupção que em 2011, segundo um relatório agora divulgado pela Academia Chinesa de Ciências Sociais, levara à demissão de 4 843 quadros com funções a nível distrital ou superior.

  Conivências pessoais, redes alargadas de patrocínio, o tradicional guangxi, expandiram-se a todos os níveis da administração controlada pelo PCC, tornando extremamente difícil a erradicação de cliques corruptas, de acordo com investigadores chineses entrevistados recentemente pelo semanário O Observador Económico, de Pequim.

  A denúncia não-oficial de casos de corrupção, a par de actos de contestação política, expandiu-se de tal forma que obrigou as autoridades a adoptaram regras mais restritas de uso da internet por parte dos 538 milhões de utentes registados oficialmente no final do primeiro semestre de 2012.

  O retrato do guangxi comunista ficou, entretanto, muito mais preciso em 2012 graças a uma série de grandes investigações de orgãos de comunicação social norte-americanos cada vez mais empenhados em decifrar os fluxos de poder na China.

  The New York Times revelou em Outubro que familiares do primeiro-ministro Wen Jiabao, que abandonará o cargo em Março após uma década de governação, acumularam activos no valor de 2,7 mil milhões USD.

   O acesso ao jornal foi bloqueado na China tal como sucedeu ao serviço noticioso da Bloomberg depois de anunciar em Junho que familiares de Xi Jinping -- excluindo mulher e filha, mas com destaque para a sua irmã Qi Qiaoqiao – eram detentores de activos no montante de 376 milhões USD e propriedades em Hong Kong avaliadas em 55,6 milhões USD.

  A fechar o ano The Wall Street Journal apurava que os 75 milionários membros do Congresso Nacional do Povo tinham aumentado as suas fortunas mais rapidamente do que os demais confrades constantes da lista dos 1 024 chineses mais ricos compilada pelo Hurun Report, de Xangai.

  A riqueza dos 75 deputados, que detinham no conjunto activos superiores a mil milhões USD, aumentou 81% entre 2007 e 2012. Por comparação os activos de milionários sem cargos políticos registaram um acréscimo médio de 47%

  A Bloomberg apresentou, por sua vez, uma exaustiva investigação das fortunas de descendentes directos e seus cônjuges dos “Oito Anciãos”, o núcleo duro que em torno de Deng Xiaoping lançou as reformas económicas do pós-maoísmo.

   Entre os herdeiros dos “Oito Imortais” -- como por irrisão e em louvor da tradição popular taoísta dos “Oito Sábios” ficaram conhecidos os patriarcas comunistas – destacavam-se Wang Ju, He Ping e Chen Yuan que chegaram a controlar empresas estatais com activos no valor de 1,6 triliões USD no final de 2011, quase 1/5 do PIB da China.

  Entre estes 103 camaradas três estão actualmente no topo do poder.
  Xi Jianping e outros dois dirigentes dos sete membros do Comité Permanente da Comissão Política são filhos de Imortais e um quarto, Wang Qishan, é casado com a filha de um Imortal.

  A ascensão da aristocracia comunista desde o início das reformas nos anos 80 processou-se através do controlo de empresas estatais e de investimentos em Hong Kong e Macau que, posteriormente, alargaram os seus interesses ao estrangeiro.

  Numa segunda fase os Grandes Herdeiros, se assim se lhes pode chamar, apostaram no sector privado, sobretudo na área financeira e tecnológica, mas sempre com a rede protectora do guangxi.

  Filhos, filhas, netas e netos dos Imortais contam-se entre os maiores ganhadores das reformas que relançaram a fortuna da China e levaram cerca de 600 milhões de pessoas a escaparem a situações de probreza.

  O custo de uma acentuada desigualdade social em que, presentemente, um por cento da população detém 41,4 da riqueza nacional, tem uma vertente política em que poder partidário, administrativo, económico e financeiro se confundem sem remissão.


Jornal de Negócios
2 Janeiro 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/joao_carlos_barradas/detalhe/grandes_herdeiros.html

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