quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O transe da guerra




Aleppo, Agosto 2012
(Foto Nicole Tung)


  Na Síria Bashar al Assad resiste após quase três anos de protestos e combates, mas é já impossível evitar o pior que inevitavelmente irá pesar sobre levantinos e europeus.

  A guerra civil assumiu um irremediável cunho sectário, opondo comunidades tribais, étnicas e religiosas, e, assim, tornaram-se extraordinariamente difíceis compromissos políticos que preservem a integridade do estado.

  Na frente militar o regime de al Assad concentra esforços no controlo da capital, de Aleppo, a urbe mais populosa, e outras cidades estratégicas como Homs e Hama, ainda que ao custo de perder temporariamente o domínio para forças rebeldes de bairros e subúrbios nestes centros urbanos.

  A província de Lakatia na costa do Mediterrâneo surge cada vez mais como o derradeiro reduto da minoria alauíta, uma variante esotérica e heterodoxa do xiismo que nos anos 60 arrebatou o poder político e militar na antiga província do Império Otomano, posteriormente mandato francês até 1946.

  A hegemonia política alauíta (cerca de 10% da população), graças ao assentimento da oligarquia de negócios sunita e de minorias, como cristãos ou druzos, finou-se e a balança do poder pende agora para a maioria sunita que engloba 70% dos sírios.

  A rede de alianças com tribos árabes sunitas – caso dos Hadidyn, Shammar e Tay – que Hafez al Assad consolidou a partir dos anos 70 é cada vez mais frágil, sobretudo a partir do momento em que outras tribos, como os al Neim, entraram em ruptura com os alauítas.

  A virulência dos combates numa guerra essencialmente urbana, com combates pelo efectivo controlo territorial e de populações, deixa escassa margem para compromissos.

  Face à superioridade militar convencional do regime os grupos rebeldes optaram por tácticas que implicam o sacrifício de grande número de civis, além de actos terroristas, o que, contudo, não obstou ao contínuo fluxo de armamento e financiamentos por parte de estados como o Qatar, a França ou os Estados Unidos, além da vizinha Turquia.

  A brutalidade da repressão do regime do partido Ba´ath reforçou a militância islamita que predomina entre os grupos combatentes propensos, por seu turno, à prática de atrocidades exemplares.

  Soou a hora da vingança pelo massacre dos revoltosos dos Irmãos Muçulmanos em 1979 e 1982.

  Os curdos, 250 mil almas entre 22 milhões de sírios, depois de al Assad ter-lhes reconhecido no ano passado a nacionalidade síria que fora retirada em 1962, enquistaram-se, por sua vez, nas suas regiões do norte do país opondo-se a árabes e outras minorias.

  Para desconcerto e preocupação de Damasco, Ancara e dos xiitas no poder em Bagdade a minoria curda síria joga agora por sua própria conta.

  A alienação dos curdos, bem como a diminuta influência sobre as operações militares no terreno, é um dos factores a retirar credibilidade à Coligação Nacional Síria, liderada pelo sunita Mouaz al Kathib, apesar do reconhecimento concedido por Washington, a Turquia, a União Europeia e as monarquias sunitas do Golfo.

  Numa fase da guerra em que grupos sunitas islamitas predominam na liderança das acções militares conta al Assad, ignorando promessas de mediação diplomática, as milícias salafistas mostram-se, por sua vez, particularmente activas no norte e noroeste, designadamente nas províncias de Aleppo e Idlib.

  Grupos como Jahbat al Nusra, (“Frente para a Vitória do Povo Sírio”) mobilizando confrades sunitas iraquianos, afirmam-se irredutíveis na luta pela reconstituição do califado no estrito rigor dos ensinamentos do Profeta.

  Estes islamitas radicais, presentemente apresentados como herdeiros do manto da Al Qaeda e denunciados como terroristas por Washington, dispersam-se na prática por várias organizações e, pelo recurso sistemático a tácticas de terror, estão apostados em sangrar a Síria por muitos anos.

  Chegados ao Ano III da Guerra as peripécias e atrocidades que irão marcar a era pós-al Assad deixam antever uma devastação que torna a paz improvável pelos tempos mais próximos.

  Enleada em todos os conflitos do Levante a Síria atormentará países vizinhos, será palco de confrontos de influências entre potências longínquas e potentados regionais e na iminência de um conflito mais vasto do Mar Cáspio ao Golfo Pérsico marcará o ano 2013 como um factor de imensa instabilidade.

  Uma guerra longínqua pouco ou nada aparenta ter a ver com as superação da crise portuguesa e europeia, mas, por mais que a queiram ignorar, muito pesará no cálculo de custos estratégicos.

Jornal de Negócios
26 Dezembro 2012

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