quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Há mais inquietação além do spread




   Com notória astúcia política, cultivada e apurada desde que Silvio Berlusconi o nomeou comissário europeu em 1994, Mario Monti mantém em aberto todas as hipóteses quanto às suas próximas iniciativas.

   Monti conta fazer-se imprescindível para uma solução governativa impulsionada pelo Partito Democratico do ex-comunista Pier Luigi Bersani que, antes da convocação de eleições legislativas para Fevereiro, liderava as sondagens com 30% a 38% das intenção de voto.

   Retorno à chefia de um governo de Roma ou eleição como presidente da República são hipóteses ao alcance imediato do economista lombardo que poderá ainda aspirar a outros voos quando Van Rompuy e Durão Barroso terminarem os seus mandatos no final de 2014.

   O anúncio de demissão imediamente após Berlusconi retirar apoio ao executivo demonstra que Monti, mesmo a custo da aprovação de legislação importante como as revisões do código fiscal e ordenamento administrativo, pretendeu salvaguardar-se o mais possível dos previsíveis ataques do Cavaliere a quem passou a responder taco a taco.

   O Popolo della Libertà arranca com 14% a 18% das intenções de voto e Berlusconi dificilmente congregará uma coligação de centro-direito com apoio da Lega Nord capaz de se impor aos partidos do centro-esquerda.

   A denúncia de uma política recessiva e subserviente a Berlim pode calar fundo no eleitorado, mas para Berlusconi se esquivar às responsabilidades na crise que o obrigou a ter de apoiar uma solução tecnocrática em Novembro de 2011 será preciso ultrapassar reticências e suspeitas quanto a litígios judiciais, interesses pessoais e empresariais.

   A taxa de aprovação pessoal do Cavaliere, segundo uma sondagem da demos & PI publicada dia 7, é de 21%, bem pior do que a de Matteo Renzi (62%) -- o presidente da câmara de Florença oriundo da ala esquerda da democracia-cristã batido este mês por Bersani (50% de aprovação) na eleição para a liderança da coligação Bene Comune que mobiliza socialistas, ex-comunistas e verdes – e de Monti (47%).

  O MoVimento 5 Stelle, lançado em 2009 pelo comediante Beppe Grillo, é, por seu turno, o contraponto anti-sistema de vertente anarquista e populista de democracia directa, que após sucessivos êxitos em eleições locais e regionais cativa presentemente 15% a 20% das intenções de voto.

   Iniciativas de “protesto anti-política” assumem de resto um cunho “cada vez mais radical e consistente” tendo mobilizado 4% da população e 13% dos jovens que são afectados por uma taxa de desemprego de 36,5%, segundo o balanço da situação social 2012 que o Centri Studi Investimenti Sociali acaba de divulgar.

   O instituto de Roma assinala no seu 46º relatório anual que a “degradação moral da política e a corrupção” são tidas por 43% dos inquiridos como causa principal da actual crise, bem à frente do “desperdício de recursos públicos e clientelismo” (27%) ou da “evasão fiscal” (26%).

   A “revolta” é o sentimento mais verbalizado pelos inquiridos (52%) seguido do “medo” (21%), num país em que apenas 22% dos cidadãos mostram confiança na União Europeia.

   Este sentimento difuso de nojo constrata com a apreciação globalmente positiva que investidores e decisores políticos não-italianos atribuem às reformas encetadas por Monti para a estabilização da situação financeira e reabilitação da credibilidade de Roma após os desvarios do quarto governo Berlusconi.

   Cinco trimestres de recessão que culminarão numa contracção do PIB de 2,3% do PIB este ano -- sem expectativa de inversão de tendência em 2013 quando a dívida pública alcançar os 128% -- e 11% de desemprego têm efeitos negativos no quotidiano da maioria da população, com uma quebra de 5% no consumo, apesar das vantagens que possam apresentar indicadores como o saldo orçamental primário positivo de 3,6% com que o Professore se despedirá.

   Demagogo e irresponsável bem pode Berlusconi abominar o prémio de risco como cabala política e financeira contra sua excelsa e impoluta governação, mas por toda a Itália se nota uma inquietação bem além do spread que a maior parte dos governos europeus faz por ignorar por sua conta e risco.

Jornal de Negócios

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