quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O precipício americano




   Quando a poeira assentar, reconfirmadas as maiorias republicana na Câmara de Representantes e democrática no Senado, os dois partidos terão de chegar a um compromisso para evitar a 1 de Janeiro cortes de despesas e aumentos de impostos superiores a 600 mil milhões de dólares.

   Se Barack Obama conseguir a reeleição para escapar ao chamado “precipício orçamental” terá de retomar negociações com democratas a aceitarem reduções em programas assistenciais, sobretudo o Medicare e Medicaid, a troco de republicanos admitirem aumentos de impostos para rendimentos superiores a 250 mil USD/ano.

   Uma vitória de Mitt Romney obrigará a um maior compasso de espera já que o novo Congresso só toma posse a 3 de Janeiro e o presidente 17 dias mais tarde.

   Uma prorrogação com efectivos retroactivos das isenções e benefícios fiscais em vigor até 31 de Dezembro serviria a Romney para fazer avançar uma lógica negocial diferente, mas visando igualmente um acordo rápido de forma a mitigar os cortes obrigatórios na despesa federal.

   O republicano insistiria em reduções no sector da Defesa abaixo dos 9,4% previstos e numa reconfiguração da carga fiscal beneficiando proporcionalmente categorias de rendimentos mais elevados e com maior capacidade de investimento.

   O impacto económico negativo dos cortes de despesa e aumentos de impostos obriga a um acordo nas grandes linhas do discutido no Verão de 2011 quanto a redução do défice orçamental em 4 triliões de dólares numa década e à adopção de medidas para evitar que dívida pública, rondando presentemente os 72% do PIB, ultrapasse os 100% em 2020.

   Perca ou ganhe Romney, que apresentou como objectivo a redução em quatro anos a despesa federal de 24% para 20% do PIB, a ala republicana mais radical insistirá na recusa genérica de aumentos de impostos.

   Os democratas mais próximos dos sectores sociais dependentes do apoio estatal, sensivelmente um terço da população, tenderão a responder com reforçadas exigências de intervenção e regulação federal dita anti-plutocrática e de estímulo à criação de emprego.

   A extrema dificuldade em chegar a compromissos políticos entre republicanos e democratas, as dissencões entre várias vertentes de poderes do sistema político augura desordem e acordos meramente parciais agravando a prazo o défice orçamental, a dívida pública e bloqueando reformas estruturais.

  Numa fase de transição demográfica em que a geração da mitologia baby boomer -- pele branca, ideologia contestatária e consumista que tanta abarca Bill Clinton como George W. Bush – caminha para a reforma imperam contraditórias percepções e valorações sociais em reacção a uma crescente desigualdade social e ante reequilíbrios étnicos inéditos.

   Acentuam-se, assim, revoltas ante perdas de estatuto e expectativas frustradas inquinando de tal forma a política norte-americana que a polarização partidária é de regra.

  As polémicas sobre integração e expulsão de residentes ilegais -- cerca de 10 a 11 milhões de imigrantes clandestinos, sendo quase 80% hispano-americanos – revelam-se, desta forma, algo de intratável à imagem do que o futuro próximo reserva para questões ambientais.

  A virulência desta disputa só é comparável à controvérsia sobre o direito ao aborto que, ainda assim, se dilui em opções individuais irredutíveis à legislação vigente independentemente dos dramas pessoais, da afirmação feminista de igualdade de direitos e dos controversos direitos dos fetos.

   Desde 2008 e depois de Obama ter evitado por um triz uma depressão o drama da desigualdade ganha, contudo, cada vez mais expressão.

   O Departamento de Censos apurou que em 2011 o Índice Gini se cifrava em 0,463, o pior registo de desigualdade social das últimas quatro décadas (0 corresponde a igualdade absoluta e 1 à posse da totalidade do rendimento por uma única pessoa).

   Em 1980 as unidades familiares mais ricas, 5% dos contribuintes, detinham 16,5% da totalidade do rendimento nacional, mas em 2011 essa percentagem subira para 22,3%.

  As famílias de rendimentos médios absorviam, por sua vez, 51,7% do rendimento disponível em 1980 e apenas 45,7% no ano passado.

  O rendimento médio em 2011 era de 50 054 USD/ano e 46,2 milhões de norte-americanos quedavam-se abaixo do limiar da pobreza, definido para uma família de quatro pessoas em 23 021 USD/ano

  Subsídios directos e indirectos obviam a deterioração ainda pior das condições de vida das classes de menores rendimentos e apesar de em 2011 46% das famílias não terem pago imposto federal sobre o rendimento 2/3 efectuaram descontos para a Segurança Social e o Medicare.

  Da degradação de infraestruturas às carências educativas, passando pela potência comercial da China, os temores e revolta quanto à perda relativa de capacidade competitiva dos Estados Unidos ganham força.

  Temerosas ante precipícios nunca vislumbrados as tribos políticas norte-americanos cerram fileiras em torno das suas certezas e o país racha ao meio.

Jornal de Negócios, 7 Novembro 2012

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