quarta-feira, 17 de abril de 2013

Do euro ao ressentimento






   Os pressupostos em que assentou a União Europeia após a derrocada comunista no continente e a reunificação alemã estão a esboroar-se e a acrimónia entre alemães e gregos por indemnizações de guerra augura polémicas ainda mais virulentas.

   O euro, com que François Mitterrand pretendeu conter a Alemanha reunificada garantindo a hegemonia do duopólio político de Paris e Berlim e que Helmut Kohl impôs sem contemplações democráticas aos seus conterrâneos, degenerou num factor divisivo entre os estados da moeda única, alienando, ainda, demais parceiros comunitários.

   A actual prepoderância económica, financeira e política de Berlim vai ao arrepio dos equilíbrios do pós-guerra, sustentados militarmente pelas garantias de defesa norte-americanas ante o Pacto de Varsóvia.

   A crise de uma união monetária imperfeita e sem contraponto político gera crescentes ressentimentos que reabrem memórias dos ódios das grandes guerras europeias do século XX.

   A integração alemã no bloco ocidental passou a partir de 1948 pelo Plano Marshal, que abriu caminho para a entrada de Bona na "Comunidade Europeia do Carvão e do Aço" em 1952, e culminou no rearmamento da República Federal com a adesão à NATO em 1955, seis anos após a criação da aliança militar.

                                       Perdão à Alemanha

   O perdão de dívidas contraídas pela Alemanha após a I Guerra Mundial, inspirado por Washington, ficou consagrado no "Acordo de Londres" de 1953, reduzindo em cerca de metade para 15 mil milhões de marcos os compromissos de Bona a pagar num prazo superior a 30 anos.

   A Alemanha reunificada pagou, assim, em 3 de Outubro de 2010 a derradeira "tranche" de 94 milhões de dólares relativa a obrigações emitidas entre 1924 e 1930 e adquiridas sobretudo por investidores norte-americanos.

   Fechava-se um ciclo iniciado com a lógica punitiva do "Tratado de Versalhes" de 1919 que condenara Berlim a indemnizações rondando 269 mil milhões de marcos-ouro, o equivalente a 96 mil toneladas de ouro.

   Sucessivos incumprimentos pela República de Weimar obrigaram a um acordo em 1929 baixando a dívida de Berlim para 112 mil milhões de marcos-ouro a pagar a 59 anos.

   O acordo acabara suspenso em 1931 por incumprimento de Berlim e quando Hitler chegou ao poder em 1933 rejeitou todas as indemnizações de guerra e o pagamento das obrigações emitidas.

                                        O rancor da Grécia

   O acordo e perdão que cobriu dívidas das duas guerras foi ratificado por Atenas que, em 1946, na "Conferência de Paz de Paris" aceitara indemnizações diminutas por parte da RFA no montante de 45 milhões de dólares a valores de 1938.

   Bona pagou ainda 115 milhões de marcos (58 milhões de euros) em 1960 no âmbito de outro acordo com Atenas que, do ponto de vista da RFA, pôs termo a pedidos de indemnizações individuais de vítimas da ocupação nazi.

   Apesar disso mais processos particulares de indemnizações foram encetados, estando em apreciação no "Tribunal Internacional de Justiça" de Haia um pedido de indemnização de 37,5 milhões de euros aos herdeiros das 218 vítimas do massacre nazi de civis na cidade de Distomo em Junho de 1944.

   Os "empréstimos de guerra" compulsivos que os nazis extorquiram à Grécia durante a ocupação entre 1941 e 1944, não cobertos pelo "Acordo de Londres", são, igualmente, matéria polémica.

   A Grécia foi um dos países mais flagelados pela ocupação alemã, italiana e búlgara, tendo sofrido mais de 300 mil mortos, uma perda de 4,5% da população, percentagem só superada no conflito europeu pela própria Alemanha e Aústria, União Soviética, Letónia, Lituânia, Polónia, Hungria e Jugoslávia.

   A guerra civil de 1946-1949 colocou Atenas firmemente no bloco anti-comunista, mas as memórias da ocupação e o rancor nunca se desvaneceram completamente.

   O entendimento com Bona foi sempre questão de relação estado a estado, apesar da emigração grega para a Alemanha e o intercâmbio económico aproximarem cada vez mais os dois países.

   A queda da Junta Militar, que governara Atenas entre 1967 e 1974, não alterou substancialmente a situação.

   Conservadores e socialistas pactuaram um estado clientelar, integrando os derrotados na guerra civil, que desde a entrada da Grécia na CEE em 1981 gozou e abusou de financiamentos comunitários, escusando-se a hostilizar a Alemanha, mas ao eclodir a crise de 2009 o panorama alterou-se.

   Logo em Fevereiro de 2010 o vice-primeiro-ministro Theodoros Pangalos acusou a Alemanha de não ter devolvido o ouro roubado pelos nazis ao Banco Central da Grécia, afirmando que a questão teria de ser resolvida.

  Acusações similares foram-se sucedendo à esquerda e à direita, evocando verbas na ordem dos 160 mil milhões de euros, à medida que na Alemanha crescia a hostilidade contra o "estado vígaro ateniense" e a irresponsabilidade financeira helénica.

  O governo de Antonis Samaras, entretanto, deixou este mês vir a público um relatório que encomendara sobre dívidas de guerra alemãs em Dezembro de 2012, seis meses depois do líder conservador formar governo com apoio dos socialistas e da esquerda democrática.

  O relatório apurou alegadas responsabilidades alemãs por dívidas de guerra e indemnizações ao estado e particulares no montante de 162 mil milhões de euros, cerca de 80% do actual PIB da Grécia.

   A polémica não vai ficar por aqui, apesar de a capacidade negocial do actual executivo de Atenas ser diminuta, e alastrará pela Europa.

  Os interditos, as memórias reprimidas de conflitos, que permitiram negociar pacificamente em quase toda a Europa, com a excepção particularmente sangrenta da Jugoslávia, acordos de cooperação e integração económica e política, começam a dar lugar a polémicas reavivando velhos ódios e temores.

  Nada de bom sairá daqui.




Jornal de Negócios
17 de Abril 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/do_euro_ao_ressentimento.html

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