terça-feira, 16 de abril de 2013

Media, governo e administração em Timor-Leste


Photo: a aldeia global
Foto Carlos Narciso

Exmo. Senhor Presidente do Parlamento Nacional, Vicente      Guterres,
Exmo. Senhor Dr. Mari Alkatiri,
Exmos. Senhoras e Senhores Oradores,
Exmos. Participantes e Convidados,

  Informação é poder. Produzir informação credível, divulgá-la com eficácia junto de públicos-alvo bem definidos é uma componente essencial da política de comunicação de todos os governos. É fundamental para qualquer orgão de soberania, instituição do estado e entidade da administração pública.

  Dito isto, vou abordar sucintamente algumas questões fundamentais do que creio devam ser as prioridades da política de informação do estado timorense para o exterior.

  Não me cabe naturalmente a mim indicar quais as políticas a seguir. Isso é, obviamente, matéria soberana da República Democrática de Timor-Leste.

  Acompanho há muito as questões de Timor e sei quanto vos custou ganhar essa soberania de estado independente que naturalmente tanto prezam.

  Noutros tempos bem difíceis para Timor discuti com toda a liberdade questões ligadas à luta pela independência, à viabilidade de um estado soberano. Isso nem sempre era bem compreendido.

  Tentei relatar com o máximo rigor e objectividade eventos e processos políticos, comentei, louvando ou criticando, opções tomadas por altura de 1999, e depois de concretizada a independência.

  Muito aprendi em discussões com timorenses, indonésios, australianos e pessoas de tantas outras nacionalidade. Nessas conversas por vezes, diga-se em abono da verdade, muito nos exaltávamos por razões ideológicas, opções tácticas, ou qualquer outro apaixonante tópico.

  Em todas essas trocas de argumentos acabava inevitavelmente por sobressair a importância da política de informação.

  Creio que na resistência interna e externa os dirigentes e militantes independentistas timorenses, bem como quem os apoiava ou combatia, sempre tiveram isso presente.

  Lembro-me claramente da importância que lhe dava, por exemplo, o saudoso Padre Xico.

  Um querido amigo com quem me cruzei em Macau.

  Faço questão de o evocar em homenagem a gente conhecida ou que no anonimato tanto ajudou a criar condições para termos conversas como esta, aqui e agora.


  Francisco Maria Fernandes, um coração grande que nunca esqueceu a sua Lacló natal, era incansável e exemplar.

  Jogava com as emoções e sabia, igualmente, apresentar argumentos bem sustentados.

  Tinha atenção ao rigor, mas também acabava por confessar entre amigos que, por vezes, muito raras vezes -- dizia ele com um sorriso maroto -- e só mesmo em casos extremos, tinha exagerado ou omitido certas coisas menos felizes que podiam prejudicar o povo timorense por amor a uma causa maior.

  O padre Xico tinha fé em Deus e paixão por Timor. Era impossível o mais céptico ou irónico dos jornalistas zangar-se com ele por causa daqueles pecados de omissões e exageros que só podiam ser coisa pouca, coisa muito pouca, como ele dizia.

  Todos o respeitavam porque o Padre Xico também sabia escutar críticas, esforçava-se por compreender as dúvidas dos outros, muito meditava sobre as suas próprias dúvidas.

  E é por isso que venho aqui chamar a atenção para alguns tópicos com a mesma liberdade com que o faria se estivesse a falar com o Padre Xico.

  Primeiro, visto de fora, visto de Portugal onde trabalho, não tenho a certeza de que aquilo que penso serem as prioridades informativas da República Democrática estejam a ser devidamente concretizadas.

  Por princípio, uma vez definidas as grandes linhas da política externa, a mensagem a transmitir deve ser coerente. Não varia em função do destinatário ao sublinhar os grandes objectivos estratégicos, mas tem de ser adaptada.

  É preciso ter em conta quais os aspectos a destacar ao ter como receptor da nossa mensagem determinado destinário, ao dialogar com certos interlocutores.

  Consideremos, então, os principais alvos da política externa timorense.

  Comecemos pela Associação das Nações do Sudeste Asiático. A ASEAN, para usar o acrónimo inglês, a língua veicular da região.

  É uma entidade congregando estados com interesses, níveis de desenvolvimento e sistemas políticos bastante díspares a que Timor aspira aderir o mais depressa possível.

  Neste caso não sei se foi utilizado eficazmente o argumento de que a adesão poderá contribuir precisamente para ajudar a ultrapassar carências materiais e humanas que limitam a capacidade para uma plena integração.

  Sei que este argumento tem falhas, tenho a certeza de que não convencerá muito político em Singapura, mas ainda assim apresenta algumas virtualidades.

  Contudo, noto com preocupação que há, em geral, algum vitimismo no discurso diplomático timorense e no caso da ASEAN a culpa seria de Singapura.

  Isto é, queixam-se frequentemente de serem vítimas de pressões alheias ou prejudicados por interesses ignobéis.

  Podem ter razão por vezes, mas não esqueçam que neste mundo tudo é conflito de interesses.

  Timor também tem interesses próprios que podem colidir com os de outros estados. Não há inocentes.

  É mais eficaz em certos contextos assumir divergências de interesses ou de apreciações, sublinhando a disponibilidade para o diálogo e a busca de consensos.

  Pelo que vou percebendo da cobertura noticiosa na Malásia ou na Indonésia, por exemplo, creio que estão bem encaminhados os interesses de Timor.

  Quando concretizarem a adesão vão, contudo, precisar de ter muito cuidado para não falharem compromissos por falta de recursos humanos e materiais.

  O escrutínio dos media regionais vai acentuar-se e não sei se dispõem, por exemplo, de pessoal com domínio correcto do inglês para servir de interlocutor aos jornalistas estrangeiros.

  Tentar esconder insuficiências ou acusar os outros de paternalismo ou arrogância é contraproducente, isso vos garanto.

  Como é que vão assumir óbvias insuficiências? Como é que vão explicar a lógica da vossa estratégia de desenvolvimento social e económico no contexto da ASEAN? Conseguem avançar com calendários realistas para concretizarem certos compromissos?
É bom que tenham isso rapidamente esclarecido.

  Olhando a leste não percebo bem que importância estão a dar à relação com estados da Melanésia, da Papuásia-Nova Guiné às Fiji e Vanuatu.

  Qual é o tema principal: a cooperação e interesse mútuo em prol da estabilidade interna de cada estado? Basta pensar no que por cá se passou em 2006 ou das intervenções militares nas Fiji para perceber o delicado da questão.

  Convergências quanto a projectos de desenvolvimento sustentado e gestão de ajudas externas? É isso que está na mesa? Política ambiental?

  Naturalmente algumas vezes os compromissos e promessas timorenses na área melanésia podem entrar conflito com interesses da Austrália e da Nova Zelândia e ainda da Indonésia.

  Então, como é que hieraquizam prioridades ou ponderam superar potenciais conflitos?

  Para os dois grandes vizinhos desenvolvidos, a Austrália e a Nova Zelândia, a lógica informativa terá, também, de ser bem afinada, muito direccionada, e desde logo dou-vos conta de uma grande perplexidade pessoal.

  No contexto internacional os media australianos são a principal e melhor fonte de informação sobre Timor. Contudo, é muito frequente ouvir-se por cá que determinados órgãos de informação australianos estão ao serviço de certos interesses inconfessáveis ou bem identificados, etc., etc.

  Mesmo que achem que isso seja verdade, ignorando que esses mesmos media são em regra de alto nível e influentes, não aconselho que sigam por aí.

  Desde logo estão a evidenciar uma ideia conspirativa e manipulatória do que sejam os media.

  A seguir façam este exercício. Nomeiem um ou uma jornalista timorense de reputação internacional. Agora identifiquem os principais dez jornalistas australianos que contam por esse mundo fora.

  Se ainda não estiverem convencidos o caso complica-se.

  As grandes agências internacionais de informação usam o jornalismo australiano, seguido do indonésio, como fonte sobre Timor até porque os media timorenses são muito incipientes, virados para assuntos domésticos e expressam-se essencialmente em tétum, uma língua muito respeitável, mas sem difusão internacional.

  Isso, aliás, leva a que o estado timorense aspire a dispor de um meio com certa projecção capaz de noticiar aspectos geralmente menosprezados das realidades locais e posições políticas próprias.

  Criar uma agência noticiosa costuma ser a resposta óbvia para esse anseio.

  Há, no entanto, um risco tremendo: se essa agência se tornar num órgão sem independência, subordinado a interesses partidários e pessoais, não terá qualquer credibilidade.

  Será um desperdício de dinheiro, uma feira de vaidades, uma mancha para o bom nome de um regime democrático.

  Quem tem responsabilidades políticas ou administrativas em Timor deve evitar essas tentações nos contactos com os media, sejam eles timorenses ou estrangeiros.

  O princípio a seguir para uma boa interacção com os media é sempre igual: seja o mais rigoroso possível, omita o menos possível.

  Fuja à tentação de manipular porque frequentemente não funciona e só o deixa mal visto.

  É certo que a mentira e as omissões resultam muitas vezes no curto prazo, mas acabará por ser desmascarado.

  Não hostilize, ignore ou subestime os jornalistas que o abordam.

  Cultive em particular, ou seja, discuta abertamente com os poucos jornalistas e especialistas das mais diversas áreas, que vão seguindo com alguma continuidade e conhecimento a actualidade de Timor.

  Medite sobre o facto de certas mensagens não passarem.

  Por vezes pode não ser por deficiência de comunicação ou por esbarrar contra interesses instalados.

  Vou dar um exemplo e é natural que não gostem de ouvir isto.

  Digo-vos que, pelo menos na Europa, ninguém que conte na área da energia considera credível o projecto de processamento de gás natural na costa sul de Timor.

  Não é por a Woodside ter recursos para influenciar ou manipular jornalistas, gestores, académicos ou políticos menos honestos. Não. É porque o projecto é tido como não sustentável economicamente. Neste caso já não é uma questão de comunicação. É uma questão de análise e decisão política e económica.

  De qualquer forma, deixando agora de lado esta importante matéria, vamos partir do princípio de que foi definida uma estratégia, desejavelmente correcta, por decisores legitimados democráticamente, e pensar bem na mensagem que se deseja transmitir e nos meios para o fazer.

  O que nos traz de novo a uma geografia de comunicação.

  Espero que Timor, ou, já agora, experimentem dizer Díli que dá outro peso, tenha uma política de comunicação bem articulada no que toca à Indonésia.

  Falo da política estado a estado. Disputas, divergências até por causa de um passado tão doloroso, exigências de reparações, são incontornáveis.

  A reconciliação estado a estado, o esquecimento doloroso no seio das próprias nações, é, contudo, feita também à custa de perfeitamente compreensíveis e justas exigências de justiça.

  O mal, o abuso, o terror, é questão que estará sempre presente, mas a forma como Díli e Jacarta ultrapassaram traumas tão vivos dá razão para ter esperança que alguma coisa possa mudar de facto.

  Lembro-me de como Pramoedya Ananta Toer me advertiu uma vez, em Jacarta, pouco antes do referendo de 1999, fumando kreteks uns atrás dos outros, que seria de temer o pior do género humano em coisas de política.

  Fora assim na ilha de Buru; assim fora nos contrafortes do Matabian.



  Pak Pram, era um escritor superior, assumidamente controverso em questões políticas, mas com uma sensibilidade que imediamente o levava a compreender quando o conheci pessoalmente em 1999 que pelas bandas de Timor estava em jogo qualquer coisa de fundamental.

   Lembro Pak Pram para sublinhar que aqui joga a vosso favor o conhecimento do bahasa indonesia, a militância democrática no arquipélago, e a memória de certos horrores da História.

  Mudando de paragens é altura de referir que na área de expressão portuguesa certas prioridades são óbvias.

  Temos a cooperação para a divulgação da língua portuguesa, um imperativo constitucional da República Democrática, para qual é fundamental sobretudo o empenho de portugueses e brasileiros.

  Portugal tem ainda maiores obrigações porque é ex-potência colonizadora e membro da União Europeia e o Brasil pela sua importância indiscutível não se pode eximir de responsabilidades.

  Toda uma série de razões culturais, económicas e políticas fazem de Moçambique, Angola, São Tomé e Princípe e Cabo Verde parceiros de eleição, mas é necesário descobrir como adequar a mensagem a cada país e potencializar as relações.

  No caso do deplorável estado falhado da Guiné-Bissau é já Timor que, na medida do possível, tenta ajudar.

  A política de protecção das línguas nacionais em Moçambique e Angola, a par da utilização da língua administrativa nacional, apresenta aspectos de muito interesse para Timor, por exemplo.

  Noutras vertentes os serviços de comunicação do estado timorense têm a obrigação de facultar informação fidedigna a países dadores, seja o Japão ou a Noruega, e a organizações internacionais.

  Por vezes podem até recorrer a agências de comunicação para campanhas pontuais, mas melhor será se dispuserem de recursos minímos permanentes para dar resposta aos media.

  Desnecessário será dizer que Macau facilita ainda o contacto com a China, uma potência que tem vindo a alargar a sua rede de interesses. O vasto mundo da China está muito para além de Macau, mas o que importa é que face a Pequim, bem como ante os Estados Unidos, importa definir especificamente o que se pretende.

  Vale o mesmo para as agências especializadas das Nações Unidas e organizações não-governamentais estrangeiras e nacionais vitais para projectos de desenvolvimento.

  Por todas estas razões não é conveniente que o aparelho de estado timorense continue excessivamente dependente de organizações de voluntariado como a ETAN, que, sublinhe-se, realizou e realiza um notável trabalho, para produzir e fazer circular informação.

  O meritório serviço de difusão destas organizações ou de entidades religiosas não exime o estado das suas obrigações de facultar directamente ou através da media informação aos cidadãos da República Democrática, às comunidades timorenses em Portugal ou na Austrália, a jornalistas estrangeiros, a outros estados e instituições internacionais.

  Apesar da turbulência do pós-independência Timor-Leste ainda conta com um grande capital de simpatia, mas não se deixem levar pela autocomplacência.

  Têm pouca gente qualificada no aparelho de estado para produzir e elaborar informação que frequentemente exige grande rigor técnico.

  Os media timorenses, públicos ou privados, estão ainda no início do caminho para, a pouco e pouco, cumprirem funções de escrutínio, crítica, ou divulgação de informação útil.

  As vossas elites são muito escassas, sensivelmente metade da população subsiste abaixo da linha de pobreza, o crescimento demográfio anual é excessivamente elevado atingindo os 2,9%.

  Portanto, tudo é difícil e a comunicação com o exterior, que é o assunto em que tenho particular competência para falar, ressente-se disso.

  Os quadros timorenses que possam intermediar com o estrangeiro dominam sobretudo o bahasa, poucos, demasiado poucos, o português e o inglês.

  Nem sequer sei se existe algum levantamento sobre as capacidades linguísticas, escritas e faladas, da administração timorense e nos media.

  Persiste uma grande dependência da cooperação internacional estatal ou não-governamental.

  Esta escassez de pessoal, as infraestruturas de comunicação extremamente deficientes ou quase inexistentes em boa parte do país, obrigam a um esforço tremendo para definir prioridades e não desperdiçar os escassos recursos disponíveis.

  À míngua de gente qualificada pode, ainda, vir a ocorrer um fenómeno altamente negativo e que, de repente, inquina tudo.

  Falo da promiscuidade, da rotação acelerada, do hoje ajuda-me tu que amanhã pago eu o favor, enfim, das transferências de quadros das estruturas de comunicação do estado para empresas privadas, com retorno garantido e vice versa.

  Esse vai e vem entre sectores públicos e privados, mesmo quando sujeito a legislação rigorosa, dá azo a imensos abusos e alimenta as piores suspeitas.

  Em Portugal, digo-o francamente, confrontamo-nos com uma realidade confrangedora nessa matéria.

  Fico por aqui e não lamento ter essencialmente destacado problemas, insuficiências, dúvidas, perplexidades, apesar de se ver por aí imensa coisa boa.

  Haja alguém! É para isso que os amigos servem, ensinou-me o padre Xico.

  Na torna-viagem, dizia ele, de tanta discussão talvez algo de bom venha à luz do dia.

  Espero bem que sim.

 Obrigado.

Comunicação ao Seminário de Comunicação: "Interacção com os Media"
Díli, Salão do Ministério dos Negócios Estrangeiros
23 de Março de 2013

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