sexta-feira, 12 de abril de 2013

Perdas e danos





   O que ninguém irá esquecer é que os governos da eurozona começaram por aceitar o confisco parcial de todos os depósitos bancários em Chipre para angariar fundos que permitissem manter num nível inferior a 100% do PIB a dívida de Nicósia de forma a garantir a participação do FMI num resgate.

   A derradeira versão do acordo salvaguardou a garantia que alegadamente cobre na eurozona os depósitos até 100 mil euros, mas estabelece um novo princípio: cabe em primeiro lugar aos investidores e depositantes de montantes superiores a 100 mil euros assumirem perdas em caso de falências, reestruturações e recapitalizações bancárias.

   O presidente do Eurogrupo, bem como comissários de Bruxelas, responsáveis do BCE e governantes de diversos estados, tentam precisar agora que esta regra, que Jeroen Dijsselbloem começou por apresentar como modelo a aplicar genericamente, não obsta à procura de outras soluções para situações específicas.

   Investidores particulares e institucionais passaram, contudo, a ter de assumir como risco de aplicação de capitais na eurozona o precedente cipriota para reestruturação bancária, sobretudo se se confirmarem perdas na ordem dos 40% para detentores de depósitos acima de 100 mil euros no "Banco de Chipre" e "Laiki", conforme admite o ministro das Finanças cipriota Michalis Sarris.

   Encerramento de bancos por longos períodos -- desde dia 15 de Março em Chipre --, restrições a levantamentos e desconto de cheques, imposição de controlos sobre movimentos de capitais foram, igualmente, aplicados de forma inédita e sem contemplações e poderão ser repetidos a muito curto prazo na Eslovénia.

  As condições do resgate cipriota, obrigando desde logo à angariação de 5,8 mil milhões de euros por parte de Nicósia, impõem a redução drástica de um sector financeiro hipertrofiado, mas ainda assim menor do que o do Luxemburgo ou Malta.

   O corte radical na oferta de serviços que representam mais de oito vezes o PIB cipriota acarreta uma contracção económica significativa, mas, independentemente das consequências sociais, prevaleceu o imperativo de evitar a bancarrota e saída do euro de um estado que viu o seu sector bancário fortemente atingido pelo colapso grego de 2010.

   A directora do FMI, Christine Lagarde, numa vaga previsão indicou que a dívida pública cipriota manter-se-á na ordem dos 100% do PIB até ao final da década, sinal de que o empréstimo inicial de 10 mil milhões de euros, passível de ter de vir a ser reforçado, implica uma cura de austeridade pesada e não exclui a necessidade de novos resgates.

   Uma das consequências da urgência na angariação de fundos que irá assoberbar os governos cipriotas passa pela degradação da posição negocial de Nicósia nas negociações sobre a futura exploração dos seus depósitos de gás natural "off shore" e os diferendos sobre fronteiras marítimas com a Turquia.

  As hipóteses de avanços nas negociações para a reunificação da ilha dividida entre gregos e turcos desde 1974 são praticamente nulas e os diferendos entre a UE e Ancara sobre Chipre irão agravar-se.

  As garantias de liquidez para manter Chipre no euro pressupõem, ainda, a reestruturação dos termos do empréstimo concedido por Moscovo a Nicósia em 2011 de 2,5 mil milhões de euros. É de esperar que o Kremlin tente salvaguardar interesses de particulares e empresas russas à revelia dos compromissos assumidos no plano de resgate, avivando focos de tensão entre diversos estados da UE, Chipre e a Rússia.

   Sucessivas crises têm evidenciado a ausência de alternativas entre os 17 às políticas de reequilíbrio orçamental e redução da dívida soberana gizadas por Berlim.

   Os governos e os mais importantes partidos de oposição da Finlândia ou Holanda partilham a recusa alemã em aceitar mutualizações de dívida ou transferências líquidas para estados deficitários na eurozona, contando com largo apoio dos seus contribuintes e eleitores, e assim se vai cavando um fosso cada vez maior entre países com dinâmicas económicas e financeiras muito divergentes.

  Da discussão da supervisão bancária às reformas institucionais para unificação de políticas financeiras e económicas prevalecem posições defendidas por Berlim e inevitavelmente uma fronda anti-alemã, com fortes laivos populistas de extrema-direita e extrema-esquerda, ganha corpo pondo em causa os equilíbrios de toda a União Europeia além do espaço da moeda única.

  A subestimação ou obstinada recusa em ponderar custos políticos e estratégicos de opções financeiras (no caso cipriota os efeitos sobre as relações com a Turquia e as negociações para reunificação da ilha foram deliberadamente postos de lado), o desprezo pelo sofrimento social imposto por estratégias destruidoras de emprego em larga escala, a incapacidade para superar o persistente défice democrático das instituições europeias, revelam a extrema mediocridade dos actuais dirigentes da maior parte dos 27 e um acumular dramático de perdas e danos.



Jornal de Negócios
27 Março 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/joao_carlos_barradas/detalhe/perdas_e_danos.html

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