quarta-feira, 24 de abril de 2013

O terrorista do lado




Boston
15 de Abril 2013
   A radicalização terrorista de jovens de origem estrangeira e aparentemente adaptados aos usos e costumes norte-americanos é motivo de grande perplexidade para a maior parte da opinião pública dos Estados Unidos.

  A violência em Boston, contudo, está longe de ser caso único envolvendo cidadãos nascidos ou naturalizados norte-americanos e convertidos ao islamismo salafista e a tácticas terroristas.

   Anwar al-Alwalaki – filhos de iemenitas e nascido no Novo México – tornou-se ideólogo da "Al Qaeda na Península Arábica" até ser abatido por um míssil no Iémen em 2011, e Nidal Malik Hassan – nado e criado por emigrantes palestinianos na Virginia – major psiquiatra e responsável pela morte de 13 pessoas na base de Fort Hood, no Texas, em 2009, tipificam a radicalização terrorista salafista.

  A ideologia dos intransigentes do retorno ao califado e ao rigorismo dos primeiros seguidores do Profeta motivou outros actos terroristas nos Estados Unidos no pós 11 de Setembro envolvendo cidadãos naturalizados como, por exemplo, as conjuras fracassadas dos irmãos de origem paquistanesa Sheheryar e Raees Qazir, detidos em Miami, em 2012.

  Os irmãos Tsarnaev enquadram-se num padrão diferente à semelhança de Suleiman Talovitch, muçulmano nascido na Bósnia-Herzegovina em 1988, naturalizado em 2005 e, por motivação incerta, assassino de cinco pessoas num centro comercial em Salt Lake City, em 2007.

  Os matadores de Boston, filhos de uma avar do Daguestão e de um tchetcheno, tiveram um percurso atormentado do Quirguistão até à chegada a Massachusetts em 2002.

  Tamerlan (homónimo de Tamerlão o imperador turco-mongol do final do século XIV-início do século XV), nascido em 1986, evidenciou dificuldades de integração e a partir de 2008 deu sinais de interesse crescente pela religião islâmica e de radicalismo de orientação salafista.

   A sua estada de seis meses no Daguestão em 2012 e as suspeitas dos serviços de informações e segurança russos de eventual conluio com separatistas tchetchenos ou grupos extremistas do norte do Cáucaso têm contornos pouco claros.

   Tamerlão foi, no entanto, notoriamente o cabecilha de um acto de punição de increús e/ou de vingança contra quem lhe frustou aspirações ao reconhecimento e glória.

  Os meses de Tamerlão pelo norte do Cáucaso – a mais corrupta e violenta região russa com uma arreigadíssima tradição de resistência a invasores estrangeiros e centenários ódios clânicos, tribais, religiosos e nacionalistas – terão contribuído para a radicalização terrorista.

  O culto tradicional da honra e da vingança, a voragem do autosacrifício salafista – factores muito marcantes entre os tchechenos e os avar na convulsiva história do Cáucaso – podem ter alimentado ideias de violência a Tamerlão num imaginário onde se misturaria a mágoa pela discriminação como muçulmano, as atrocidades no Iraque ou Afeganistão por culpas americanas, massacres na Síria ou qualquer outro motivo de despeito.

  O "post mortem" ideológico de um terrorista à solta num país onde armas e violência são desvario quotidiano, é incerto, mas, por certo, politicamente separatistas tchetchenos e salafistas caucasianos nada têm que os leve presentemente a pretender hostilizar os Estados Unidos.

  A propaganda do Kremlin e muitos analistas russos sérios e independentes reiteraram, aliás, as denúncias de complacência de Washington ante os extremismos que campeiam no flanco sul da Rússia, ainda que a pista de uma eventual cumplicidade de salafistas terroristas tchetchenos no atentado não seja crível.

  A influência de Tamerlão sobre Dzhokhar (nascido em 1993 e baptizado com o nome do líder tchetcheno Dzhokhar Dudaiev, primeiro presidente da república separatista em 1991, morto por um míssil em 1996) aparenta tratar-se de um caso clássico de preponderância levando à radicalização do mais jovem por obediência e deferência ante um mentor modelar.

  Os Tsarnaev representam, igualmente, um dos pesadelos maiores dos serviços de informação e forças de segurança: terroristas sem vínculos organizacionais e logísticos a organizações que, por putativa inspiração ou justificação, se lançam em actos de violência de cunho mais ou menos amadorístico, mas potencialmente letais.

  Em regra, só as redes comunitárias e de vizinhança estão em condições de detectar e apenas em certas situações extremas mutações comportamentais que indiciem a possibilidade de eventuais comportamentos perigosos.

  A relação de confiança entre as autoridades repressivas do estado e o comum das gentes ou líderes comunitários, sobretudo, de etnogrupos ou filiações religiosas minoritárias, é muito difícil de conseguir, pode, naturalmente, nem sempre ser isenta de motivações ínvias, e exige persistência.

  Na Grã-Bretanha e no Canadá, conforme aparenta ser o caso da detenção dos suspeitos de conspiração para um ataque na ligação ferroviária Toronto-Nova Iorque, a investigação foi propiciada por um alerta/denúncia de um responsável religioso da comunidade islâmica de Toronto.

  Custa a admitir, mas o terrorista do lado pode ser ou não oriundo de uma região onde campeiem ódios e violências, inspirar-se em extremismos religiosos, nacionalistas, raciais ou étnicos, ou aparentar ser uma rapariga ou rapaz, sobretudo um rapaz, bem comportado que, de repente, mata e destrói.

  Para o recurso à violência indiscriminada contra civis ou, por vezes, alvos militares ou administrativos, nunca faltaram pretextos, motivações e desvarios, mas a motivação ideológica na opção por tácticas terroristas é fundamental.

  Nestes tempos em que o carácter espectacular de um atentado é tanto mais amplo quanto maior a cobertura noticiosa e a difusão em redes sociais o risco do ataque solitário aumentou ainda que seja diferente da táctica terrorista de organizações nacionalistas ou religiosas com estratégias relativamente bem definidas.


Jornal de Negócios
24 de Abril 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/joao_carlos_barradas/detalhe/o_terrorista_do_lado.html

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