sexta-feira, 12 de abril de 2013

Vale tudo



   Mais depressa se esquece a morte do pai do que um atentado ao património, conforme assevera o dito de Maquiavel, e, portanto, é crível que quaisquer promessas de garantias bancárias na zona da moeda única passem a vir a ser acolhidas com o mais sarcástico cepticismo.

   A quebra de confiança que sustenta o sistema bancário por via do confisco imposto a Chipre é irremediável e encontra como primeira justificação a impossibilidade do FMI poder aceitar estatutariamente uma dívida pública que salte dos actuais 84% para níveis incomportáveis próximos dos 140%, ainda que 100% seja tido por aceitável num período que se pode estender até 2020.

   Na eurozona, sobretudo na Alemanha, mas também na França, persiste entretanto a recusa de transferências financeiras directas para estados insolventes, seja por défices orçamentais derivados de investimentos e despesas excessivas ou colapso de esquemas bancários especulativos.

   Optou-se, assim, pela novidade de impor perdas à totalidade dos depositantes bancários depois de investidores privados terem assumido prejuízos na reestruturação parcial da dívida grega no ano passado.

   A crise cipriota, entre outras consequências, aniquila para os tempos mais próximos qualquer capacidade da UE para mediar o conflito entre gregos e turcos na ilha dividida desde 1974 e confirma o bloqueio, para gáudio de Berlim, Paris ou Viena, nas negociações de adesão da Turquia.

   A parte grega, sob pressão de Atenas, foi admitida no bloco de Bruxelas em 2004 para compensar a integração de estados saídos da derrocada comunista e com a hipertrofia do seu sector bancário, que a UE pretende reduzir em cinco anos de 8% para 3,5% do PIB, veio a revelar-se um dos elos mais fracos na exposição à dívida grega.

  A solução encontrada pelo Eurogrupo partiu do cálculo incerto de que um montante de 17,5 mil milhões de euros, praticamente equivalente aos 18 mil milhões de euros do PIB, seriam suficientes para evitar a bancarrota de Nicósia.

  O Mecanismo Europeu de Estabilidade poderia com 100 mil milhões de euros manter o nível de dívida próximo dos 100% do PIB, assegurando a comparticipação do FMI, mas tal implica que 5,8 mil milhões de euros sejam, por sua vez, arrecadados pelo governo de Nicósia que ainda não pode alienar futuras receitas da exploração de gás natural.

   O confisco bancário, além do aumento do imposto sobre capitais de apenas 10%, o mais baixo da eurozona, para 12,5% ao nível do praticado na Irlanda, foi a eleição do Eurogrupo que ignorou propositadamente interesses russos.

   Moscovo concedeu no final de 2011 um empréstimo a Chipre de 2,5 mil milhões de euros a 24 meses depois de Nicósia ter perdido o acesso ao mercado de financiamento e agora a Rússia afirma ser prejudicada directamente por decisões injustas, tecnicamente medíocres e perigosas.

   A forte presença russa na metade grega da ilha desde a queda do comunismo é resultado da busca de garantias de segurança para capitais de origem lícita e ilícita, do baixo nível de taxação e da permissividade dos controlos bancários e financeiros que só após a adesão ao euro em 2004 começaram a ser adaptados ao grau de exigência da UE.

   Dos 70,15 mil milhões de euros à guarda da banca no final do ano passado (mais 1,2% do que em 2011) 43,3 mil milhões cabiam a cipriotas, 5,3 mil milhões eram oriundos da UE (quebra de 1,2%) e 21,5 mil milhões tinham outras origens.

  A maior parte dos depósitos e investimentos estrangeiros, directos ou através de particulares e empresas cipriotas, é reconhecidamente de origem russa.

   As autoridades de Moscovo rejeitaram em consequência medidas de confisco bancário que afectam interesses legais, dúbios e criminosos de particulares e empresas russas que irão agora buscar refúgio no Dubai ou Singapura.

   Em termos de política externa russos e turcos confirmam as piores suspeitas quanto à UE e o euro sai politicamente cadáver da desventura do falhado resgate de Chipre.

Jornal de Negócios
20 Março 2013

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/joao_carlos_barradas/detalhe/2013_03_19_vale_tudo.html

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