sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A alemã tranquila




  Ainda antes do anúncio esta quarta-feira da deliberação do Tribunal Constitucional Federal sobre a legalidade da contribuição alemã para os pacotes de resgate da eurozona, alguns juízes fizeram saber que a soberania do parlamento de Berlim em questões orçamentais é uma prerrogativa inalienável.

   A coligação governamental preparou-se, consequentemente, para fazer votar no parlamento legislação sobre a obrigatoriedade da aprovação por parte da Dieta Federal, o Bundestag, de financiamentos para operações de resgate, compra de obrigações de estados da eurozona, etc., no âmbito do actual "Fundo Europeu de Estabilidade Financeira" e do "Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira" a criar dentro de dois anos.

   Os juízes de Karlsruhe terão, assim, acabado com quaisquer veleidades de criação de instituições supragovernamentais de índole federalista para coordenar e gerir políticas económicas e financeiras na União Europeia a não ser que tais entidades acatem um direito de veto alemão.

                               A federação inviável

   Este é o ponto essencial da jurisprudência constitucional da República Federal e levanta uma questão singela: se Berlim exige direito de veto em questões orçamentais é impossível aos demais estados da eurozona e da União Europeia descartarem idêntica prerrogativa a não ser que pretendam sujeitar-se à tutela alemã.

   A unificação fiscal, a uniformização de políticas económicas e financeiras entre os 17 estados do euro, só poderá realizar-se através da negociação de consensos sem margem para federalização do poder decisório.

   Um modelo de transferências financeiras, considerando os exemplos dos Estados Unidos, Austrália, Brasil ou Suíça, deverá garantir a autonomia orçamental dos estados que terão de respeitar limitações ao endividamento.

   O escrutínio por entidade supra-nacional da aplicação das verbas num sistema de redistribuição limitado na eurozona iria também, numa solução deste género, a par da não-responsabilização por dívidas nacionais assumidas em excesso dos limites acordados.

   Limitações culturais e linguísticas à circulação de mão-de-obra em função da oferta, diferenciais acentuados de produtividade, distintos sistemas de assistência e Segurança Social, são alguns dos factores que obstam à adopção de medidas de unificação que exigem o apoio dos representantes dos eleitorados de cada nação.

   A zona euro poderá, assim, vir a cindir-se, levando à criação de um núcleo diferenciado de estados actualmente com notações de risco altamente favoráveis que acatem, por exemplo, directivas orçamentais determinadas e controladas por uma estrutura distinta das instituições europeias existentes.

   Ainda assim, a questão da exigência de direito de veto, tipificada pelo Tribunal Constitucional alemão, continuará a ser um obstáculo de maior a uma união monetária que obrige a abdicar de soberanias nacionais em prol de estruturas federais.

   É uma incógnita o destino do euro como união imperfeita, mas caso a moeda europeia venha a subsistir será fora de um sistema político federal ou confederal.

                              As agruras da chanceler

   No próximo dia 18 Angela Merkel somará em Berlim a sétima derrota nas eleições estaduais e locais deste ano e no final do mês, dia 29, terá pela frente uma votação crucial no parlamento federal.

  Depois das desfeitas nas eleições de 2011 e de ver os liberais, seus parceiros de coligação governamental, reduzidos à insignificância, Merkel precisa de garantir que a maioria de 330 deputados de centro-direita aprove no Bundestag os planos de reforço do "Fundo Europeu de Estabilidade Financeira" de 250 para 440 mil milhões e a compra de obrigações no mercado secundário.

   Social-democratas e verdes estão dispostos a apoiar o aumento de financiamento, que implicará um acréscimo das garantias alemãs de 123 mil milhões para 211 mil milhões de euros, defendendo até condicionalmente a emissão de obrigações europeias, o que garante a aprovação parlamentar.

   Se a chanceler depois de quase seis anos no poder se vir, no entanto, obrigada a contar com sociais-democratas e verdes para atingir os 311 votos necessários de forma a colmatar reticências ou a oposição declarada de deputados do bloco conservador a sua perda de prestígio e capacidade de liderança serão devastadoras.

   Até nova ronda de eleições estaduais na Primavera de 2013 e antes das legislativas no final desse ano muito terá Merkel de penar para recuperar a confiança do eleitorado.

                                            O diktat

   Ironicamente as tentativas de hegemonização franco-alemãs na eurozona acabam por perder qualquer justificação política a partir do momento em que o Tribunal Constitucional alemão reforce o receio da maioria dos demais estados de que um diktat de Berlim venha a ser sempre a decisão de última instância.

   No imediato a inexorável marcha para a bancarrota da Grécia e a irresponsabilidade orçamental de Silvio Berlusconi agitam os mercados numa altura em que se torna evidente a incapacidade da líder democrata-cristã definir uma estratégia face à crise do euro aceitável pelo eleitorado alemão.

   Merkel, crente na lisura exemplar do modelo económico alemão e nos princípios de austeridade orçamental anti-inflacionária, hesita, continua a obsfucar as responsabilidades da banca alemã na crise e os custos da sua recapitalização, enquanto a desvastação se acumula.

   A chanceler, limitada nas suas opções ante a crescente desconfiança sobre os reais custos da participação alemã na eventual emissões de obrigações europeias e os riscos de um aumento da actual dívida pública, cifrada em 83% do PIB, tacteia o caminho.

   Entre as certezas que Merkel mostra em público falha a noção de que tão difícil, senão mesmo impossível, será tentar impor a outrém o que não se consegue negociar no próprio país.



Jornal de Negócios
07 Setembro 2011

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