sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O cilício de Passos Coelho


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Foto: Joshua Benoliel, "A Ilustração Portuguesa"
                                  Nº 263, 6 de Março de 1911  


   Os planos de contingência da cimeira europeia para conter a crise do euro começaram a falhar ainda antes de Dezembro chegar ao fim e a desmoralização alastra.

   Londres recusou participar no financiamento excepcional de 200 mil milhões de euros dos estados da UE ao FMI numa tentativa de levar a instituição de Washington a criar linhas especiais de crédito para a eurozona.

   Os Estados Unidos já tinham manifestado o seu desinteresse num maior envolvimento do FMI na crise europeia, enquanto a China, Rússia e Brasil insistiam na necessidade de os próprios estados da UE angariarem os recursos necessários antes de tentarem recorrer a empréstimos nas instâncias internacionais.

                                          Fundos curtos

   A falta de um acordo a nível do G 20 foi assim pretexto suficiente para o Reino Unido não contribuir com cerca de 30 mil milhões de euros para um fundo que ficou reduzido a 150 mil milhões de euros.

   Portugal, Grécia e Irlanda quedam fora deste esforço de financiamento, enquanto estados da UE que não integram a moeda única, como a Dinamarca, República Checa, Polónia e Suécia, manifestaram a intenção de avançar com contribuições diversas conforme exigência do "Bundesbank" que pretende agregar o maior número possível de países dos 27.

   O fundo de resgate de emergência continua a contar, por sua vez, com pouco mais de 250 mil milhões de euros em caixa e o "Mecanismo Europeu de Estabilidade", cujo início de operações com disponibilidades na ordem de 500 mil milhões de euros, foi antecipado um ano para Junho de 2012, depara-se com duas dificuldades de maior.

   A Finlândia recusa prescindir da regra de unanimidade e põe em causa a opção de que o novo fundo permanente possa decidir actuar em situações de emergência quando estiverem reunidos 85% dos direitos de voto dos países da zona euro, independentemente das objecções da minoria.

                                 A degradação anunciada

   A "Fitch", por seu turno, juntou-se à "Standard & Poor’s" ao baixar para perspectiva negativa a notação AAA da França o que, além de motivar uma azeda troca de argumentos entre responsáveis financeiros de Paris e Londres sobre qual dos dois países apresenta piores indicadores económicos merecendo a degradação da sua capacidade de endividamento, ameaça fragilizar os fundos de resgate europeus.

   Os limitados recursos do "Fundo Europeu de Estabilidade Financeira", criado em Maio de 2010, e a sua notação AAA serão postos em causa se a França, conforme a maior parte dos investidores antecipam, perder o estatuto que partilha com a Alemanha, Finlândia, Holanda, Áustria e Luxemburgo.

   Acresce que as facilidades de crédito a três anos, com juros de 1%, que o "Banco Central Europeu" anunciou para a banca não irão ser canalizadas prioritariamente para o mercado da dívida soberana dadas as necessidades de recapitalização do sector avaliadas em 115 mil milhões de euros, obrigando assim a instituição de Frankfurt a prosseguir as compras no mercado secundário.

   A polémica político-legal sobre os termos de acordo intergovernamental a 26, excluindo a Grã-Bretanha, marcará o primeiro trimestre de 2012 e arrastar-se-á na sequência das eleições presidenciais francesas de Abril/Maio já que o candidato socialista François Hollande defende a eventualidade de recurso a emissões de obrigações europeias, mutualizando a dívida.

   A possível eleição de Hollande relançará a contestação à estratégia de austeridade imposta por Berlim que abafa qualquer hipótese de crescimento nos países assoberbados pela exigência de reduzir a curto prazo défices orçamentais e condenados a manter dívidas públicas que levarão décadas a baixar para níveis sustentáveis.

                             O gado humano para exportação

   O contexto é depressivo e a recessão anunciada para 2012 justifica uma desmoralização crescente que em países como Portugal é agravada por um discurso governamental propenso a enaltecer as virtudes salvíficas e morigeradoras do empobrecimento, enquanto nas hostes da oposição campeia notória irresponsabilidade.

   Um chefe de governo que constata as óbvias tendências de contracção demográfica e a incapacidade de reciclar e empregar mão-de-obra qualificada e excedentária num país pouco competitivo teria de dar sinal da sua modernidade reformista recorrendo ao mais tradicional dos expedientes nacionais.

   Seco e desencantado, Passos Coelho fez-se eco dos clássicos benefícios da emigração e quase parecia um discípulo de Oliveira Martins, descontando o pormenor do historiador oitocentista deplorar a saída maciça para o estrangeiro como "nosso atestado de prostituição política e económica."

   Oliveira Martins ao analisar, em 1891, a "fatalidade" da emigração concluía que "nos termos a que deixámos chegar a nossa economia nacional é indubitável que, sem subsídios do Brasil pela exportação da indústria da cria de gado humano há muito que teríamos rebentado falidos."

   Rematava o historiador que "se não os exportássemos, nas condições em que isto por cá anda, tínhamos um suplemento de alguns milhares de pretendentes a empregos reles, de galopins de eleições ou de parasitas a quem seria necessário salariar por outra forma com Obras Públicas, ou simulacros delas, unicamente empreendidas para lhes dar de comer. É, portanto, muito preferível que vão para fora; e como para parte nenhuma podem ir com mais proveito, seu e nosso, é excelente que vão para o Brasil."

   Foi excelente noutros tempos e há quem pense que se faz outra vez tempo de partir.

Jornal de Negócios
21 Dezembro 2011

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