sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Adeus e lutai!

Dois anos depois de uma grandiloquente cimeira, em Lisboa, o encontro da NATO, em Chicago, serviu para constatar o fracasso da intervenção no Afeganistão, a degradação das relações com a Rússia e as crescentes dificuldades provocadas por falta de recursos financeiros.

O anúncio de que o projecto anti-mísseis na Europa terá atingido uma "capacidade interina de defesa" não esconde que, na prática, tudo se reduz a uma estrutura de comando em Ramstein, na Alemanha, à disponibilização de intercessores em vasos de guerra norte-americanos no Mediterrâneo e a instalações de radar na Turquia.

Moscovo opõe-se em absoluto ao escudo anti-mísseis balísticos, aprovado em Lisboa, em Novembro de 2010 para obstar a eventual ameaça iraniana, por considerar que degrada a capacidade de dissuasão nuclear russa.

A eficácia do sistema, que deverá ficar operacional em 2020, está por demonstrar, e os custos previstos (apenas 200 milhões de euros a partilhar pelos 28 estados membros) aparentam pecar por defeito, enquanto a polémica com Moscovo se acentua.

Partilha e eficácia

Constrangimentos financeiros levaram, entretanto, a aliança a optar por um sistema dito "defesa inteligente" para partilha de custos no desenvolvimento e aplicação de sistemas e equipamentos militares.

À medida que os Estados Unidos contribuem para 75% das despesas de defesa da aliança e, somente cinco estados cumprem a meta de investimento de 2% do PIB em gastos militares, a viabilidade de muitos projectos fica em causa.

A partilha de equipamentos, instalações e pessoal corre também o risco de ser prejudicada por eventual veto de algum estado a acções militares ou mera recusa em participar em operações como sucedeu com a Polónia ou a Holanda na Líbia em 2011.

A redução generalizada de investimentos na defesa, a reorientação estratégica para a Ásia de Washington levantam, igualmente, dificuldades crescentes à compatibilização de capacidades operacionais dos Estados Unidos com os aliados europeus.

Entre a retirada e a debandada

François Hollande reafirmou, em Chicago, que as tropas francesas abandonarão missões de combate no Afeganistão até Dezembro à revelia do calendário da NATO que aponta para o final de 2014, seguindo o exemplo da Holanda que retirou em Dezembro de 2010.

Os Estados Unidos com cerca de 100 mil efectivos representam o grosso dos 130 mil militares estrangeiros presentes no Afeganistão e a transição de missões de combate para acções de treino e assistência em meados de 2013 promete revelar-se difícil.

Obama reconheceu que, após a retirada em 2014, a situação não será a desejável, baixando a fasquia do objectivo estratégico da intervenção iniciada no final de 2001.

Obstar a que o Afeganistão propicie de novo bases para acções terroristas de âmbito regional e internacional é presentemente o desiderato minimalista de Washington que não consegue chegar a acordo com o Paquistão sobre o papel que possam vir a desempenhar os talibã.

Os conflituosos interesses de chefias militares e lideranças políticas paquistanesas convergem num consenso sobre a necessidade de salvaguardar uma retaguarda de segurança apoiada na maioria pashtun no Afeganistão, sobretudo na eventualidade de novo confronto militar com a Índia.

O exército e forças de segurança afegãs, que venham a sustentar um governo em Cabul a partir de 2014, dificilmente conseguirão impor-se em todo o país e as clivagens étnicas nos corpos militares, sobretudo entre tadjiques e pashtun, nada auguram de bom para a estabilidade do país.

O candeeiro de Cabul

O plano da NATO de manter apenas 15 mil a 20 mil militares no Afeganistão por um período de dez anos após 2014, com custos anuais de 4,1 mil milhões de dólares, releva da quimera.

Obama assegura que os Estados Unidos nunca irão abandonar os controversos aliados de Cabul à sua sorte, mas no Afeganistão toda a gente sabe da sorte de Mohammad Najibullah, o Hamid Karzai de Moscovo.

Najibullah ainda resistiu depois dos soviéticos retirarem em Fevereiro de 1989, mas viu-se cercado em Cabul e, ao acabar abandonado pela Rússia em 1992, foi varrido pela guerra civil.

De Najibullah sabe-se ainda que penou os últimos anos refugiado na missão da ONU em Cabul e acabou castrado e enforcado num candeeiro quando os talibã tomaram a capital em Setembro de 1996.

Jornal de Negócios
23 Maio 2012

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