terça-feira, 28 de agosto de 2012

Quarenta anos depois de Nixon



   À liderança chinesa importa projectar uma imagem de coesão e coerência estratégica numa fase de transição geracional no partido e no Estado

   Xi Jinping, futuro homem forte da China, encontrou-se com Obama, na Casa Branca, para reforçar a "confiança mútua", enquanto o primeiro-ministro Wen Jiabao reiterava, em Pequim, que eventuais investimentos chineses nos fundos de resgate europeus dependem de uma estratégia credível da UE para superação da crise da dívida soberana.

   Van Rompuy e Barroso, encurralados por concessões que terão de fazer para reconhecimento da China como economia de mercado ou comprador sem peias de armamento, foram novamente notificados de que, malgrado o risco de recessão do seu principal parceiro comercial, Pequim só intervirá nos mercados financeiros a favor do euro mediante sólidas garantias de Bruxelas e do BCE.

   Incapazes de asseverarem a exequibilidade de uma incerta estratégia de estabilização da eurozona, Barroso e Van Rompuy deixaram Pequim entregues a si próprios e, uma vez mais, ficou a claro que a China, como qualquer outra potência, coopera ou opõe-se a outros estados antes do mais em função dos seus próprios interesses.

   Xi entrava nessa mesma terça-feira na Casa Branca, 40 anos depois da histórica visita de Richard Nixon a Pequim, e poucos em Washington se mostravam capazes de estar à altura do malfadado presidente republicano para tentarem antever os próximos confrontos com a China.

                                            Os timoneiros

   À liderança chinesa importa projectar uma imagem de coesão e coerência estratégica numa fase de transição geracional no partido e no estado, marcada por fortes tensões internas e incertezas sobre crises internacionais, designadamente no Médio Oriente com ameaças para o fluxo de fornecimentos de petróleo da Arábia Saudita e do Irão.

   A reformulação do modelo de desenvolvimento a concretizar pela chamada "quinta geração de líderes comunistas" obriga ao reforço do consumo interno e à redução de impactos ambientais negativos num ambiente de polarização social conflitual, escassez de oferta de mão-de-obra e, conjunturalmente, alto risco financeiro por via da explosão da "bolha imobiliária" e do endividamento excessivo de autoridades provinciais.

    O vice-presidente Xi -- em Outubro, aos 59 anos, será eleito secretário-geral do Partido Comunista antes de assumir em Março de 2013 a chefia do estado -- nos encontros desta semana com a elite do poder norte-americano visa firmar o seu estatuto internacional de guardião dos interesses de Pequim ao mesmo tempo que testa as possibilidades de entendimento com Washington.

   Independentemente de Xi e Barack Obama conseguirem encetar uma relação pessoal razoável (ao invés da notória frieza patente no trato com o actual presidente Hu Jiantao) o futuro líder chinês lidará com uma Casa Branca democrática, ou eventualmente com Mitt Romney, segundo alguns princípios estratégicos muito claros.

                                             O confronto

   Pequim considera-se parceiro paritário de Washington e desconta as tiradas de campanha eleitoral de republicanos e democratas sobre concorrência desleal chinesa destrutiva de postos de trabalho nos Estados Unidos.

   Acções unilaterais norte-americanas são, contudo, inaceitáveis para Pequim e controvérsias sobre alegadas manipulações do yuan, desrespeito por direitos de propriedade intelectual ou proteccionismos, terão de ser enquadradas num fluxo de trocas que no ano passado se saldaram num défice comercial de Washington de 295 mil milhões de dólares ante o seu principal credor de dívida pública.

   Em Washington, tal como nas principais capitais europeias, ainda é difícil aceitar a nova relação de forças e ora se sobrestima uma irresistível ascensão da China, ora se subestima a imensa conflitualidade de uma sociedade de desigualdades crescentes com baixo patamar de rendimento per capita e em vias de urbanização acelerada em que só este ano os citadinos superaram a população rural.

   Pelas bandas de Pequim, por outro lado, é difícil definir os termos de acerto entre uma reivindicação de orgulho nacionalista promotora de consensos em torno do partido/Estado e ameaçadora para a maior parte dos países vizinhos e uma política realista que contenha a estratégia de Washington de preponderância militar e controlo das principais rotas marítimas do Índico ao Pacífico.

    O confronto é assumido como risco a prazo por todos os competidores.

    Com Xi e talvez com Obama a China chegará à outra curva da estrada que nem Mao nem Nixon chegaram a vislumbrar.


Jornal de Negócios
15 Fevereiro 2012

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=538273

Sem comentários:

Enviar um comentário