sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Chávez: o demolidor frustrado

   


   "Operação Demolição" de Hugo Chávez fracassou e a frente de partidos da oposição venezuelana conseguiu uma minoria de bloqueio na Assembleia Nacional.

   Na votação de domingo, a Mesa de La Unidad Democratica elegeu 65 deputados e os dissidentes das hostes governamentais do Patria Para Todos outros 2, contra 98 mandatos do bloco chavista do Partido Socialista Unido, segundo resultados preliminares.

   Três dias após a votação, com a participação de 67% dos eleitores, prosseguia a polémica sobre quem arrebatara a maioria dos votos expressos.

   A frente oposicionista que congrega 18 partidos foi claramente prejudicada pela repartição dos círculos eleitorais que desde 1999 favorece desproporcionadamente a representação de áreas rurais e circunscrições onde é maior o apoio a Chavez.

   Um indicador da divisão do eleitorado ficou a claro na votação paralela dos representantes venezuelanos para o Parlamento Latino Americano, uma organização regional onde cada estado conta com 12 mandatos.

   Neste caso, os dois blocos acabaram praticamente empatados: 5,22 milhões de votos para os apoiantes de Chávez e 5,04 milhões de sufrágios para os demais partidos.

                            O prelúdio das presidenciais

  A frente oposicionista redimiu-se do erro de boicotar as legislativas de 2005. Só no ano seguinte, ao descartar radicais de direitas, a oposição ganhou uma nova dinâmica ao avançar com a candidatura presidencial de Manuel Rosales.

   O bloco de partidos de esquerda e direita terá agora de acordar um candidato às presidenciais de 2012: Henrique Capriles, governador de Miranda, o segundo estado mais populoso do país; Carlos Ocariz, presidente do município de Sucre; e Pablo Álvarez, governador do Estado de Zulia, fronteiro à Colômbia, são, de momento, os mais bem colocados para fazerem frente a Chavez.

   Fracassou Chávez na "Operação Demolição", tal como denominou o objectivo da campanha eleitoral frente ao desafio oposicionista.

   Manter uma maioria de dois terços na Assembleia revelou-se impossível para Chavez e a alta participação eleitoral, a comparar com a abstenção de 75% na votação legislativa de 2005, saldou-se num desaire político semelhante ao fracasso no referendo constitucional de 2007.

   A erosão da frente chavista é clara, mas, apesar do presidente ficar privado a partir de Janeiro de impor sem negociar com a oposição, legislação de fundo, as chamadas leis orgânicas, e de proceder a nomeações fulcrais para o Supremo Tribunal ou a Procuradoria, que por sinal controla, a sua margem de manobra não deve ser subestimada.

   Nos próximos meses, Chávez pode optar pela radicalização, dando novos poderes a organizações ditas comunais, dependentes do poder central, e é dele o domínio dos meios do estado e das forças armadas que lhe serviram para minar as iniciativas dos representantes da oposição sufragados nas eleições locais faz dois anos.

   As eleições para a Assembleia Nacional criaram, contudo, uma nova dinâmica para as presidenciais de 2012. Chávez é, de longe, em termos de popularidade, o político mais destacado da Venezuela, mas se a oposição se mantiver unida na apresentação de um candidato comum, as suas aspirações de vitória não são descabidas.

   As taxas de aprovação de Chávez podem ter caído para os 40%, mas não existe presentemente político capaz de lhe fazer frente num "mano a mano".

   Um candidato da oposição terá de começar bem cedo a campanha para se afirmar a nível nacional contra um presidente que é o único denominador comum de grupos tão díspares quanto a frente anti-Chavez.

   O dilema de Chávez é ter-se tornado num "caudillo" sem conseguir criar um movimento/partido, com forte base sindical, à imagem do peronismo histórico na Argentina, capaz de preservar os objectivos da chamada revolução bolivariana.

                                    A degradação venezuelana

  É improvável que nos próximos anos Chávez consiga contrariar as tendências negativas que se manifestaram ao longo de uma década.

  A alta dos preços do petróleo permitiram avançar com subsídios para as classes mais pobres tradicionalmente desprezadas pelas elites venezuelanas.

   A pobreza absoluta terá, apesar de estatísticas controversas, diminuído cerca de 20%, mas, mesmo assim, perto de 30% da população subsiste com pouco mais de um euro por dia.

   Esta vertente positiva e mobilizadora do chavismo, a promoção dos descamisados ao modo de Juan Perón, confronta-se, contudo, com uma degradação generalizada da condição económica.

   No primeiro semestre de 2010, a economia sofreu uma contracção de 3,5%, a inflação anual chega aos 30%, e as falhas de abastecimento de energia eléctrica e bens essenciais de consumo são flagrantes.

   O sinal mais gravoso de falência da revolução bolivariana é, no entanto, o disparar na última década da violência social.

  A Venezuela é o país mais violento da América Latina.

  Os 19 mil homicídios ocorridos no ano passado marcam como que um ponto de não-retorno na capacidade do estado controlar a escalada de violência que evidencia uma incontornável dissolução da ordem.

                                   Jogo de soma nula

   Chávez, que tem ainda em mão a cartada nacionalista, bastando-lhe exacerbar o conflito com a Colômbia, não dará vida fácil a uma oposição bastante susceptível a divisões.

   A "Operação Demolição" frustou-se e a conturbada e enviesada democracia venezuelana, entre golpes promovidos à direita e à esquerda, entra agora numa fase em que dois blocos, com apoios sociais antagónicos, vão jogar tudo por tudo num combate que dificilmente se ficará pelo respeito de resultados eleitorais.

 
Jornal de Negócios
29 Setembro 2010

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