sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Dobre de finados

 


    Esta quarta-feira é bem possível que venha a soar o dobre de finados se a emissão de obrigações do Tesouro a quatro e dez anos confirmar a impossibilidade de Portugal se financiar a taxas de juro inferiores a 7 por cento.

   As compras do Banco Central Europeu contiveram no início da semana a tendência altista dos juros da dívida pública, apesar da inevitabilidade de quebras bolsistas, sobretudo da banca nacional, mas a prazo a situação portuguesa é deveras insustentável, independentemente das pressões imediatas de potenciais investidores para adquirirem títulos a taxas mais altas e lucrativas.

   O dúbio saneamento das finanças públicas, mesmo que se confirme uma redução do défice orçamental para níveis abaixo dos 7,3 % em 2010, implicou soluções de recurso como a transferência do fundo de pensões da PT para o estado, e os indicadores sobre a previsível evolução da economia portuguesa, incapaz de relançar um crescimento praticamente estagnado vai para uma década e em perda de competividade, conduzem a maioria de analistas e investidores a descartar as hipóteses de Lisboa conseguir evitar recorrer ao Fundo Europeu de Estabilidade.

                                Estranha forma de vida

    A conjuntura não ajuda com emissões de dívida pública da Grécia, Espanha, Itália, Holanda e Alemanha agendadas também para esta semana, num total de 42 mil milhões de euros, além do impasse governamental na Bélgica que põe em causa a redução do défice orçamental de 4,8 % (estimativa para 2010) para 4,1 % este ano, e a possibilidade da dívida soberana italiana, prestes a alcançar os 120 % do PIB, vir a revelar-se problemática com a turbulência política em Roma quanto ao futuro de Berlusconi.

   Os 750 milhões a 1 250 milhões de euros a colocar no mercado são um montante pouco significativo no conjunto das emissões desta semana, mas a manter-se um valor dos juros na ordem dos 7 % a 10 anos Portugal não escapará ao destino da Grécia e da Irlanda que tiveram de recorrer a ajuda externa a partir do momento, 17 dias no caso de Atenas e menos de um mês para Dublin, em que viram ser ultrapassada a barreira dos 7%.

   Independentemente da situação portuguesa ser menos gravosa do que a grega ou irlandesa o factor essencial será sempre o nível das taxas de juros.

   As notícias diversas sobre pressões para Lisboa recorrer ao Fundo de Estabilidade Europeu coincidiram, entretanto, com demais barro atirado à parede em matérias mais relevantes para a subsistência do euro.

   A eventualidade de em Fevereiro se chegar a acordo, com luz verde de Berlim, sobre um reforço do Fundo de Estabilização ou emissões de obrigações europeias indiciam, sobretudo, o reconhecimento de que estancar a crise em Lisboa só poderá revelar-se eficaz se outras medidas forem tomadas para evitar que após a Grécia, a Irlanda e eventualmente Portugal, a crise financeira afunde a Espanha, quarta maior economia europeia.

   Continuar a sustentar uma estranha forma de vida em que o BCE financia a banca privada que, por sua vez, adquire também dívida pública, é apenas solução a curto prazo justificada por alegados problemas de liquidez temporária quando, de facto, as finanças e economias dos estados débeis da eurozona, seus défices orçamentais, dívidas soberanas e diferenciais competitivos, independentemente de fragilidades por exposição bancária a recessões imobiliárias como acontece em Espanha, revelarem problemas muito maiores.

   As compras chinesas e japonesas irão assegurar as emissões de obrigações dos fundos europeus no montante de 34,1 mil milhões de euros para financiamento da Irlanda em 2011, além de outros 14,9 mil milhões de euros previstos para 2012, mas a adopção de medidas na eurozona, que incluam designadamente a penalização de credores privados, continua sobre a mesa e assumirá carácter de urgência se correr mal a emissão portuguesa desta quarta-feira.

                                         O dilema de Merkel

   As grandes medidas para salvaguarda do euro confrontam-se, no entanto, com um dilema político na Alemanha.

   Em Berlim, ainda que as suas exportações, em particular para a China, estejam em alta com a desvalorização do euro, admitir medidas extremas para sustentar a eurozona será complicado e Angela Merkel arrisca um suicídio político.

   Este ano a coligação democrata-cristã e liberal, formada após as eleições de Setembro de 2009, tem pela frente sete votações estaduais em 16 dos estados da federação que irão alterar a relação de forças na câmara baixa do parlamento.

   No Bundesrat tudo poderá correr mal para a coligação governamental, segundo indicam as sondagens, a começar pela votação a 20 de Fevereiro na cidade-estado de Hamburgo e piorar se, no início de Março, os democratas-cristãos de Merkel perderem o controlo de Baden-Württemberg, feudo conservador desde 1953 e sede da empresas com a Baimler ou a Bosch.

   Para Merkel, que quase falhou a chancelaria em 2005 numa péssima campanha eleitoral, o dilema passa por decisões que possam eventualmente sustentar o euro, enquanto não são definidas novas regras de uniformização orçamental ao arrepio das reticências das opiniões públicas sobre federalização ou concentração na Comissão ou Conselho Europeus de decisões que ultrapassem os poderes do Parlamento Europeu ou das legislaturas nacionais.

   Merkel se optar por sustentar o euro no que possa ser visto como um custo injusto para o contribuinte alemão, pagador de desordens orçamentais alheias, terá pouco mais de dois anos em posição débil para reverter uma situação de extrema fragilidade política.

   As possíveis soluções legais para contornar revisões nos parlamentos nacionais e no Parlamento Europeu de legislação fundamental deixam ainda em aberto questões muito mais significativas sobre legitimidade de representação política.

   A crise portuguesa, na impossibilidade de Lisboa continuar a financiar-se nos mercados para obter os 18 a 20 mil milhões de euros necessários este ano, é apenas um interlúdio e, eventualmente, obrigará a uma discussão política urgente na União Europeia.


Jornal de Negócios
12 Janeiro 2011

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=462619
  
  O pedido de resgate português ocorreu a 6 de Abril de 2011.

Sem comentários:

Enviar um comentário